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segunda-feira, 24 de junho de 2013

BRAZIL: A TRAÇA E UMA TROÇA KAFKANIANA!

TRAÇANDO A LITERATURA


Sérgio Antunes de Freitas


 
Acabo de ler um mini-conto de Paulo Corrêa Lopes, a História de uma

Traça, cujo início transcrevo aqui.



“Conheci uma traça que se tornou espírita por ter passado uma

temporada dentro de um volume de Allan Kardec.”



“Nunca vi espetáculo mais engraçado do que ouvi-la dissertar sobre a

teoria da reencarnação para o aperfeiçoamento das almas.”



“Por mais que eu tentasse convencê-la do absurdo do espiritismo, nada

pude conseguir. Parece que a traça sentia certo bem-estar íntimo.”


Ora! Uma traça com a virtude da leitura, não tive dúvidas, abri o

livro do escritor gaúcho, falecido em 1957 e sabedor, a essa altura do

tempo, se a traça estava certa ou errada.



E lá estava a bichinha entre as folhas!



Como andava fraquinha, por conta de tantos anos sem nada comer, eu a

coloquei em um livro do Paulo Coelho. Ela engordou bastante, mas não

falou nada sobre o que havia consumido.



Esperei que ela emagrecesse um pouco e voltei a deixá-la no interior

de outro livro. Desta vez, no atualmente falado “50 Tons de Cinza”.

Quando abri o volume, dias depois, ela me apresentou seus 50

filhotinhos.



Mais uma vez, eu a pus em um livro, cujo autor não tem a minha mínima

admiração literária. Afinal, se ela o comesse todo, não me faria

falta.


No outro dia, encontrei o livro no chão, praticamente intacto. Abri as

suas páginas e senti o ódio da traça, gritando comigo: - Você não tem

coisa melhor para oferecer aos seus convidados?



Envergonhado, despejei-a no O Capital, de Karl Marx.



Tempos depois, mais uma vez, me lembrei da minha tracinha e fui vê-la

em seu novo habitat socialista.



Com a boina do Che Guevara, ela estava meditabunda na capa do livro.

Olhou para mim de soslaio e comentou:



- Camarada, você é um traidor da Revolução! Eu senti, pelo gosto do

papel, que este livro está com você há muitos anos. Por conta desse

viés capitalista da sua personalidade, você não repassou o

conhecimento para os irmãos trabalhadores. É aquele egoísmo semelhante

ao que busca a mais valia. Livros, só se deve guardar os de consultas,

para que o conhecimento não fique esquecido no armário. A ignorância é

a arma das classes dominantes!



Para me penitenciar, decidi: - Dona traça, vou colocar você na Bíblia,

mas não coma o Cântico dos Cânticos, por ser a parte que mais gosto.


Pois foi a mesma coisa que dizer coma tudo. Ela já havia comido o

Gênesis, o Levítico e outros 15 livros, quando eu me dei pelo exagero

de seu estômago.


Fiquei bravo e ameacei colocá-la em um caderno com folhas em branco.

Ela se revoltou e bradou:


- Ó Deus do meu louvor, não te cales, pois a boca do ímpio e a boca

fraudulenta estão abertas contra mim; tem falado contra mim com uma

língua mentirosa. Eles me cercaram com palavras odiosas e pelejaram

contra mim sem causa. Em paga do meu amor, são meus adversários: mas

eu faço oração. Deram-me mal pelo bem e ódio pelo meu amor. (Salmo

109)


Sentindo ter me aborrecido e diante de uma vingança possivelmente

fatal, ela me propôs um acordo: - Pode me colocar em um livro que você

tenha escrito. Prometo que vou ler, refletir, e só comerei as bordas

em branco, para não estragar a sua obra.


Como eu já estava cansado, e querendo me livrar daquele inseto

petulante, informei: - Prezada Senhora Traça, atualmente, nós

escrevemos textos e livros eletrônicos, até mesmo para não gastar o

papel, agindo assim de forma ecologicamente correta.



E com o gostinho da vingança, complementei: - Portanto, traçinha

metida, seu futuro é a extinção da espécie. Há! Há! Há!



Dizendo-se arrependida, ela me olhou com tristeza e, de cabeça baixa,

fez beicinho.



Isso mexeu com o meu coração e, então, resolvi permitir que ela

continuasse a viver em um livro. Mas, agora, mais esperto, pensei

naqueles volumes desnecessários na atualidade.


Optei pelo Código Penal.







Sérgio Antunes de Freitas



16 de junho de 2013







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