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sexta-feira, 20 de abril de 2012

BRAZIL: sem uma cachaça...


LENÇOL ESTAMPADO

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Sérgio Antunes de Freitas



Esquerda festiva, união dos trabalhadores, burguesia, análise de conjuntura, revolução, companheirada, política de gênero, inclusão - são palavras que já me cansaram em reuniões, das mais diversas finalidades, com meus amigos progressistas. Apesar disso, sempre que sou convidado para um encontro desse tipo, dou pelo menos uma passadinha. Ali, fico atualizado sobre os alvos dessa tradicional guerra ideológica entre direita e esquerda, além de matar um pouco das saudades dos meus tempos de estudante, época do regime militar. As assembléias aconteciam na beira do Lago Paranoá, regadas a cachaça com limão, ao luar do cerrado, com fundo de violão arranhado.
No fundo, tenho um carinho enorme por esses Dom Quixotes modernos, geralmente com feições também quixotescas e corações aventurosos.
Aproveito quando alguém, novo ainda na batalha, propõe a criação de um jornal para denunciar as crueldades do capitalismo selvagem, divulgar os mais “nobres” objetivos revolucionários, sem estar atrelado a essa imprensa “pelega”. De imediato, dou um palpite para o nome do jornal: OPINIÃO. Só para ver se alguém concorda... ou conheceu!
Ah! Depois de tanta dedicação a essas reuniões nem sempre frutíferas, a gente tem direito a um pequeno divertimento.
Meu desgosto fica nos biscoitos insossos dos “naturebas”, assim chamados aqueles esqueletos que não comem proteínas, para, às vezes, se enquadrarem nos modernos padrões estéticos da televisão e das passarelas. Democraticamente, nunca respeitei. Nem aceitei. Horríveis! “O que seria do mau-gosto se não fosse esses biscoitos de fibra vegetal?” - plagio alguém que se referiu ao jiló.
Ruim também é quando alguém toma a palavra, começa uma auto-doutrinação e não conclui nunca. Para não parecer muito mal-educado, interrompendo um candidato a locutor de carro de som, acabei, por conta disso, chegando tarde à minha casa.
Pronto para me deitar na noite fria, notei que minha esposa havia se enrolado em todas as cobertas, sem sobrar nada para eu me cobrir. É como na realidade fundiária, quem chega primeiro se acha dono de tudo!
Fazia muito tempo que isso não acontecia. Sem acordá-la, eu não tinha com o que me agasalhar. E agora? Por desuso, eu não sabia mais em qual guarda-roupa eram guardadas as roupas de cama, mesa e banho.
Lembrei-me que, na área de serviço, há um armário onde são colocadas as roupas recentemente lavadas e passadas. Acorri ao meu pronto-socorro e vi, na frente de suas portas, a tábua de passar-roupa armada. Afastei um pouco o trambolho e abri uma fresta de porta.
Nunca imaginei que havia tanto pano dentro de uma casa! Consegui descobrir uma pilha que, tudo indicava, eram simpáticos lençóis. Serviriam, sim!
Quando me ergui para pegar um deles com a mão direita, encostei o dedinho da mão esquerda no ferro elétrico, que ainda estava quente. Há pouco, minha filhinha adolescente tinha ligado a resistência higiênica, mas maldita e perdulária, para passar uma camisa que queria vestir na manhã seguinte. Só serviria se fosse aquela, entre mil já passadas, claro!
Sensação de falange amputada, dedo debaixo da água, ungüento na queimadura e uma bolha de lucro paterno.
Voltei à cena do crime e peguei um lençol qualquer. Pronto!
Deitei e me cobri. O dedo ainda ardia, mas o lençol era quentinho, aconchegante, na temperatura certa para aquele clima leve. Sono delicioso!
Acordei com minha mulher me xingando, sedenta por um “maridicídio”.
Ainda zonzo, não entendi a revolta.
Pensei: eu não bebi ontem à noite, não sujei a pia, não usei faca de cozinha para apertar parafuso, não fiz nada de errado! Mas suas unhas, feito garras, se aproximavam perigosamente dos meus olhos, com intenção de fórceps.
- O que é isso? Como é que você pode fazer uma coisa dessas? Ai! Que ódio!
- Mas eu não fiz nada – respondi.
Por um momento, fui solidário aos cães sarnentos que são enxotados dos açougues, com chutes, sem nenhuma explicação que entendam.
Não adiantava argumentar, ela estava tão transtornada que não me dizia o que eu, hipoteticamente, havia cometido de tão hediondo.
- Por favor, me explica: Por que você fez isso? Ai! Que ódio!
- Mas o que é que eu fiz?
Ainda olhei do lado, para ver se não havia alguma mulher feia deitada na cama. Conferi o quarto, os móveis, o piso, a mulher. Na teoria, tudo normal.
Cheguei a pensar em olhar no espelho, para conferir se era eu mesmo.
Enfim, apontando com o dedo, sussurrando meias palavras, acompanhadas de sinais de degola, ela me fez entender o delito.
E como é que eu poderia saber que aquilo não era um lençol, mas uma toalha de mesa comprada no dia anterior?

Sérgio Antunes de Freitas

3 comentários:

  1. kkkkkkkk... Que crônica saborosa! Ele fala com certa nostalgia e enfado de um tempo que eu também vivi: muita conversa, revoluções salvadoras afogadas em copos de caipivodka e sonhos, muitos sonhos. Estamos aí, hoje, tal e qual na música de Belchior: "...como nossos pais". Pequenos-burgueses nostálgicos e aparvalhados diante das distorções políticas com as quais não contávamos - aliás, nem imaginávamos. Tempos obscuros...
    Agora, se cobrir com uma toalha de mesa novinha e recém-lavada, pronta para uso, é caso para divórcio mesmo! Ui! kkkkkk Beijos, Angela
    http://noticiasdacozinha.blogspot.com

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    1. Sérgio Antunes de Freitas21 de abril de 2012 às 08:59

      Obrigado, Angela, minha camarada, revolucionária. He! He! He!

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  2. Sérgio,
    kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk Sua crônica está deliciosa! E deixa de ser convencido que você não é o gatinho da foto!

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