AURÍCULAS PROTRUSAS
www.google.com.br/images. Mestre Yoda, Guerra nas estrelas.
Sérgio
Antunes de Freitas
Duílio
nasceu com as orelhas apresentando protrusão maior do que o normal. Não chegava
a ser orelhas de abano nem motivo forte para apelidos. Apenas um tio costumava
dizer que o garoto dispunha de duas orelhas com uma cabeça entre elas. Mas a
brincadeira ficava limitada aos risos da família e até do próprio alvo da chacota.
Era
de bom comportamento, contudo vivia se metendo nas reinações, como se dizia
antigamente, ou nas “aprontações”, como se diz hoje, dos amigos, primos e
irmãos.
Assim,
não chegava a levar surras de cinta de sua mãe. Apenas uns puxões de orelha
poucas vezes ao mês.
Também
na escola, mantinha o padrão. Não fazia coisas graves, a ponto de levar admoestações
escritas ou suspensões. Mas, como na época não havia restrições aos leves castigos
físicos escolares, sempre levava uns puxões de orelha das professoras e, certa
vez, da diretora. Ele sempre disse que não conseguia esquecer a sensação das
unhas grandes e vermelhas da mulher, cravando as cartilagens posteriores de seu
orelhame, sem piedade.
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O
bedel também usava do mesmo expediente, só com mais virilidade, suspendendo o
menino até que ele ficasse nas pontas dos pés.
Uma
aurícula se posicionava na esquerda superior e os olhos caiam para a direita
inferior, olhando para baixo, com um ar de vesguice. E os braços balançando ao
léu.
Na
verdade, o Duílio não era muito estimado pela sorte!
Perto
de sua casa, havia outra, com farto quintal, onde morava um homem bom. Todo
ano, o homem permitia que o garoto pulasse o muro, para colher e se lambuzar
com algumas mangas, daquelas perfeitas, carnudas, doces, sonhos de moleques e
pássaros livres.
Mesmo
que o dono não estivesse por lá no momento do banquete, usando da confiança, o
Duílio se fartava e, depois, passava por lá, para agradecer o velho amigo.
Entretanto,
o homem vendeu sua casa e poucos ficaram sabendo. Assim, na época das mangas de
um ano, Duílio, já quase um homem feito, foi surpreendido pela polícia, chamada
pelo novo proprietário do imóvel, por estar comendo suas manguinhas, encostado
no tronco da frutífera.
Todos
para a delegacia de polícia!
O
dono da casa, indignado, repetia: - Pede que eu dou, mas não rouba, não!
Esclarecido
o caso, o delegado perguntou ao proprietário se queria que lavrasse uma
ocorrência.
O
homem, buscando mostrar seu espírito bom, mas justo, respondeu: - Não! Dá só um
puxão na orelha dele e vamos embora.
Esse
fascínio que suas orelhas exerciam sobre os dedos alheios era incompreensível,
mas real, principalmente quando cometia seus pequenos erros.
Já
adulto, em uma cidade diferente da sua, pediu informações para um desconhecido,
a fim de saber se estava na direção certa de seu destino. Quando a pessoa disse
que ele estava errado, palavra forte, levou as mãos em conchas à cabeça, para proteger
as orelhas.
Em
outra oportunidade, mais uma vez, voltou à delegacia de polícia, por conta de
um mal entendido. Foi acusado de agressão a animal, por ter pisado no rabo de
um gato do açougueiro. Quase foi cortado pela peixeira ensanguentada do
carniceiro.
E
uma terceira, por ter derrubado a bicicleta mal estacionada pela freira do
internato das moças.
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Nessa
última ocasião, o delegado já foi acusando: - Você aqui de novo, Duílio, me
dando trabalho? Mas não se
emenda mesmo, né?
Algumas
horas depois, o Duílio contou que, após esses comentários, o Delegado juntou
suas orelhas com as mãos e torceu, como se fossem laranjas maduras.
E
complementou: - Ele torceu tanto, que não deve ter sobrado nem uma gota de
caldo ou sumo! Eu sentia dois bagaços pendurados na mandíbula.
Por
isso, assim como os auxiliares de pedreiro, que carregam sacos de cimento na
cabeça, com todas as conseqüências do produto ressecante derramado pelo corpo, foi
batizado com o apelido de “Duílio oreia seca”.
Sérgio
Antunes de Freitas
11
de janeiro de 2015
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