FALA MUITO!
Sérgio Antunes de Freitas
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Este é um dos neologismos da moda: fludar.
Vem da palavra em inglês flood, que significa enchente. É usada para caracterizar a atitude de pessoas que passam o dia incluindo informações, de forma exagerada, nas redes sociais da Internet. De fato, elas enchem...
É como se, em um encontro social, a pessoa falasse o tempo todo, sem dar chances para que haja conversas entre os demais e, ainda, tentando impor seus pontos de vista políticos, religiosos, esportivos ou assuntos de sua preferência.
No caso de festas, não são mais convidados. Nas redes sociais, são bloqueados.
Mesmo antes das atuais redes, havia e há gente tagarela. O Plínio é um dos exemplos mais eloquentes. Ele já fludava oralmente o tempo todo, bem antes do terceiro milênio. Parece que ele vai pensando e verbalizando. Como não para de pensar, não para de falar.
Basta dar um mote, que ele dispara sua voz e só descansa quando o interlocutor pede: - Dá licença só um minuto, Plínio, para eu ir ao sanitário?
De tanto ouvir essa desculpa, ele acha que o mundo sofre de uma grave crise intestinal.
Em razão de nossa vida profissional, eu tive que passar uma tarde na companhia dele, ou melhor, do discurso dele.
No começo, enfrentei, exercitando minha tolerância. Ele falava sobre política e, de repente, eu perdia a atenção, preocupado com meus afazeres. Quando voltava, ele estava falando de caligrafia. Eu me desligava novamente. Quando retornava à realidade, ele estava ensinando o modo correto de lavar as meias com sabão natural. Fiquei nesse jogo de concentração e desconcentração, sentindo, às vezes, uma grande curiosidade para saber como ele havia vinculado um assunto ao outro completamente diferente.
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Foi uma hora e dez minutos marcados no relógio, sem parar, nem ele nem o relógio, quando, então, capitulei: - Dá licença só um minuto, Plínio, para eu ir ao sanitário?
Com os tímpanos menos excitados, voltei e ouvi mais uns vinte e cinco minutos.
Por sorte, chegou um colega, uma pessoa lúcida, com um raciocínio brilhante e conclusões seguras e inequívocas, devido à sua boa formação em ciências exatas e sua personalidade fleumática.
Apresentei um ao outro e pedi que se conhecessem melhor, pois eu precisava resolver uma pendência de trabalho em outra sala.
Na saída, encontrei um quarto colega, que também conhece o Plínio de longa data, e me disse ser seu único tio, Armando, igual a ele. Fala muuuuuuito!
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Contou-me que, um dia, pediram para o Pablo Picasso pintar um quadro sobre o tema eternidade. O famoso pintor espanhol apresentou uma tela com o Plínio falando e o Tio Armando comentando.
Voltei minutos depois e vi meu amigo inteligente com os olhos parados, como se não acreditasse no que via, digo, ouvia. Ele me olhou choroso e, antes de ir embora, disse: - Eu estou confuso!
É sabido que mesmo as feras tem seu lado terno.
Por isso, eu já estava me encantando com o jeito do Plínio, quando o vi sentado em um banco de jardim, segurando carinhosamente as mãos de uma garotinha. Cheguei a pensar que era sua filha ou neta. Seus olhos transbordavam o amor.
Curioso, me aproximei, com a menção de cumprimentá-lo.
Fui devagar, para saber o teor da conversa, provavelmente agradável para o gênero pueril.
Já próximo da cena, percebi que o Plínio, talvez devido à meiguice de seu sentimento, suspirou levemente.
Aproveitando a oportunidade, a menina pediu: - Tio, deixa eu falar um pouquinho?
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Sérgio Antunes de Freitas