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segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

BRAZIL: PORTAS

PORTA
Marina da Silva


Se importa
Portas, no plural,
Tenho muitas, nasci com elas.
E desde então porto comigo
Minhas portas, milhares delas.
Lá no útero, passando de fase em fase
Mitótica meiótica
Ganhei minha primeira e importante porta
Um cordão umbilical
Essência e nutrição e contato
Extra-placenta com  mamãe.
Somos uma una única e parto com dor e choro
A primeira porta perdida jamais esquecida na cicatriz do umbigo.
E nasci com milhões de portas, muitas giratórias, milésimos de nanosegundos
Por onde me entranha  mundos de nomes, imagens, sons, cheiros, toques.
Todo meu ser são portas abertas a tudo e sempre em revolução.
As portas giratórias são portais mágicos do tempo
Fazem tudo crescer,  multiplicar, desenvolver, esticar o tamanho
Aceleradamente e infinitamente mais rápido. 
Velocidade da luz que começa num encontro de portas
Milhões de chaves espermatozóidicas
E apenas uma tem o código da porta ovular
Para criar a mim um ser de portas
Com portas de enxergar, cheirar, ouvir, tocar, expelir, absorver, filtrar,
comer, andar, respirar, lamentar, rumorejar...
E sentir profundamente tudo e todos ao meu redor
Longe de mim e à flor da pele, sentimento do mundo.
Portas de muita imaginação, fantasia, criatividade, inteligências, filosofias, sabedorias.
Meus olhos são portas, como meu nariz, umbigo, fígado, cérebro
Portas células, porta órgãos, sistemas de portas
Um organismo-portas que acessam a porta cérebro
E milhões de portinholas que processam, decodificam, classificam
Armazenam conhecimentos, memórias, lembranças, saudades
Saúdes e doenças, brincadeiras de criança, pula-carniça,
Finca, mãe-da-rua, pé-na-bola, a fonte do Itororó...
Portas do conhecimento científico, filosófico, religioso, folclórico, cultural.
Ciência da vida dá vida e ciência a tudo
De outras portas e de muitas portas passadas, presentes, futuras ou não.
Há a porta coração, um órgão de portas autônomo
Átrios, válvulas, ventríloquos e suas portas de entrada e portas de saídas
Venosas e arteriais, aórtica e cava, oxigênio, gás carbônico, portas pulmões, trocas, purificações.
Tem portas dorminhocas que despertam com enzimas e principalmente 
hormônios e descargam estrelas, fogos de artifício, constelações inteiras.
Portas do amor e do querer ser um só sendo dois
Matemática divina inexplicável porta sentimentos.
Portas de dor sem doer como as portas do poeta 
Que não se contenta de tão contente
E caminha solitário entre as gentes
De tão absurda  paradoxal  porta amor
Que raciocina o irracional e lhe dá razão
E se alegra com a dor de ter escolhido uma porta
Entre muitas iguais a sua, a porta não-gêmea
Amor não correspondido e mesmo assim amor.
Portas se fecham e se abrem o tempo todo o tempo
Há portas que curam e outras que adoecem e há portas que matam.
Alguns possuem portas do eterno amor. Elas existem?
Só enquanto o amor dure, diz o poeta Vinícius de Morais. Duro?
Minhas portas não gostam de portas perfeitas lisas semelhantes
Iguais ou portas-gêmeas
Estão sempre a procura de portas diferentes e impensáveis, mágicas.
Portas que não finjam ser portas perfeitamente chatas, rasas, lisas
Sempre iguais sempre intocadas. Sou porta imperfeita e tenho orgulho.
Portas imperfeitas tem ranhuras, fissuras, lascas, arranhaduras,
Tem história do viver, agir, relacionar, tentar, jogar-se ao improvável.
Gosto de portas imensas, portas com história e geografia,
Com segredos e mistérios indecifráveis às portas comuns.
Portas que escondem mapas de tesouros escondidos são únicas.
Portas imperfeitas nunca são iguais, a imperfeição é única,
Cada porta tem sua história e contam História.
Como a porta da igreja de Santa Maria em Florença na Itália ou a porta do Batista.
Algumas portas perfeitas, sanitárias, superiores, limpas e impermeáveis ao humano, existem, como as portas de Auschwitz. Portas intolerantes e assassinas, delírios de portas doentes, dementes imperialistas.
Todas as minhas portas são imperfeitas
Como eu, Im-per-fei-ta.
E possuem milhões de segredos que conto se me interessar à outras portas.
Minhas portas sempre estão abertas, escancaradas
Prontas para serem lidas, decifradas, penetradas
Por tudo por todos para os mundos. Portas arranhadas, lascadas, faltando pedaços, remendadas, reconstruídas no labor do tempo.
Se você entrar gostar ficar eu fecho a porta à sua saída
Para você sempre voltar.
Mas se você maltratar, bater  minhas portas, chutá-las,
Desdenhar minhas portas...
Deixo você sair, prometo, deixo você mesmo abrir a porta e fechá-la atrás de si.
Sofro, portas sofrem, choram e sangram, mas não foco na porta, minhas amadas portas fechadas, batidas, machucadas.
Apenas olho, observo, vejo você fechar 
Sem olhar para trás, seguir de mim, sair das minhas portas. 
Fico triste por um bom tempo com portas fechadas e a porta do choro se abre.
Como são imperfeitas minhas portas
Sinto tudo na pele na alma profundamente e mortalmente.
Sem fingir como o poeta sofro a dor e me encolho
A porta coração fica diminuída, bradicárdica, petrificada enquanto se cura
À espera de outra porta que não finja ser perfeita ou imperfeita
Mas apenas se assuma porta, um ser portas como eu e  com todas as suas escolhas e todos os seus riscos.
É o que me importa.





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