DE PRIMEIRA VIAGEM
Marina da Silva
Não faça isto! Quase grito da janela que por acaso olhei
indo em direção ao tanque lavar o pano de chão.
Do alto vejo um homem, uns dois metros e 100 quilos com um
bebezinho dentro da piscina
Desajeitado olhando para todos os lados parece segurar nas
mãos um alienígena.
Interrompo a faxina, grudo na janela, só tem os dois lá
Agora é com os anjos da guarda
Sim, lições de vida, porque bebês não vem com manuais
O pai molha os pezinhos do bebê que agita os bracinhos
comemorando a água
O grandalhão, daqui de cima, parece um gigante desconjuntado
Olhando procurando olhares que não pode ver, mas que a estas
alturas rezam a Deus
Ele vem de ré, o bebê flutuando nas manzorras de braços
estendidos
Como se fosse um superman-bebê filhote.
Adeus faxina! Estou paralisada.
Ele sai da piscina com o saquinho de batatas e o dispõe num
tecido, que de longe parece um lençol ou talvez uma destas toalhas de praia
gigante, na espreguiçadeira.
Agradeço ao Gabriel, santo anjo da Anunciação. Penso voltar
à faxina.
Muito desconjuntado e desajeitado, ambos, ele dá a volta no
pergolado estende o toalhão, volta, centraliza o bebê no alto, sentadinho, a
cabecinha dobra-se no peito
S.O.S São Rafael, anjo da vida e da saúde, vai morrer
asfixiado
Não posso mais faxinar
São Miguel Arcanjo!
O bebê cai de bruços. A vida sempre vence. Obrigada Santo
anjo do Senhor meu zeloso guardador...
Ooops. O pai centraliza o bebê de barriga para cima e vai
para a piscina pegar um sol?
São Miguel, São Miguel! Caramba!
Foi por pouco que o bebê não rolou e pah!
O pai volta nas suas passadas gigantes, centraliza de novo o
pititico que estava na borda rumo ao chão, mas em vão. Na toalha o bebê está
decidido a rolar para o chão.
Ele desiste de tomar um solzinho. Ufffa! Soltei o ar.
O pai volta com o
bebê para piscina, mas antes checa a fralda, não é côco, só um pum.
E começa tudo de novo: senta o bebê na borda, faz o voo
superman-filhote de ré, ensaia passinhos nas bordas da piscina, molha só os
pezinhos e o bebê se projetando para a água que lhe parece o útero materno.
Claramente ele não sabe o que está fazendo ou o que fazer e
pelo olhar parece esperar alguém
Uma ajuda que aparentemente não vem
Estou aqui em cima sorrindo do desengonçado ouvindo Cartola
e contando com os anjinhos da guarda do bebezinho e do paizão
Que me lembra meu olhar desesperado no dia da alta e com o
meu pacotinho colocado em minhas mãos
para levar para a casa
Mãe de primeira viagem sei muito bem o que vem pela frente
Rolar da cama e poff no chão é de praxe e ainda tem os
perrengues do banho, assaduras, dedinhos presos na porta do quarto, do guarda-roupas, dedinhos presos na porta ou janela do carro,
os mil e um tombos, vacinas, corridas para a emergência...
Enquanto puxo emoções na memória, o desengonçado pai vai
para o chuveirão, molha os pés do neném e desiste de se molhar e aguenta a onda
de calorão de Beagá.
E ninguém vem ao seu socorro e ele obviamente espera o
socorro de alguém.
Então faz tudo de novo um pouco mais confiante como eu que
agradeço por ele aos anjinhos
A máquina de lavar apita. Vinte e dois minutos e ele
resistiu bem.
Um sorriso de alívio brilha seu rosto e lá está o
desconjuntado juntando toalhão, bolsa e bebê num pacote único e indo feliz em
direção à área coberta e agora olhando só nesta direção.
Queria lhe gritar: curte o máximo que esta primeira viagem
passa rápido demais!
Pego o celular e ligo: filha, te amo muiiiiiiiiiiito.
Marina da Silva
BH 16-03-2024
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