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domingo, 16 de maio de 2021

BRAZIL: É DE LEI

                                                        PALAVRAS EMPREGADAS

Sérgio Antunes de Freitas

Domesticar, de acordo com o dicionário, é amansar um animal de modo a ele conviver com o homem, deixando de ser selvagem.

Em outra acepção, é tornar-se educado para o convívio social, ou seja, converter-se à civilização.

As palavras derivadas desses conceitos nem sempre guardam relação exata com os significados originais.

Utensílios domésticos, aparelhos domésticos não foram pegos a laço e trazidos para dentro de casa. A evolução da língua é clara nesses casos.

Contudo, essa evolução não foi correta no caso dos empregados domésticos. Esse termo, provavelmente surgido após a Abolição, foi uma variante dos escravos domésticos, aqueles cativos que serviam na casa-grande, por terem menos força física, por terem habilidades de cozinha e limpeza ou por serem bonitos, agradáveis, companheiros.

Como esses escravizados não eram considerados pessoas humanas, havia até uma certa coerência, na cabeça dos coronéis, de tratá-los como animais.

Essa inferiorização social, com novas roupagens, se manteve e se mantém em nossa cultura na forma de preconceitos.

Eu mesmo fui preconceituoso sem saber por muitos anos e me lembro quando isso foi despertado em mim.

Eu era garoto de uns oito ou nove anos, já alfabetizado, e ouvi a conversa de duas mulheres, uma empregada de uma amiga de minha mãe com outra sua colega.

Elas estavam eufóricas, porque iam sair à noite com dois pretendentes e combinavam o comportamento, com vistas, claro, a se tornarem namoradas dos rapazes. As duas estudavam juntas em um curso de alfabetização para adultos, pois já não eram crianças, embora mocinhas.

Uma delas se chamava Leonildes, que eu logo passei a considerar preconceituosamente como nome de pobre, mas tinha um apelido mais simpático. Ou não?

Então, sua amiga perguntou: - Lió, se eles perguntarem se a gente estuda, eu vou ter vergonha de contar. O que a gente vai dizer?

A Lió, mais experiente, disse ser importante dizer a verdade.

A outra, cujo nome não me lembro, concordou com uma ressalva: - Tudo bem, mas eu vou dizer que já estou na vaca.

Eu deduzi na hora que ela se referia à cartilha, na qual a lição da vaca, relativa à letra V, era uma das últimas. Elas estavam no começo do curso, lógico.

A partir disso, empregada, obviamente a doméstica, passou a me soar como pessoa de baixa qualidade, inculta, necessitada de se submeter a trabalhos braçais para sobreviver. Ou seja, pobre! E as conversas dos meus ambientes provincianos só confirmavam esse estereótipo.

Nem me dava conta de ser pobre também, como acontece com todos os preconceituosos remediados.

O preconceito é como uma bactéria oportunista. Espera o momento certo para aparecer, em forma de anedotas, de críticas, de agressões.

Ele fica também de forma subliminar na cultura da sociedade e, me dei conta, nas leis, mesmo porque essas são elaboradas por uma elite nem sempre preocupada com o respeito a todos ou, não sendo isso, por legisladores não atentos à etimologia das palavras.

No artigo primeiro da Lei Complementar N. 150, de 1º de junho de 2015, está descrito: “Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana, aplica-se o disposto nesta Lei.”

Sendo assim, não cabe contestar o termo, até que se mude a Lei.

Muitos vão considerar filigrana essa preocupação, menos os próprios empregados domésticos, muitas vezes desagradados por um sentimento de humilhação, devido a tal palavra de carga depreciativa. 

Em última análise, essas filigranas registram a injustiça social, o menosprezo aos trabalhadores menos qualificados, aspectos característicos em um país ainda parcialmente civilizado.

Eu preferiria que fossem chamados de empregados pessoais, residenciais ou empregados familiares. Muito mais acertado e bonito para os dois lados!

 

Sérgio Antunes de Freitas

Maio de 2021

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