FAVELA: A ÚLTIMA PARADA
Marina da Silva
“Brasil mostra sua cara, quero
ver quem paga pra gente ficar assim” cantava Cazuza nos anos oitenta,
pós-ditadura militar, para um país mergulhado em inflação, corrupção, roubalheira,
arrocho salarial, pobreza extrema de grande parte da população, insustentáveis
índices de violência urbana. E a realidade do país do vale tudo desde então, passou a ser desvelada e denunciada na música, jornais, rádios, revistas,
cinema, novelas.
No final dos anos 90, Central do
Brasil de Walter Salles (1998) tornou-se um marco histórico do cinema de cunho social ao ser premiado
com o urso de ouro no conceituadíssimo festival alemão de cinema - Berlinale.
O cinema nacional revigorado
revelou-se a forma mais profícua de debate. Carlota Joaquina, O Quatrilho,
Abril despedaçado, Carandiru, Cidade de Deus. A partir de então temas sobre
corrupção, politicagem, o mundo miserável nas inúmeras favelas brasileiras e a
violência e desmandos de setores policiais e sua ligação com o narcotráfico e
tráfico de armas pulou da telona e invadiu a telinha. A pobreza, a desigualdade
escancarada entre ricos e pobres no Brasil virou literalmente... novela!
A rede Record do bispo Universal Edir Macedo sai à frente e arrebata o ibope global com Vidas opostas.
www.google.com.br/images. "Vidas Opostas é uma telenovela brasileira que foi produzida pela Rede Record e exibida entre 21 de novembro de 2006 e 27 de agosto de 2007, com um total de 240 capítulos"
Um pulo de gato: Edir Macedo sai na frente, enxerga um mercado potencial de novelas $1,99: baixos recursos, apropriação da vida, linguagem e gírias dos moradores de favelas, uso e abuso de violência no estilo Datena, programa Brasil urgente, exibido pela rede Bandeirantes. Deixa-se de
lado as discussões sérias e prementes sobre violência, corrupção e a abjeta
disparidade/desigualdade sócio-econômica, cultural, educacional, habitacional, etc e tal no país e tais questões pouco a pouco vão sendo
banalizadas, naturalizadas e incorporadas no cotidiano brasileiro.
A favela vira cenário e sai de
cena o conflito social, a acumulação e concentração de riquezas, a manutenção
de uma pobreza endêmica necessária ao jogo político, a expansão da violência
sobre os pobres e miseráveis que vivem entre fuzis, metralhadoras, escopetas,
bazucas e até “três-oitão” de
narcotraficantes e polícia.
A realidade virou ficção e tem
seu ponto máximo no fenômeno cinematográfico Tropa de elite, recordista em
bilheteria, clonagem, pirataria.
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O filme conseguiu o impensável:
desagradar gregos e troianos (críticos de cinema) e de quebra angariar a simpatia de crianças,
adolescentes e de todas “As pessoas (que) esperam uma polícia mais violenta,
mais agressiva, uma polícia punitiva”, de acordo com o ex-BOPE, capitão Rodrigo
Pimentel. E logicamente uma polícia que não só não cumpra a lei como faça leis
próprias. “O nosso símbolo (uma caveira, dois revólveres, uma faca) mostra o
que acontece quando a gente entra em uma favela (...) matar com eficiência e
dignidade”. Capitão Nascimento, o protagonista, na performance impecável de
Wagner Moura.
Polêmico, o filme gerou mais
bate-boca e disputa de egos do que um debate sério e urgente sobre esta
abominável realidade da polícia especializada brasileira, no caso, o BOPE-RJ. Denúncia
de corrupção policial, exaltação do BOPE, apologia à violência e ao crime
recheado por frases de cunho moral, intolerância e discriminação. A “classe média”, seja lá o que isto
signifique para os produtores, é a única culpada pela violência e outras
mazelas sociais do país.
Um festival de fanfarronice que
“Apesar da recepção majoritariamente negativa na mídia internacional - a
produção brasileira chegou a ser chamada de “fascista” pela revista americana
“Variety” - a tropa abocanhou o urso de ouro da Berlinale”. Folha
online/17-02-08.
Apesar da "tropa" querer dar-lhe um
cunho intelectualóide, um filme que promove
o debate sadio sobre a miserabilidade como são tratados os pobres deste
país, ficou a impressão geral de limitações, oportunismo, apropriação sem
aprofundamento de questões sobre o caos social da nação e a naturalização da
desigualdade e da violência sobre cerca de 34% da população, quase 60 milhões
de brasileiros que vivem na corda bamba entre a miséria e/ou abaixo da linha de pobreza. Os frutos do primeiro governo Lula só iriam aflorar na mídia com o surgimento da Nova classe média Brasil Cde a partir de 2007.
www.google.com.br/images. 2007 é um ano paradigmático para o Brasil: crescimento econômico, Pib 5.7%, fundo soberano a partir de 200 milhões de dólares; descoberta do pré-sal; roubo dos dados do pré-sal; verticalização urbana, destaque excepcional para verticalização das favelas, símbolo da "parte que te cabe neste latifúndio" para milhões de brasileiros e aumento estratosférico da corrupção e roubalheira dos cofres públicos.
O mérito do filme Tropa de Elite 1: um retrato
fiel da cara do Brasil, 5º maior país do mundo, hoje, entre as dez maiores
economias do planeta, PIB de 5.7% em 2007, auto-suficiente em produção de
energia sujas e limpas, detentor de um mercado consumidor significativo em seu próprio
território, dono de gigantescas reservas de petróleo e gás descobertos nos campos petrolíferos e de gás natural na camada Pré-sal, 200 bilhões de dólares só
para iniciar um fundo soberano.
E é provavelmente por tudo isso e
muito mais que bananas que o filme mereceu não só o Urso de ouro de Berlim.
Afinal, se “não vi e não gostei” (houve falhas técnicas na apresentação do
filme ao júri) poder-se-ia especular que o urso como prêmio foi na verdade, a velha tática do
colonizador: trocar espelho pelo ouro, pois tudo levava a crer - geopoliticamente
falando_ que estávamos prestes a viver uma nova fase colonialista e de partilha
das potências emergentes neste século XXI: a Nova ordem mundial?
Tropa de Elite frutificou como Duro de matar e Sexta-feira 13 com n-edições; a teledramaturgia da rede Globo virou Malhação favela de novela em novela até a superação ou sublimação da favela como personagem central de novela em I love Paraisópolis, onde ficou escancarada a real trama por trás das novelas sobre as favelas brasileiras
E aos brasileiros, admiradores de futebol, novelas e filmes baratos, perdedores, além das "batatas" restou as sobras: Laranjinha e acerola, Ó pai, ó...é a última parada? Será? O que está por trás das novelas&favelas?
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