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sábado, 28 de janeiro de 2012

“De tudo, ao meu amor serei atento...”


Datilografia De Franco
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 Sérgio Antunes de Freitas

Em uma de minhas cidades adolescentes, a internacionalmente conhecida Bauru, havia uma escola chamada “Escola de Datilografia e Caligrafia De Franco”. Talvez ainda exista.
No auge da história dessa escola, minha família não dispunha de recursos para matricular seus filhos. Era caríssima!
Eu era fascinado por uns anéis metálicos, usados pelos alunos de caligrafia, para corrigir a postura dos dedos. E as penas, que ajudavam a fazer letras góticas, barrocas, modernas? Às vezes, elas soltavam três linhas ao mesmo tempo. Uma grossa e duas finas. Duas finas e uma grossa. Era um show de desenho e de plástica. As letras pareciam voar como asas de anjos, correr como meias de crianças, daquelas de cano alto, com flores bordadas.
Com o tempo, a escola ficou acessível ao nosso nível de renda e minha mãe conseguiu me colocar no curso de datilografia.
Uma escada estreita e alta me levava a uma sala enorme, com dezenas de máquinas de escrever da marca Remington, negras, metálicas, verdes, brilhantes, um verdadeiro Vale do Silício.
Nem precisa dizer sobre a vantagem que levo, até hoje, por digitar meus próprios textos, com velocidade semelhante à de um pianista, mas daqueles de músicas lentas, como a do tema do filme Casablanca. Play it again, Son!
Tudo bem! Como meu dedo mindinho esquerdo é torto, volta e meia, em vez de catar o “a” eu cato o “esse” e a velocidade diminui.
No meu aprendizado de pouca duração, algo em torno de três meses, mas muito produtivos, tive uma colega. Acho que foi minha primeira paixão. Não, a segunda, digo, a oitava ou décima sétima.
Saíamos no mesmo horário, eu e minha pequena, linda, com grandes possibilidades de se tornar secretária-chefe de um escritório de corretagem de imóveis no interior paulista.
Ela ia para um ponto de ônibus e eu a acompanhava à distância. O ônibus ia para a Vila Falcão, como constava no letreiro; hoje, em tons cinzas, amarelos e sépias.
Acho que ela percebeu que eu a seguia, com intenções inconfessáveis, até de namoro, de pegar na mão, de roubar um beijo. E, um dia, por maldade, ela trouxe o namorado, um jovem forte, mais alto que eu, mais forte que eu, mais velho que eu, mais bem vestido que eu, mais seguro do que eu, para buscá-la na saída da escola.
A mão dele, grande, no ombro da minha amada, me reduziu a pó. As pedras de paralelepípedos das ruas da Bauru antigo zombaram de mim.
Foi uma mágoa muito grande; mas disso eu me vinguei.
E que vingança! Aventurei-me tanto na vida, que tive frustrações muito maiores que essa, deixando-a humilhada em algum lugar desvalorizado de minha memória, com apenas uma pitada de despeito.
E ainda me restou, de patrimônio, uma imagem bonita e inocente, de uma virgem de cabelo e vestido curto, com seus catorze anos, esperando o ônibus da Vila Falcão.
Nem seu namorado, aquele metido, guarda essa imagem maravilhosa que é só minha.


Um comentário:

  1. Sérgio,
    sua crônica me fez lembrar um "amor" pré adolescente...tinha então onze anos e subia todos os dias da semana num pé de manga espada no fundo do quintal para ver Gilmar, o filho da vizinha, passar a caminho da fábrica de tecido. O apito da fábrica interrompia qualquer brincadeira ou serviços da casa para ver meu amor passar.rsrsrs

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