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sexta-feira, 22 de outubro de 2021

BRAZIL. UM CAUSO DE TOMBO

 

EU E DEUS

Marina  da Silva

Então eu fiquei pê-da-vida com Deus...de novo! Eu sei que Deus é pai e não padrasto e Deus escreve sempre certo por linhas tortas. Afinal, Ele é Deus e ponto. Então dei um “piti”, perdi a paciência, tive uns faniquitos, fiquei fula e com muita raiva e ódio de tudo. Sim. Chamei Deus na chincha, questionei Deus:

“Você está brincando comigo? Curtindo com minha cara? Está me testando?” E claro que, se é isso e eu sou apenas uma em quase sete bilhões de seres humanos... Deus está tirando com a cara do mundo inteiro.

“Deus quer um trem, quer alguma coisa comigo, só pode?” Eu comentando alto.

“Deus quer falar com Você, Deus tem escrita certa.” É a resposta que sempre ouço de mim mesma e dos outros nos perrengues nossos do dia-a-dia e dia após dia. Na semana atrasada comentei isto com minha irmã e ela me saiu com esta:

"Está mais que na hora de Deus mandar um tuite, e-mail, usar o What’sApp”. Caímos nas risadas.

“Pois não é? É isso Deus, porque caminhos tortuosos, dolorosos se já existe o Facebook, Instagram, Google?” Eu em mais uma crise... 

A verdade é que na semana seguinte eu estava muito engraçadinha e jocosa, conversando muito a vontade com Deus. Aí o bicho pegou, o trem ficou feio e lá estou eu novamente no cai e levanta e sacode a poeira e dá a volta por cima e cai de novo e de novo e de novo e do meio do nada apareceu o Coronavírus, Covid-19. Durante esta longa pandemia ou jornada no deserto em meio a mais de seiscentos mil mortos cair e levantar virou rotina obrigatória. Quase um ano e meio lutando para ficar viva, lutando contra a verdade cruel da necropolítica do governo bolsonarista na pandemia e rezando para a vacina chegar logo. Como foi terrível 2020 vendo as esperanças morrerem com a demissão do ministro da saúde, invasão de hospitais por políticos bolsonaristas, falta de materiais e medicamentos básicos, falta de respiradores e oxigênio e luta inglória dos profissionais da saúde, cientistas, médicos e médicas, um mundo de gente contra o negacionismo genocida do presidente #EleNão e do seu gabinete  paralelo, gabinete do ódio e a patrulha fake news; lutando contra as aglomerações e marchas contra o isolamento social, contra uso de máscaras organizadas por milícias virtuais evangélicas, militares/milicianos para e com os  eleitores cristãos de fé farisaica, cerca de 58 milhões de pessoas pátria armada, deus acima de tudo...

Ontem resolvi dar um termo a todo o sofrimento e dor e desesperança; levantar de novo e por um fim nisto tudo e salvar minha cabeça da insanidade mental.

“Deus me ajude, Deus me socorra, Deus me mande um sinal, Deus por favor fala comigo!” Eu orando a noite.

Dormi serena, acordei, fiz café e me arrumei para o trabalho. Dei uma olhadela no tempo e...chuva. Desde o final de setembro, o clima resolveu contrariar a previsão de “ grave crise hídrica" da rede Globo. Anda chovendo muitíssimo no meu estado, a caixa d'água do Brasil.  Eu que não sou besta de ir com a Globo em nada, comprei sombrinha nova, dois  pares de tênis e me preparei para a chuvarada e para a temporada de tombos. Sim, cismei com um tênis que me levou ao chão ano passado quando pisei em folhas molhadas e me esborrachei na avenida. “Vou me prevenir para tudo!”

Tomei mais um café com pão-de-queijo no boteco da esquina e de tênis novos nos pés e sombrinha aberta, estava chovendo um pouquinho, desci para o trabalho pensando no sonho esquisito que tive a noite sobre família, casas, o rato preto, o bairro e até o “tio Palha” apareceu no meu sonho. Peguei a Bahia super atenta às calçadas – buracos, depressões, raízes de árvore e muitas folhas molhadas e ótimas para me dar...um tombaço! Oi????

Eu vinha conversando comigo toda atenta a tudo, super precavida e levei um tombo inacreditável! Em câmera lenta fui pisando numa grade de ferro em cima do passeio e fui deslizando acelerado e caindo e batendo no chão a parte interna e externa do joelho esquerdo que se dobrou no ato, a bunda, o cotovelo direito, braço e mão como apoio para diminuir o impacto do resto do corpo que caia junto. Eu, a bolsa, a sobrinha estateladas naquele gradil que me apareceu do meio do nada! A verdade é que olhando muito para baixo, o foco da lente era para perto e naquilo que eu levantei as vistas...Já estava esborrachada na grade de ferro. Foi tudo muito rápido. Fiquei quieta alguns segundo e como ninguém apareceu olhei para frente, para trás, para os lados e nada de socorro. Só passavam carros que, obviamente, na chuva e na velocidade em que rodavam não iam ver realmente nada. Analisei rápido os danos sofridos, balancei o quadril, sentei, mexi as pernas, braços, me pus de pé e voltei a caminhar capengando e sabendo que ia chegar muito atrasada.

Não senti dor nem raiva nem humilhação; não fiquei puta da vida, não xinguei céus e terra, o que realmente foi raro e muito estranho. Cortei para a outra avenida com atenção redobrada e tentando não mancar muito. Não xinguei os óculos de lente multifocal. E de repente lembrei que a noite rezando eu havia pedido  a Deus para me enviar um sinal qualquer, falar comigo...

“Putz Deus! Mas um tombo? Sério?” Deus me jogou no chão em plena chuva como sinal? O que Deus quer com isto? Fiquei intrigada. Isto é um sinal? Isto é jeito de falar com a filharada? Eu sei que “Deus é um cara gozador que adora brincadeira”, mas tudo tem um limite! Pior que não, Deus pode tudo.

Para cima todo santo ajuda, diz o ditado, para baixo a coisa toda muda e eu estava na descida e desci rumorejando o sinal de Deus, se é que o tombo tinha a mão d'Ele e o que Deus queria me dizer com isto.  Claro que  a partir daí comecei a elucubrar coisas absurdas do tipo Deus me falando: "você não é Deus criatura; você não é uma super heroína e nem é esta Coca-Cola toda! Você é só uma criatura, um ser humaninho no planeta azulzinho e blá." E certamente Deus poderia me abrir os olhos com este tombo, mas daí a me passar um tombo...definitivamente não. Deus tem mais e muitas coisas importantes a fazer.

Será que Deus quer que eu me ponha no chão, quer meu olhar no chão, não para mim, mas para aquilo que deve me incomodar e incomoda muitíssimo, ferir e me fere muito, doer e me dói também  ver como as milhares de pessoas em situação de rua em plena pandemia  estão passando o maior perrengue? Ver tanta gente jogada nas ruas sem nada, sem alento, sem a dignidade de um simples banheiro, sem nada material além de lixo, sem conforto espiritual, sem vestígios de pertencer ao mesmo mundo de humanos que caminham eretos, como eu, rumo ao trabalho, escola, lazer... O que me faz perguntar: "Onde Deus estava com a cabeça quando criou os seres ditos semelhantes a Ele?" Ali está Deus sem banheiro fazendo suas necessidades nas ruas, dormindo debaixo de pontes, marquises,  sem carteira de trabalho assinada, e, morrendo de medo de ter o CPF cancelado na onda satânica do bolsonarismo de matar, matar, matar. Ah, confere! Se consigo ver Deus jogado, despojado de dignidade, sujo, mijado e cagado significa que ainda tenho salvação, Deus está entre nós e no meio de nós!

Mas e o tombaço? Eu tenho osteoporose na lombar e no quadril direito! Mas machuquei o joelho esquerdo e amorteci a queda com as nádegas e antebraço direito. Ponto para Deus. Se há algum sinal ou lição neste tombo é que Deus quer que eu saiba que não há como viver 100% seguro, nem com sombrinha nova nem tênis novos, zerados nem  em calçada perfeita. Viver é tomar tombos! O que importa mesmo é a nossa ação a partir do tombo: 

* Fico lá no chão esperando socorro (família, amigos, estranhos, SAMU, polícia); 

* Fico lá no chão sem procurar ou aceitar ajuda uma década;

* Fico lá analisando a vida e o tombo por um tempo e faço a pergunta: dou conta deste tombo sozinha? Dou conta com ajuda da fé, Deus? Dou conta com ajuda da família, amigos, duendes?

Se a resposta for não...

* Procuro ajuda e tratamento psiquiátrico e psicoterápico; 

* Ou levanto rápido, dou uma sacudida na poeira, limpo a lama e asfalto e...Vida segue, bora viver a vida!

Uma buzinada infernal e o barulho de freio acionado me acordou das minhas filosofias do tombo quase chegando ao prédio onde trabalho: "Jesus, Maria, José. Putz! Graças a Deus não foi desta vez! Deus muito obrigada viu!

Alguém num Jeep, carro da moda como o Fiat Uno e o Gol, berrou uma imprecação. O fdp* do motorista me mandou acordar? "Tncdc* viu! Ops, desculpa aí Deus, saiu no automático."

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