PAI DOS ESPERTOS
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Sérgio Antunes de Freitas
Desde que escutei, pela primeira vez, minha primeira professora de português chamar o dicionário de “pai dos burros”, não concordei.
Para os sábios, isso pode até ser uma brincadeira engraçada, pois eles sabem que, quanto mais se estuda, menos se sabe.
Contudo, para uma criança, isso vira uma informação negativa, pois ela entende ser burro quem recorre a uma fonte de saber.
Ademais, cria uma grande dúvida, qual seja, se não devo buscar o conhecimento nos bons livros, como vou aprender?
Talvez aí esteja uma propaganda subliminar da profissão de professor, com a insinuação mercadológica “aprenda comigo e não precisará de outros meios”. Não, não acredito nessa hipótese. Os professores, em geral, são sábios.
Certo é que fui ao encontro do pai dos burros, digo, dos espertos, para esclarecer o verdadeiro significado de uma palavra comum, o vocábulo “perfeito”.
A causa disso foi uma viagem que meu filho fez a uma cidade praiana, por conta de um encontro acadêmico.
Carente de notícias, aqui no interior seco do país, enviei uma mensagem a ele, pelo telefone celular, perguntando: “Tudo bem?”
A resposta demorada chegou curta e significativa: “Tudo. O mar é perfeito”.
A resposta me satisfez, pois refletia sua boa condição física, mental e emocional.
Ensina o dicionário que perfeito é feito até o fim, acabado, bem acabado, incomparável, único, sem-par, excelente, irrepreensível, primoroso, impecável, completo, perficiente.
Normalmente, o verbete qualifica a coisa. Aqui, o mar qualificou a palavra.
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Assim, fiz uma comparação entre o mar e um automóvel novo, construído pelo homem obviamente, com material futurístico, espelhado, admiravelmente polido.
Assim, fiz uma comparação entre o mar e um automóvel novo, construído pelo homem obviamente, com material futurístico, espelhado, admiravelmente polido.
Como toda modernidade, o carro sairá de moda.
O mar, não!
Com um microscópio potente, poderemos observar as imperfeições na superfície do veículo. Com o mesmo aparelho, poderemos observar mais belezas dos componentes dos oceanos, detalhes invisíveis aos olhos nus.
Mais uma vez, entendi que a diferença na obra é feita pelo talento do Autor.
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Costuma-se admirar os aparelhos eletrônicos, as vestimentas, as comidas, as obras de arte, sentimentos esses legítimos e compreensíveis. Porém, a perfeição mesmo está na velha goiabeira, na terra granulada e disforme, na chuva criadeira, nos olhos dos bichos, nas células dos insetos, no mistério das estrelas, nos corpos com vida, no infinito da noite, no mar.
E é lamentável saber que se chega ao ponto de uma completa inversão de valores, por conta desses conceitos. Um homem pode matar outro, por conta de um amassado em seu carro, mas não titubeia em derrubar uma árvore centenária com uma moto-serra ou um machado, criados pela sua “genialidade”, sem o menor constrangimento.
Meio atordoado pelo antropocentrismo, fiquei pensando sobre qual obra do homem poderia ser considerada perfeita.
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Definitivamente, as obras humanas, as materiais, são imperfeitas.
As imateriais, como as boas músicas, as boas poesias, os bons textos, muitas vezes se aproximam bastante da perfeição. E isso já deveria ser satisfatório, mas o homem é um eterno insatisfeito, como dizem, se é que será eterno como o mar.
Tentei galgar uma escala mais agressiva de valores intangíveis e já estava a ponto de desistir, quando uma voz infantil, ingênua, cochichou em meu ouvido uma pequena alteração na frase de meu filho: - Amar é perfeito.
Sérgio Antunes de Freitas
20 de janeiro de 2013