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quarta-feira, 28 de agosto de 2019

BRAZIL: AMAR SÉCULO XXI

EU TE AMO?
Marina da Silva

Matar um possível  amor. 
Um Eu te amo dito ao arrepio do primeiro encontro. O que a matou, sim, foi isto.
Uma abordagem manjada, o eterno "Eu lhe conheço de algum lugar?
Você trabalha ali, acho que já vi você... "
Aceitou a cantada simplória, bobinha, sem graça.
Ela tinha um para-casa...
Psiquiatricamente falando, uma tarefa que implicava acreditar. Dar chances de novo amor de novo.
Resistiu o mais que pode. Em jogo a liberdade. Libertas quae sera tamem.
Meu corpo minha casa minha vida minhas regras.
"Eu sou de ninguém eu sou de todo mundo" e mais além.  "Eu sou free demais."
Solta livre empoderada século XXI. É ela, a mulher da transição, dois séculos e um pé em cada um.
Re-cal-ca-da. Eis o diagnóstico..."você é fresca, pensa demais."  Sim, ela inventa desculpas, culpas, colchetes, parênteses, chaves. Traves com as linhas do tempo e de cicatrizes.
"Bobagem." Se quisesse ela ia lá só para mostrar força. "Eu posso, eu faço, eu escolho".
Então quando aceitou o número do celular dele
Aceitou o para-casa: acreditar de novo, não necessariamente no amor.
"Ok. Vamos lá." Disse a si mesma desafiadora: "aceito, topo."
"Você vai me ligar?" Segurando suas mãos. Três beijinhos, um no lóbulo da orelha. "Ele tem um cheiro bom". Admitiu em pensamento.
"Claro que sim". Ligou. 
Afinal tinha certeza absoluta que era só sexo. "O que ele me pede é um encontro."
Um encontro qualquer para ele e o para-casa para si.
Um primeiro encontro dela consigo mesma, com sua sexualidade muito debilitada, castrada.
Reencontro  dela mulher, a primeira vez depois de tantas vezes.
Sorriu ao lembrar o porquê da decisão de arriscar depois dos Cinquenta.
Uma cena Fifty shades of Grey: "Eu enfiei isto em você!"
Ela segurava triunfante o aparelho fálico do ultrassom vaginal.
"Acabou as desculpas da menopausa, hormonoterapia, vaginismo. Vá a luta!"
"Vou, mas sem romantismos Chico Buarque, Djavan, Caetano, Zeca Baleiro. Vou Cássia Eller, Letrux."
E foi, na pele, La Belle de jour, a fantasia.
Mas antes...
"Vou escrever em seu corpo com minha língua e depois ler cada arrepio seu."
Um poeta cantando literalmente sua amiga no What'sApp depois de uma foto curtida no Facebook.
Por que ouvira aquilo no dia do para-casa?
O verso fez vibrar cada fibra de seu corpo como se ela fosse um bandolim. Veio-lhe a mente Astor Piazzolla e um tango vermelho em Buenos Aires.
Quando ligou para ele queria o poeta, queria poesia, era uma mulher de Chico Buarque que conhecera homens que sabiam "pisar o coração de uma mulher" como outro Chico, César. 
Ele chegou cheiroso, banho tomado, fez barba e cabelo, usava jeans rasgado e uma camisa Lacoste. Nos pés um Nike novinho.
"Posso te dar um beijo?" Lábios quentes em seu pescoço, orelhas, lábios.
"Que cheiro bom, que beijo bom..."  Seu corpo a traiu covardemente
No olhar, na voz, no desejo latente, na carne e  corpo trêmulo sob aquela língua.
"Me deixas loucas". Cantou em silêncio Maísa, Elis, Adriana, Gonzaguinha.
"Seu cheiro é bom." Por que disse aquilo? Perguntou-se.
O abraço forte, o beijo delicioso, a língua e aquele cheiro inebriante de sexo. Ela se jogou de cabeça. Apenas sexo. Sexo há pena?
Suas pernas e as dela entrelaçadas "num balé esquisito", trêmulas, bambas na batida do coração descontrolado bateria Padre Miguel...As dela.
As dele hirtas, vigorosas na ginástica do prazer.
Mulher século XX, menina para casar, linda recatada do lar
Ali, naquele motel do centro, preços módicos, onde entrou tímida e reparando tudo como a mulher da transição para o século XXI transmutou-se.
"Só sexo sem compromisso, um "dating Facebook" sem precisar casar nem se persignar." Sorriu despudorada.
Só a poesia do sexo, só orgasmo, no plural... abençoado São Viagra.
Sem sapatos se pisando sem paletó e vestido abraçados, sem roupas, sem cabides.Só ela, ele e mais nada.
Delicioso para-casa sem romantizar nada, só somatizar prazer, gozo em toda a sua pureza nua e crua.
Sem "Querida cheguei"; "Como foi seu dia?" "A fatura do cartão chegou e a prestação da Caixa Econômica Federal?"
Minha casa minha vida... Aquela rotina nossa de cada dia "todo dia" fazendo tudo igual, sexo sem ovo frito nem sal, apenas feijão com arroz.
Sexo sem palavras do lar com palavras de bar no canto da orelha nas mordidas e a língua prenunciando novos descobrimentos na geografia do seu corpo.
E foi assim, atrevido, descarado, sem vergonhas, primitivo, primeiro, muito tesão, sacanagens ditas, ouvidas, bem ditas entre sussurros, gemidos, gozo. 
E nada seria como dantes se do meio do nada ele não tivesse dito aquele "Eu te amo."
Tudo acabou no primeiro encontro...nenhuma possibilidade.
"Como assim?" Ela interrogou; sobrancelhas arqueadas, a testa enrugada, a boca entre hilária e debochada.
O encanto de um encontro às cegas se perdeu na mendacidade do "Eu te amo", muito sonoro, fora do Tom, desafinado e  tão fake. E com ele se foi o desejo sexual.
O encontro murchou, desgosto, desconforto brotaram de nenhum lugar.
E os ouvidos ofendidos abriram os olhos para a vulgaridade do ato e para a desconfiança do erro(?) de uma entrega não pensada só para cumprir...
O tal para-casa.




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