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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

CONTO DE NATAL

Conto de Natal
Marina da Silva
Do meio do nada! Era assim que o Natal chegava a casa; sempre da mesma forma, inesperada, repentina, as crianças inquietas remexendo formigueiros, brincando de rouba-bandeira, pegador, esconde-esconde, trepando nas mangueiras ou sentadas a sombra do gigantesco jatobá, despendendo horas a fio a comer os frutos e criar brinquedos com as cascas.
_Quem quer ir no mato buscar uma “gaia” para a árvore de Natal? Na cabeça da meninada estava dada a largada para as festas de Natal: a árvore, o presépio,  a Missa do Galo, a Ceia, as pastorinhas, a folia de Reis e quem sabe... até presentes! Procurar uma “gaia”- era assim que a mãe falava do galho de árvore que através de suas habilidosas mãos se transformaria na árvore mais importante e fantástica do mundo: a árvore de Natal. Ir ao mato era rotina, uma atividade constante em busca de lenha para o fogão, esterco de vaca e cavalo para a horta, perseguir os bichos, pegar frutos, caçar passarinho, tomar banho nos riachos, brincar! O dia da árvore de Natal era especial! A mãe e as outras mulheres reuniam o bando de Lampião e Maria Bonita e munidas de facão e trapos partiam cerrado adentro rodeadas pelas crianças a procura da mais bela “gaia”! O cerrado era o lugar mais rico do mundo, cheio de bichos diferentes e de  árvores tortas,  troncos retorcidos como se tivessem sido desenhadas pelas crianças. E quanta fruta gostosa! Enquanto a garotada se divertia catando coisas, brincando na água, comendo frutas, as mulheres se espalhavam pelo mato cada uma a procura de sua “gaia” de Natal. De tardezinha, o sol frio e quase alaranjado, a árvore com seus galhos limpos, o bando voltava para casa levantando a poeira vermelha da estrada no trote despreocupado das “precatas”. E as alegres comadres cantavam canções das pastorinhas e do “bate o sino pequenino” perseguidas pelas algazarras das crianças que sempre distorciam alguns cantos pra fazer chacotas, palhaçadas.
Bate o sino pequenino
No grupo escolar
Tá chamando a macacada para merendar
A merenda é boa, boa pra chuchu
Te arroz com sapo, assado de urubu
E pra sobremesa, olha só que prato
Tem suco de mosca e pudim de carrapato.
E o cardápio variava com inclusão de lesmas, bicho morto e até catarro. Eca! No dia seguinte começava a magia: o galho recebia camadas de tinta luminax prata para imitar a neve e em tempos de vaca gorda a mãe fazia a neve cobrindo a sua  “gaia” com flocos de algodão. Terminada esta etapa uma primeira caixa saia do alto do guarda-roupa e vinha para o chão da sala aonde uma a uma as bolinhas de Natal iam saindo desembrulhadas do jornal velho e iam tomando seu lugar na árvore. Era um ritual delicadíssimo e só a mãe tinha autorização de tocar nas bolinhas, todas de vidro, muito frágeis e todas trabalhadas cada qual com uma história de como chegou até a caixa de Natal. Mesmo quebrada, se o estrago não era grande, a mãe mantinha como tesouro suas bolinhas de Natal.
_ Mãe, Sô Divino mandô saber se a gente vai receber os folião! Receber a folia de Reis para saudar o menino Jesus na sua casa era o que a mãe mais prezava.  Tem que comprar um garrafão de vinho – avisava ao marido – vou fazer uns doces e alguma coisa salgada! Sagrada – dizia a mãe – receber os Reis Magos na sua casa era coisa sagrada! Então começavam os preparativos do presépio e uma segunda caixa descia do alto do armário: fulano vá pedir uns sacos de cimento e um pouco de areia pro seu Jaime do “moxarifado”; sicrano pega capim seco e o vidro dos marinheiros, que era o arroz em casca resultado da cata diária no preparo do almoço; beltrano vai comprar a tinta preta e luminax dourada! No canto da parede aos poucos ia surgindo a gruta onde a Virgem Maria deu a luz a Jesus, o Cristo salvador do mundo! “O nosso Menino nasceu em Belém, nasceu tão somente para querer o Bem”  e ao som das músicas natalinas, Jesus na manjedoura velado por Nossa Senhora, mãe de Deus e por São José ia tomando seu lugar no centro da grutinha. Tinha ainda uma vaquinha deitada, um burrinho cinza com a crina e o rabinho preto, os três reis magos: Baltazar, Gaspar, Belchior. Tinha os camelinhos com duas corcovas, o anjo da Anunciação bem no alto e perto dele o galinho vermelho tão pequenininho, um carneirinho branco e a estrela-guia. Uma orquestra invisível de sons permanentemente a tocar violinos, piano, violas, sanfonas, xique-xique feito com as tampinhas de cerveja, triângulo, pandeiro, um concerto celestial invadindo a casa do pasto! E a gente ao passar pela sala ficava olhando abismado o brilho encantador das bolinhas de vidro e sua magia de transformação: como aumentava o nariz, os olhos e a boca da gente? Como cabia a sala inteira numa bolinha tão pequenininha? Como um só toque na bolinha puxa-puxa podia fazer ondas tão lindas? E quem colocou o Sagrado Coração de Jesus daquela forma escavando uma gruta dourada na bolinha? Tira a mão daí menino! Não tira os bichos do lugar que eu coloquei! Onde já se viu? A vaca e o burrinho ficam cuidando da entrada da gruta! Quem foi que mexeu nos reis magos? Hoje o Natal chega como um dia comum de ir ao mato, sem muita magia e como mera obrigação fica até mesmo sem graça! Não existem mais as bolinhas de vidro e as de plástico, isopor, linhas são tão práticas... Mas não tem o mesmo brilho do vidro ou mesmo qualquer trabalho de arte! E pior, não acabam nunca, assim como o pinheiro prático, econômico verde, branco ou prata, coisa que nem é de verdade da vida da gente! Mas Natal é luz, alegria, magia! A magia hoje vem das luzes e não mais da procura, captura e confecção da árvore que de tão iguais e pasmacentas podem se comprar na drogaria perto de casa! Mas tem luzes! Um Natal de luzes multicoloridas, cascatas de luzes, luzes pisca-pisca, luzes rendadas, quilômetros de luzes descendo do topo do teto dos shoppings, luzes cobrindo fachadas, o carro dos bombeiros, o próprio papai Noel. Luzes que enrodilham abraços e deixam alegres as árvores das ruas e praças! Luzes do lado de fora, árvores de Natal imensas feitas de luzes, luzes e alta tecnologia! É Natal! Nasceu o menino Jesus, vamos festejar com alegria! Será que Papai Noel recebeu minha cartinha? Feliz Natal!

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