RELATÓRIO DE UM EXTRATERRESTRE
Sérgio Antunes de Freitas
Senhor Comandante,
Ao passar pela Via Láctea, detetamos um som, em alto volume, vindo de um planeta distante.
A ele nos dirigimos, a fim de verificar que tipo de vida prevalece no local.
De longe, observamos que o som provinha de vários pontos. O de maior volume chegava de um local com umas espécies que julgamos interessante analisar.
Uma delas estava em uma rede e emitiu um som baixo, que deciframos como sendo: - Mainha, traga um copo de água para mim.
E a mainha disse: - Levanta e vai pegar, Adroaldo!
E o Adroaldo disse: - Ah! Amanhã, eu bebo.
Semelhantes a ele, embora não tão tranquilos, se aglomeravam acompanhando um veículo lotado de auto-falantes, emitindo o som alto que chamou a nossa atenção. Iam pulando e repetindo um líder que dizia assim:
Eu quero be-já, be-já, be-já
Ô, ô, ô, ô, ô,
Salvadô, Salvadô,
Ba-ê-ê-ê-ê-ê-ê-a-aaa.
Foi possível perceber que a espécie se divide em dois tipos, masculino e feminino, embora, em alguns muitos casos, tenhamos ficado realmente em dúvida sobre a qual se relacionava um indivíduo observado, ou se havia outros gêneros não identificados pelos nossos antropólogos.
Os indivíduos da espécie ficavam repetindo a cantilena, se abraçando, se beijando e se encaixando. Às vezes, um encaixava um outro, que não queira ser encaixado, e recebia uma porrada de perder o rumo.
De repente, notamos que um som também em alto volume vinha de uma coordenada mais ao sul. Voltamos os nossos sensores para o alvo e percebemos outro grupo animal semelhante, com um líder que, primeiramente, gritava: - Aí, comunidade! Vamos mostrar para o mundo que o Morro da Inclemência tem samba no pé!
Em seguida, os tambores iniciavam a percussão e a comunidade começava a chacoalhar.
O líder, então, gritava: - Na avenida...
E a comunidade começava a cantar:
Na aveni-i-i-i-i-da
A minha escola vai passar...
E todo mundo, chacoalhando, se dirigia para uma passarela, onde outros assistiam e também chacoalhavam.
Um sistema de transmissão de imagens mostrava, às espécimes distantes do local, o que acontecia ali e, provavelmente, repassava informações históricas relevantes para o planeta, em um processo de educação à distância, como, por exemplo:
- Está vendo a Isabelzinha, que é a terceira porta-bandeira dessa escola, ela é filha da Dona Creusa, que mora lá no Morro do Tatuí. Todo mês, a Dona Creusa faz uma rabada e a velha guarda da escola vai lá no barraco dela, para lembrar os sambas-enredos do passado. Vai o Zoró, o Tião da Arminda, o Cróvis do reco-reco, o Xirico, o Carniça, o Carçola, todos famosos, verdadeiros guardiões da tradição.
Como muitos da espécie reclamam, parece que, de fato, há problemas de má distribuição de renda no planeta, principalmente sob a perspectiva do gênero, pois a maioria dos masculinos quase não se aguentava com as roupas, enquanto boa parte dos de gênero feminino não tinha o que vestir.
Grupamentos menores, espalhados pelo país, imitavam e repetiam os exemplos citados, mas em densidade menor.
Após exaustivas reuniões de nossa equipe, concluímos que, na verdade, os costumes se referem a danças de acasalamento, pois, nove meses depois, acontecem verdadeiras explosões demográficas.
Entretanto, o problema maior, e razão desse relatório, é que metade de nossa tripulação resolveu ficar por lá.