FONOAUDIOLOGIA TELEFÔNICA
Sérgio Antunes de Freitas
Meu colega de trabalho pegou o gancho do telefone, teclou algum número e ficou quieto. De repente, falou: - Fatura.
Passou um instante e ele repetiu pausamente: - Fa-tu-ra.
Desligou.
Teclou novamente e, pouco depois, repetiu: - Fa-tuuuu-ra.
Passou um instante e, mais uma vez, repetiu mais rápido: - Fa-túra.
Intrigado, perguntei sobre o despropósito: - E aí, Chicão, qual a marca da cachaça que você anda bebendo?
Ele me explicou que a fatura do seu telefone chegou com o valor dobrado e ele queria reclamar, a fim de receber o justo ressarcimento: - Agora, não é mais aquela história de “... Se você quiser nossos produtos, tecle 1. Se você quiser tratar de problemas em sua conta, tecle 2.”
Continuei lembrando o que a voz dizia: “Vamos estar passando para a nossa Central de Atendimento.”
E vem a música: Tlim - Tlim – Tlim... Tlim – Tlim... E a gente desiste, depois de alguns muitos minutos.
- Agora – ele continuou, é por reconhecimento de voz. A voz de lá pede para a gente falar a palavra relativa ao serviço.
Pedi para testar e ouvi: “Obrigado por ligar para nós. Fale a palavra sobre o que deseja tratar: problema técnico, fatura, compras ou outro assunto.”
Aí eu disse: - Fatura. E a voz respondeu: “Não entendi o que você disse. Por favor, repita.”
Repeti: - FA-TU-RA.
E a voz tornou. “Não foi possível reconhecer a palavra. Vamos estar passando para a nossa Central de Atendimento.” Tlim - Tlim – Tlim... Tlim – Tlim...
Começamos a imaginar quais as dificuldades para um fanhoso ser atendido.
“Obrigado por ligar para nós. Fale a palavra sobre o que deseja tratar: problema técnico, fatura, compras ou outro assunto.” E o fanhoso: - Fafura.
“Não entendi o que você disse. Por favor, repita.” E o fanhoso repete: FA-FU-RA!
Lá pela quinta vez, o cara já está irritado e buscando alternativas:
- Fa-fu-ra, Pô!
“Não entendi o que você disse. Por favor, repita.”
- Ô-bre-ma-téqui-co.
Liga de novo e, quando a voz solicita a palavra, ele desaba:
- Eu-ô-dá-ô-rra-da.
Também pode haver problemas com algum gago.
“Obrigado por ligar para nós. Fale a palavra sobre o que deseja tratar: problema técnico, fatura, compras ou outro assunto.” E o gago: - Fá-fá-tá....
“Não entendi o que você disse. Por favor, repita.” E o gago se desespera: - Fá-fá-es-pe-pé-ra...!
Dentro de mais alguns dias, provavelmente, a empresa colocará uma pergunta anterior, considerando os deficientes sonoros.
“Se você é normal, diga eu sou normal.”
“Se você é fanhoso, diga fa-ro-fa.”
“Se você é ga-go, diga pin-da-mo-nhan-ga-ba, de forma bem pausada. Não fique nervoso!”
“Se você é mudo, não diga nada.”
www.google.com.br/images O inferno de Dante existe e não é nenhuma comédia!
Enquanto especulávamos sobre as modernidades, meu colega conseguiu falar de forma normal: fatura.
E ouviu, com música suave ao fundo: “Palavra entendida. Vamos estar passando para o Departamento Financeiro.” Tlim - Tlim – Tlim... Tlim – Tlim...
Em outro dia, comentou com um outro colega: - Pôxa! Faz três dias que tento falar com a empresa e não consigo.
E o outro: - Vai direto ao Procon, que eles ligam para a empresa e o problema é resolvido na hora. É telefone só conhecido por eles, exclusivo para isso.
- Mas a fila é enorme - questionou a vítima.
- Sim - definiu o aconselhador, mas lá você só perde um dia.