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terça-feira, 5 de maio de 2020

BRAZIL: CORONAVÍRUS E EU

EU COMIGO
Marina da Silva

Maio 2020
Claro que à estas alturas da pandemia eu estou sem um pingo de moral para dar ordem a quem quer que seja, neste caso, a mim mesma.
Tenha paciência. Vai passar. Fique calma. Sou enfática comigo, mas não muio convincente, então está osso me obedecer. 
Não vejo jornais na TV. Leio o NYTimes, WSJ jorunal, DW-Jornal no computador.
Assisto programas de reforma de casas, compra e venda na Discovery Home & Health. 
Uma dezena de dias vendo sem muita atenção e então pulo para o canal de crimes, assassinatos, casos arquivados, perseguição no ID-Investigação Discovery.
Tira deste canal! Minha irmã chamando minha atenção. 
Mas é melhor que ficar vendo notícias no Brasil o dia inteiro. Replico. 
Mas é informação. Ela treplicando.
Paulatinamente diminuí Facebook, What'sApp, Instagram, meus vícios até o Covid-19. Nada mais me chama atenção.
Semana passada fiz dois dias seguidos de ginástica.
Depois voltei à melancolia.
Tento rezar. Pego meu tercinho azul, abençoado por São Geraldo, meu santo preferido da infância e em meio às Ave-Marias, Padre-nossos, Salve Rainha tem jornalistas, suas vozes, seus gráficos, estatísticas pelo mundo, caixões, enterros, dor e agonia.
A deputada Carla Zambelli, uma escrota, espalhou no país a fake news que os caixões não tem corpos, estão vazios, é armação da esquerda. Mesmo em meio a CPI das Fake news.
Meu nariz está entupido. Instilo soro fisiológico nas narinas. Depois limpo as hélices e lavo a parte frontal do ventilador no banheiro.
Não tem chocolate? Nem no esconderijo? Interrogo minha irmã.
Você só vem aqui comer chocolate. E diz que é diabética. Sorri debochada.
Meu comportamento, lógico, não está nada normal. Comprei dois latões de cerveja e odiei o gosto. Despejei na pia e guardei as latinhas para reciclagem.
Vamos tomar vinho?
Eu que nem gosto de vinho dei para apreciar a coisa; vou à cristaleira e pego uma taça de cristal.
Por que? Eu tomo no copo mesmo.
Deixa de ser tonta, na taça de cristal a gente fingi que está em Paris.
Não consegui passar as roupas, ainda.
Comecei bem a semana e fiz lista de tarefas. Preciso fazer a droga do imposto de renda, corrigir uns lamentos e sofrências do novo livro, escrever para o blog...
Devoro filmes, documentários, livros, séries.
Abençoado Kindle paper withe que me custou uma fortuna. Comprei autores novos, russos, franceses, ingleses, americanos, brasileiros. Devorei Essa gente de Chico Buarque numa sentada e as crônicas de Drummond.
Meu passaporte de leitura, presente da filha, está ficando lotado: Turgueniev, Virginia Woolf, George Sand, Alan Poe, Maupassant, Balzac, Moliére, Chico Buarque, Drummond, livros de política e geopolítica atual no mundo e Brasil. 
Parei de fazer máscaras, costurar, fazer ginástica.
Voltei a cozinhar, mas não tenho fogão, só o microondas. Faço arroz, macarrão integral, omelete e ovo frito. Achei difícil lidar com tempo de cozimento, mas dominei estes pratos.
Tenho menos pânico e agonia desde que parei com o jornal. 
Só vou ao supermercado porque minha irmã é radical, não deixa ninguém fazer suas compras, então vamos lá de trio: eu, ela e minha filha.
Mas passo mal sempre. Vem aflição, agonia, medo, claustrofobia em meio as gentes sem máscaras ou usando-as no pescoço.
O principal problema da pandemia no país é o presidente asno, literalmente inculto, tosco, o capitão caverna e seus seguidores, guiados por milicianos nas redes sociais, um bando de gente rancorosa, estúpida, violenta, truculenta, homens e mulheres. Interromperam e agrediram enfermeiras e jornalistas, meu celular me informa.
Na últimas semana a lua apareceu antes do por-do-sol, já na fase crescente, bem em meio aos prédios. 
Abri a janela e fiquei lá, olhando-a por longos minutos até desaparecer por trás do edifício mais alto. Fiquei na vigília. Às 20H ela saiu de lá e passei a vigiar até que ela saiu totalmente.
Do apartamento, cercado de prédios por todos os lados, praticamente colados ao meu, tem umas nesgas de céu e minha lua crescente aparece, inteira. 
Que saudades da lua, do nascer do sol, do por-do-sol. Esqueci regras de hifenização.
Que saudades de tudo, das mínimas coisinhas e pessoas que encontro todos os dias a caminho do trabalho. 
Minha cidade rompeu o isolamento social em Abril e a prefeitura abriu umas três centenas de covas...
Ontem no carro minha filha me apresentou um canal no Youtube de um biólogo e vou assistindo no trajeto até a casa da minha irmã. As avaliações dele me deixam temerosa, assustada. Na volta a menina está aflita e tentando me convencer a não focar nos dados.
Nós estamos fazendo tudo direitinho mãe, não tem com o que se preocupar.
Finjo que não me preocupei olhando pela janela dezenas de moradores de rua em todos os viadutos e beiradas de talude da avenida duplicada.
Você não fique vendo estas coisas, você não dá conta. Eu vejo porque eu escrevo no blog. E nos despedimos preocupadas...


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