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sexta-feira, 26 de julho de 2019

BRAZIL: AMAR SOFRÊNCIA

DELETE
Marina da Silva

"Você pode me deletar."
O olhar sombrio, olhos apertados
Na boca um sorriso
Desdém, ironia, escárnio.
E ela, parada, uma mão na maçaneta
A outra apertando a porta para manter-se de pé.
As forças, toda sua energia se esvaíra  do seu corpo.
Sorriu torto, olhos marejados, vacilou.
Uma profunda dor estrangulando, estraçalhando sua voz e coração e vísceras.
Xeque mate! Game Over! Acabou?
Insistiu incrédula:
"Você tem certeza? Posso deletar você da minha vida?"
"Sim." Seco, frio, cortante como uma lâmina de gelo.
"Para sempre?" Ela quase mendigando.
"Sim". Altivo, impiedoso.
"Você me conhece. Não terá volta."Ameaçou.
"Pode deletar."
Ele desceu os degraus e se foi; sequer se despediu.
Ela fechou a porta.  As pernas se desmancharam, fluidificaram-se.
O corpo foi deslizando-se pela porta abaixo encontrando o chão frio.
Ela sentou. Chorou. Chorou.
O que mais poderia fazer?
Pediu, implorou, ajoelhou-se aos seus pés, arrastou-se pelo chão.
"Fique comigo! Escolha-me por favor!"
Uma faca trespassou seu coração e a imagem da Santa lhe veio.
Piedade! 
Sentiu de repente que cometia uma blasfêmia contra Maria, Notre Dame, Matter Dei, mãe de Jesus Cristo.
Aquela sim, era uma dor inominável!
Mas a sua dor...poderia ela sentir semelhante dor? 
A imagem de Maria e a frase repicavam como um sino enlouquecendo seu cérebro febril.
"Dor igual a minha dor..."
Abraçou os joelhos e enfiou ali seu rosto e ao choro juntou-se os soluços.
Acabou. O fim de um amor era só dor, dor dolorosa, insuportável dor.
Queria sumir. Queria que o mundo acabasse naquele instante.
"Pode me deletar da sua vida."
Inacreditável!. Implorou a morte a Deus.
O tempo parou. As lembranças vinham-lhe confusas, desordenadas, alegres e tristes. 
Felicidades e agonia. Tristeza, angústia, sofrência infinita.
Amava. Amava aquele homem. Muito, muitíssimo. 
Amava de corpo e alma e ambos estavam ali no chão, uma massa informe, um monturo de cacos, pedaços, estilhaços, entulhos.
Sentia-se destruída, quebrada para sempre, falida.
Milhões de pedaços misturados de uma vida inteira.
Sentiu o ar lhe faltar.  E a dor opressora esmagava seu peito.
Estava soterrada pelos próprios escombros e destroços.
"Delete!"
Insana fez uma busca desesperada pelo cérebro atrás do botão reiniciar.
Não o achou. Pane geral! Pânico no sistema, cabeça embaralhada, comandos embaraçados.
Ctrl +C
Ctrl +V
Enter
Esqueceu de selecionar o que queria
Ctrl + T
Apertou todos os comandos mentalmente: restaurar, selecionar, copiar, novo documento, colar, salvar...
E tudo se embaçava em bilhões de pixels malucos, brilhantes que  se agrupavam na palavra "delete"!
A tela no cérebro ficou azul. Apavorada clicou Control + Alt + F2
Tudo ficou preto e um imenso vazio ocupou tudo. Sentiu-o no estômago.
Ctrl + Alt + Del
Desesperada apertou chorando todas as teclas socando o teclado.
"Delete".
"Não...não! Deus me ajude!" Restart, reset, boot, log out, desligar.
Error error, error...
Sentiu o corpo formigar.
Perdera a noção do tempo debaixo dos seus escombros, entulhos, cacos, lixo.
Sentiu-se um lixo que ninguém queria. Chorou mais. 
Não conseguia levantar-se do chão. 
Suas forças a abandonaram...
Como deletar o ser que amo com loucura e paixão?
Como se deleta o amor do coração?
Lembrou do celular. Tirou-o do bolso e ficou ali chorando e querendo ligar.
Desistiu. E ele não atenderia...
Entrou no Insta dele...bloqueada!
Foi para o Face...bloqueada!
Twitter...bloqueada!
What's app...bloqueada! Talvez o "zazapis" da família...bloqueada.
Ela fora deletada para sempre da sua vida. Valia a pena viver?
Jogou o telefone para longe e se deitou encolhida como um feto, abortado, morto.




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