ASFIXIA
Marina da Silva
Não conseguir respirar
Por muito tempo
Um zumbi comendo o próprio cérebro
Querendo razões, porquês
Questionando continuamente: onde foi que errei? É minha a culpa?
Do lado de lá
Desprezo e silêncio.
Martelar a cabeça em busca de respostas
E se descobrir em relações tóxicas, abusivas.
Uma relação de escravidão
Corpo e principalmente o espírito.
Faz-se um nada, uma péssima escolha
E se erra anos a fio.
Abismo, escuro, frio, sombrio, aterrador...
E novamente se escolhe o abuso a ficar só
Construindo castelo sobre nada
Sobre mentiras.
E nada mais no mundo importa.
O vasto mundo contido inteiro no outro, para outro.
De repente tudo desmorona, tudo cai.
Aí viver dói, lamentos e sofrências em ruínas atado à mendacidade do amor.
Um amor imerecido para quem lhe trata como nada, coisa alguma.
A vida segue e o inesperado acontece...
Bate-lhe nas faces a verdade "Machadiana":
Nua e crua... "fui agulha para linha vagabunda".
Amar o amor no outro
Loucura se entregar assim, despojado de tudo, sem escudo
Elmo, lança, sem capa e espada.
E morre-se milhões de vezes em espaços
Buscando respostas, a sua resposta até no ciberespaço.
Respirar?
Para-se de respirar, perde-se o senso crítico, o senso de ridículo
A clareza, a dignidade.
Por não respirar caminha-se morto, passos trôpegos
Bêbados, frágeis.
A cabeça baixa, olhos sempre em lágrimas
E aquele vazio imenso e o frio na boca do estômago.
Uma dor dilacerante e insistente no coração que insiste em bater
Mesmo quando a escolha é morrer.
E um dia a gente morre ao "atravessar a Rebouças sem olhar para lado algum".
É neste momento crucial que se lembra de pulmões, respiração
Diante da decisão final volta-se a respirar pela primeira vez.
E se descobrir alguém que parou de respirar.
Respirar, respirar, respirar profundamente.
Respira-se uma, duas, n-vezes
E respirando a gente se descobre em ruínas, destroços, merdas, sem amor.
Respirar é descobrir que não se precisa morrer de amor
E sim, matar todos os sentimentos ruins para viver.
Matar sonhos, ilusões, amor não correspondido, abusivo, asfixiador.
Aceitar o fim da relação e sofrer, chorar, sentir dor, viver o luto.
Respirar para descobrir que o nó górdio na garganta precisa ser cortado
Para não morrer, não sofrer além da conta
Além da capacidade humana para o sofrer de amor.
E respirar, respirar, aspirar o dia, a noite, o vento, a vida.
Respirando, os pulmões recebem oxigênio e se limpam a cada expansão e contração.
Inspirar, inalar o ar desentrevando músculos, pulmões colabados.
O coração volta a bater, o sangue corre solto e limpo
Drenando do corpo coisas, pessoas tóxicas e o veneno
Daquilo que se pensa ser mais importante que a própria vida.
A cada respiração, a cada batida do coração
Sangue novo, limpo, renovado vai expulsando a toxidade
Para longe...
E de repente viver é mais importante, a cada exalada
A cada inspirada fortalecendo e empoderando o eu.
Demora. Mas passa.
E do meio do nada levanta-se a cabeça para o céu azul respirando profundamente.
O sol atinge em cheio as faces, pele e a cura apolínea começa.
Os olhos voltam a enxergar coisas, pessoas, a cidade, os amigos.
Uma canção abre os ouvidos que estavam surdos
Uma prece pede paciência,
É preciso um pouco de paciência e resistir.
E sem se perceber vem o senso de ridículo de toda a situação
Da não-vida que se viveu até então.
E cabeça erguida, corpo ereto, os braços se abrem para a benção de viver
Permitindo a cura adentrar até a alma,
Novas energias entrarem a cada respiração.
Respirar profundamente, permitir a mente trabalhar tranquila
E sair para trabalhar, ganhar o dia
Nos lábios a prece vai rompendo a asfixia
Vai passar. Paciência, respirar, tudo vai passar.
Só é preciso voltar a respirar e um pouco de paciência.