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sexta-feira, 3 de março de 2023

BRAZIL. UM ARQUITETO E OS ASSENTAMENTOS RURAIS- Livro Sérgio Antunes de Freitas

 

UM ARQUITETO E OS ASSENTAMENTOS RURAIS

Sérgio Antunes de Freitas


APRESENTAÇÃO DESTA 2.ª EDIÇÃO

 

 

Ao final de minha vida laboral como Arquiteto e Urbanista no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA, no qual trabalhei por 40 anos e me aposentei, resolvi registrar uma parte das minhas experiências profissionais.

Isso foi feito ainda no calor de um ambiente sempre em ebulição, dada uma das atividades controversas atribuída ao Órgão: a reforma agrária.

Some-se a isso o comportamento das pessoas geradoras dos vetores de pressão interna: políticos das mais diversas linhas de pensamento, honestos ou desonestos, servidores públicos dedicados ou negligentes, obedientes às leis ou obedientes aos chefes, assim como as demandas do público, legítimas ou falsas.

A maioria dos servidores públicos autênticos o são por vocação. Desejam servir ao próximo e, por extensão, mantém constante preocupação com os problemas sociais, o desenvolvimento do País, o futuro da Humanidade.

Assim, transcendem suas obrigações!

No meio desse rodamoinho de estímulos e desestímulos, acabei por deixar de tratar com mais clareza alguns assuntos relevantes.

Um deles é o termo ocupação, usado para caracterizar os acampamentos dos movimentos de trabalhadores rurais em busca de terras para viverem.

O Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra – MST não invade! Sempre ocupa terras improdutivas que deveriam ter sido desapropriadas e distribuídas aos agricultores, por força da Lei.

Tanto esses agricultores ocupam que, quando são instados a desocuparem por força legal, deixam o local pacificamente, ordeiramente.

É uma pressão, a fim de que o Governo cumpra com sua obrigação. O MST é o movimento social mais sério e competente de todos, com ótimos resultados, seja como demandante dos assentamentos, seja como agente de produção, após suas vitórias.

Mas existem outros, inclusive espúrios. Em alguns casos, um endinheirado compra uma terra barata, contrata pobres para se passarem por agricultores acampados e passa a pressionar o Poder Público, com vistas a uma desapropriação que lhe renda várias vezes o que gastou, mediante, inclusive, propinas.

Depois, os falsos agricultores vendem a terra que recebem, pois não têm conhecimento nem meios para cultivá-las. 

Felizmente, essa não é a regra, mas existem muitos outros problemas descritos ao longo dos capítulos.

Assim como essa informação, muitas outras relativas ao tema não são de conhecimento público em geral.

Desse modo, um dos objetivos do trabalho é passar por todas as áreas de conhecimento que influem no sucesso ou insucesso nesse tipo de empreendimento.


ÍNDICE

 

 

 

1.   Notas do Autor............................................................        6

2.   Introdução...................................................................        8

3.   Propriedade.................................................................        11

4.   Natureza......................................................................         15

5.   Densidade...................................................................         20

6.   Conceito de Assentamento.......................................         25

7.   A Falta de Planejamento Governamental.................        28

8.   Constituições Brasileiras..........................................         32

9.   Mais um Pouco de Leis.............................................         40

10. Métodos......................................................................         46

11. Obtenção de Terras.................................................           49

12. Estradas....................................................................           52

13. Parcelamento.............................................................         57

14. Assentamento Tradicional.......................................          62

15. Opção ao Assentamento Tradicional.....................           69

16. Conclusão..................................................................          74

17. Bibliografia.................................................................         76

18. Endereços Eletrônicos..............................................         79


NOTAS DO AUTOR NA PRIMEIRA EDIÇÃO

 

Este ensaio não se destina aos professores nem aos profissionais com larga experiência, teórica ou prática, no trato da organização dos espaços rurais, embora nele possam encontrar algum dado relevante para o enriquecimento de seus cabedais de informações ou mesmo algum caminho que os leve a novos campos de pesquisas ou em direção ao aprimoramento da admirável arte de ensinar.

Destina-se, sim, aos jovens profissionais, especialmente aos pouquíssimos arquitetos que venham a se defrontar com problemas pertinentes à área rural e não tenham ainda reunido indicativos sobre como se deve planejar as intervenções nas áreas extra-urbanas. Portanto, se trata de uma introdução à matéria.

Quando, pela primeira vez, enfrentei um desafio profissional nessa área, me ressenti da falta de orientações para levá-lo adiante. Prometi a mim mesmo que, um dia, registraria minha experiência, se viesse a ter, para ofertar a outros uma opção de caminho, a fim de não saírem, assim como eu, praticamente do zero. Este trabalho foi um segundo desafio, tão solitário como o primeiro, mas com uma diferença. No primeiro, não havia informações. Agora, no segundo, são tantos os assuntos envolvidos, que alguns deles foram, intencionalmente, tratados superficialmente, para que a leitura não ficasse cansativa.

Escrever um livro sobre esse assunto, por vezes, me pareceu temerário, talvez prepotente, porém alguns estímulos apareceram ao longo dos anos em que o propósito foi amadurecido.

Entre eles, destaco uma epígrafe da parte 2 do artigo “A construção do Homem no jovem Marx”, escrito por Augusto Buonicore e exposto na Internet:

“Em seus primeiros estudos, feitos no Liceu de Triers, em 1835, Marx asseverou: ‘A diretiva principal que nos tem de guiar na escolha de uma profissão é o bem da humanidade e a nossa própria realização (...) A natureza do homem está estabelecida de tal modo que ele só pode alcançar o seu aperfeiçoamento se agir para a realização, para o bem dos seus contemporâneos’.”

Não confirmei a veracidade da informação, como manda a boa postura científica, pois a verdade nela contida basta em si mesma. Essa posição confortável em relação às verdades fica endossada por uma frase de Umberto Eco, no livro “Como se faz uma tese”, a saber: “Em primeiro lugar, que as comunicações de massa sejam um fenômeno central de nosso tempo é algo tão óbvio que qualquer um poderia ter dito. Não se exclui também que McLuhan o tenha dito (não averiguei, inventei a citação), mas não é preciso apoiar-se na autoridade de quem quer que seja para demonstrar coisa tão evidente.” (Pág. 124)

Isso serve também para esclarecer que, em todo o texto, o fator “evidência” é apoio de muitas informações.

Ainda ilustrando a razão de escrever, em artigo denominado “Não é o dinheiro, estúpido” (assim mesmo, sem ponto final ou de exclamação), publicado no jornal Folha de São Paulo, no dia 8 de fevereiro de 2011, o publicitário Nizan Guanaes dá uma nova versão para a afirmação de Marx: “Acumular conhecimentos é nobre e necessário, mas sem atitude, sem personalidade, você, no fundo, não


será muito diferente daquele personagem de Charles Chaplin apertando parafusos numa planta industrial do século passado.”

As informações anteriores já anunciam que, escrever em forma de crônica, foi uma alternativa a escrever de forma científica, pois não seria honesto fazê-lo, sem ter o amparo de um curso de pós-graduação, ou seja, sem a chancela da Academia.

Por outro lado, mais desonesto seria a omissão, não escrevendo nada. Também, diferentemente das obras científicas, as citações de outros autores não têm o mesmo sentido, ou seja, não se trata de ancoragens para as afirmações feitas. Assim como no teatro os cenários servem para estabelecer o ambiente do enredo, aqui também as citações visam estabelecer o contexto em que as asserções aparecem.

E não importa que a relevância do trabalho fique sujeita a dúvidas e a críticas, pois essas consequências também são construtivas.

Muitos trabalhos já foram escritos sobre assentamentos rurais, sob diversas óticas, ideológicas, políticas, sociológicas, econômicas etc. No caso, não se pretendeu repetir esses enfoques, embora, em alguns momentos, o texto perpasse por essas áreas de discussão.

O objetivo é bem claro: tratar das informações que incidem sobre o processo de projetação dos espaços físicos nos assentamentos rurais.

Entretanto, ao longo da pesquisa, ainda que expedita, levada a efeito para o imprescindível fichamento - como se diz do registro de partes importantes das obras consultadas, ficou claro uma validação de que, até hoje, por ignorância ou por ambição, o homem não respeita a terra que o acolhe. A história da sociedade contemporânea é a história da destruição do nosso Planeta.


INTRODUÇÃO

 

“E cem anos depois é que eu iria aprender que aquela era a frota portuguesa que descobria o Brasil! Naquela hora não existia Brasil, mas sim a nossa terra, por nós chamada Pindorama, terra boa e grande onde nossa tribo e muitas outras corriam, livres, acampando aqui e ali, caçando, pescando, dançando, guerreando... “

(Tibicuera, personagem de Erico Veríssimo)

 

Os animais irracionais vivem, basicamente, em busca por alimentos e sexo, ou seja, atendem a seus instintos de sobrevivência e perpetuação da espécie. Ainda como atitudes essenciais, lutam pelas suas defesas individuais, grupais e de seus territórios consequentemente.

O homem também, mas de forma mais racional e aprimorada ao longo de sua evolução.

A versão moderna da propriedade nada mais é do que o instinto de demarcação do território travestido de racionalidade.

Já na visão antropocêntrica, com enfoque econômico, a terra é um meio de produção indispensável, tanto no contexto rural como no contexto urbano.

No mundo capitalista, o solo, assim como a mão-de-obra, tornou-se mercadoria e, seguindo seu objetivo perverso, tem por primeira finalidade o lucro, em vez das necessidades humanas.

Seja qual for a intenção, certo é que a terra sempre foi o cenário para conflitos entre indivíduos ou classes.

Confirmando essa informação com um ditado popular, são três as barras que causam brigas entre os homens: barra de ouro, barra de saia e barra de rio. Em outras palavras: dinheiro, mulher e terra.

A história do Brasil é farta nos registros da luta pelo chão. Sobre a região nordeste, por volta de 1600, afirma Nelson Werneck Sodré, em seu livro Formação Histórica do Brasil: “A extensa apropriação e a marginalização das áreas pastoris, a ausência do poder público, o ritmo vegetativo em que descambaram aquelas áreas, leva à configuração de uma fisionomia particular, em que aparecem as questões de terra, resolvidas pela violência, as questões de família, conduzindo a conflitos locais duradouros, e, finalmente, a um banditismo endêmico, pontilhado de fanatismo em alguns casos.” (Pág. 125) Também João de Abreu Capistrano, nos seus Capítulos de História Colonial & Os Caminhos Antigos e o Povoamento do Brasil, referindo-se a uma época por volta de 1700, afirmou: “Reinava respeito natural pela propriedade; ladrão era e ainda é hoje o mais afrontoso dos epítetos; a vida humana não inspirava o mesmo acatamento. Questões de terra, melindres de família, uma descortesia mesmo involuntária, coisas às vezes de insignificância inapreciável desfechavam em sangue”. (Pág. 136)

Por conta de conquista de terras, nos dois primeiros séculos do Brasil, o que se sabe é de inúmeras invasões por franceses, holandeses, ingleses, expulsão desses invasores, guerras entre grupos rivais, aprisionamento e matança de


índios e desafetos, afundamento de navios carregados de pau-brasil, sentenças de morte com detalhes de crueldade.

Ao longo dos séculos de colonização, a violência grassava, assim como hoje, embora em tons diferentes, de norte ao sul do país, como nos conta Sérgio Buarque de Holanda e outros, em História Geral da Civilização Brasileira – O Brasil Monárquico: “Não estranha, pois, que na sociedade pastoril a violência tivesse sido norma imperante. Antes do êxito das charqueadas, o próprio processo de ocupação das terras e as condições de manutenção da autoridade nos campos e nas fronteiras baseavam-se na força das armas; quando não eram as tropas portuguesas, eram os grupos de guerreiros e saqueadores de gado que asseguravam a posse da terra e a apropriação do gado. ‘Gaúchos’ e ‘contrabandistas’, no século XVIII, representavam tipicamente os pioneiros da exploração do gado”. (Pág. 494)

Tratando de conflitos semelhantes, por questões de posses ou de limites, José de Souza Martins, em A Imigração e a Crise do Brasil, descreve um artigo, denominado “Facto Revoltante”, publicado no jornal “Correio Paulistano”, em 5 de abril de 1883: “No dia primeiro do corrente foi na localidade de São Caetano assaltado o sítio do Sr. Dr. Paulo Hamelin, por uma falange de vagabundos que, sem causa alguma justificativa, invadiu aquela propriedade, levando na frente desfraldada uma insígnia representada por uma vara com um lenço de tabaco na ponta: foi debaixo de tão significativo emblema que essa chusma dando pastas às iras que lhe acendia o álcool, quebrou uma porteira, entupiu valos e demoliu uma casa levando sua audácia ao ponto de intimar a um empregado do sítio que se retirasse quanto antes com sua família da casa que ocupava, dando- lhe disso conhecimento sem perda de tempo, a fim de continuar ela na sua obra de demolição. Pasma ver tão estupendo e vandálico ataque a propriedade particular, cometido em um subúrbio da Capital da província de São Paulo por uma horda de vadios, intitulando-se ‘povo que exerce a sua soberania’”. (Pág. 95)

Sem juízo de valores, é fácil estabelecer uma ligação entre o episódio citado e as atuais ocupações feitas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra MST e outros movimentos sociais assemelhados.

Também em alguns casos, é fácil verificar que, a depender dos interesses mais imediatos, a posse da terra é transitória e mais destrutiva. Sobre a expansão aurífera no Brasil, diz Werneck: “A mineração configura a desvalia da terra. Não é a propriedade da terra que tem importância; só o ouro tem importância. Esgotado o veio, a terra em si não tem valor, e o minerador passa adiante, em busca de outra área. Não disputa um título de propriedade, mas um título de concessão para minerar. A valia da terra vem com o declínio aurífero. Na fase ascensional, ela carece de sentido.” (Pág. 136)

A versão atual desse comportamento é constatada não apenas na exploração mineral, como na exploração madeireira, que também aconteceu no passado, mas em menor escala, pela inexistência de tratores, correntões, motosserras. É esse o meio de cultura no qual cabe aos Governos cultivar os chamados assentamentos humanos. Meio esse em que tanto os micróbios quanto os antibióticos são da mesma espécie.

E, de modo complexo, os conflitos não se apresentam claros e com soluções fáceis. A fronteira entre o que é público e o que é privado torna-se nebulosa. A


ciência do direito, muitas vezes, se atropela, na tentativa do deslinde, obtendo resultados opostos à sua obrigação.

E, no caos da situação fundiária, as intervenções políticas, eivadas de interesses pessoais ou de grupos, tornam-se plenipotenciárias, agravando, cada vez mais, o já conturbado contexto social do país.

A reforma agrária bem feita, assim como outras formas de intervenção, é técnica fundamental para a organização do espaço físico, devendo almejar a produção e o bem-estar das famílias. E, ao contrário do que pregam alguns idealistas mais progressistas, ela não é um projeto, pois o gerenciamento do solo, como um organismo vivo, é uma atividade permanente.

Enfim, toda a organização territorial no país merece uma atenção especial do Estado, pois os oito milhões e quinhentos mil quilômetros quadrados de terras formam o maior patrimônio do povo brasileiro e, por isso, devem receber tratamento compatível com essa importância.

Ademais, a presença do Estado, gerenciando a ocupação do solo, é um princípio fundamental para o combate à violência urbana ou rural.

A organização do espaço rural precisa partir de um planejamento que contemple todas as suas facetas, econômicas, sociais, ecológicas, assim como precisa de uma execução cuidadosa e um acompanhamento constante, tendo sempre como referência a boa técnica, em lugar do proselitismo radical, a favor ou contra as políticas oficiais, considerando as conhecidas estatísticas que asseguram uma indesejável concentração de terras no país.

Por isso, antes de entrar na discussão do desenho dos assentamentos rurais, é importante analisar os cenários em que esses ocorrem e, ainda, deve-se ter uma noção dos assuntos que neles interferem, como as leis, a natureza, o conceito de propriedade e o próprio conceito do que vem a ser assentamento.


PROPRIEDADE

 

No mundo jurídico atual, a definição do que é propriedade tem muitas versões, não apenas em razão da mutação histórica dos conceitos, como das diferentes posições políticas de seus mentores. Pode-se dizer que um traço comum entre as diversas definições mais aceitas é de que a propriedade é o direito, dentro dos limites legais, de usar, gozar e dispor de um bem, assim como de reivindicá- lo de quem injustamente o detenha.

De acordo com De Plácido e Silva, em seu livro Vocabulário Jurídico, muito respeitado pelos seus pares: “Na linguagem, em sentido comum, propriedade, sem fugir ao sentido originário, é condição em que se encontra a coisa, que pertence, em caráter próprio e exclusivo, a determinada pessoa”.

E acrescenta: “Desse modo, o direito de propriedade, que se assegura em toda a sua plenitude, para que se possa seu titular dispor da coisa livremente, fluindo- a a seu bel prazer ou a alienando quando lhe aprouver, sofre as restrições advindas do respeito a direitos alheios ou fundadas no próprio interesse coletivo, em face dos princípios jurídicos que transformam a propriedade numa função social, com destino ligado ao bem-estar do próprio povo”.

De acordo com a página Central Jurídica, na Internet, “Propriedade é o direito que a pessoa, física ou jurídica, tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha; a propriedade não é a soma desses atributos, ela é direito que compreende o poder de agir diversamente em relação ao bem, usando, gozando ou dispondo dele”.

Temos que, da mesma página, ao conceito de propriedade, correspondem os seguintes atributos.

“Jus utendi, que é o direito de usar a coisa, dentro das restrições legais, a fim de evitar o abuso de direito, limitando-se, portanto, ao bem-estar da coletividade; o direito de usar da coisa é o de tirar dela todos os serviços que ela pode prestar, sem que haja modificação em sua substância”;

“Jus fruendi exterioriza-se na percepção dos frutos e na utilização dos produtos da coisa; é o direito de gozar da coisa ou de explorá-la economicamente;”

“Jus abutendi ou disponendi equivale ao direito de dispor da coisa ou poder de aliená-la a título oneroso (venda) ou gratuito (doação), abrangendo o poder de consumi-la e o poder de gravá-la de ônus (penhor, hipoteca, etc.) ou de submetê- la ao serviço de outrem.”

Referenciado por essas características, clarifica-se que a propriedade da terra não precisa ser, obrigatoriamente, individual, assim como não precisa reunir, obrigatoriamente, os três atributos.

A primeira afirmação é reforçada pelo Artigo 3º do Estatuto da Terra, no qual o “Poder Público reconhece às entidades privadas, nacionais ou estrangeiras, o direito à propriedade da terra em condomínio, quer sob a forma de cooperativas quer como sociedades abertas constituídas na forma da legislação em vigor”.

A segunda afirmação consta da atual Constituição, reconhecedora da legitimidade da simples concessão de uso.

O jurista De Plácido e Silva também conceitua a concessão de uso, no caso da denominada concessão de terras: “Assim se diz da concessão feita pelo poder


público, consistente na transferência de uma área de terreno, de domínio público, a fim de sujeitá-la à colonização agrícola ou a outro fim industrial. E essa transferência pode ser feita com a cláusula de reversão ou sem ela”. A par de tanta legislação, a noção de propriedade da terra continua sendo conflituosa sob os mais diversos aspectos.

Em um dos documentos mais emblemáticos do mundo moderno, o Manifesto Comunista, Marx e Engels já assinalavam esse conflito, do ponto de vista ideológico: “Horrorizai-vos porque queremos abolir a propriedade privada. Mas em vossa sociedade a propriedade privada está abolida para nove décimos de seus membros“.

O mesmo Engels, no livro “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, defende seu ponto de vista, mediante descrições históricas: “Os interesses mais vis - a baixa cobiça, a brutal avidez de prazeres, a sórdida avareza, o roubo egoísta da propriedade comum - inauguram a nova sociedade civilizada, a sociedade de classe; os meios mais ultrajantes minam e perdem a velha sociedade sem classes das Gens: o furto, a violência, a perfídia e a traição. E a nova sociedade, através desses dois mil e quinhentos anos de sua existência, não tem sido senão o desenvolvimento de uma pequena minoria às expensas de uma grande maioria explorada e oprimida; e continua a sê-lo, hoje mais do que nunca”. (Pág.32)

No mesmo volume, o famoso filósofo sugere a gênese da propriedade privada: “Os atenienses, porém, deviam aprender, e rapidamente, como, ao nascer a troca entre os indivíduos e ao se transformarem os produtos em mercadorias, o produto vem a dominar o produtor. Com a produção de mercadorias, surgiu o cultivo individual da terra e, em seguida, a propriedade individual do solo”. (Pág.38)

E ainda: “Atribui-se a Rômulo a primeira divisão de terra entre indivíduos, à razão de dois jugera para cada um (mais ou menos um hectare)”. (Pág.42) Tratando ainda do mesmo autor e do mesmo livro, há mais uma informação histórica relevante para este capítulo: “Não vamos falar aqui de como se realizou a reforma de Solon, no ano 594 antes de nossa era. Solon iniciou a série das chamadas revoluções políticas e o fez com um ataque à propriedade. Até hoje, todas as revoluções têm sido contra um tipo de propriedade e em favor de outro; um tipo de propriedade não pode ser protegido sem que se lese outro. Na grande Revolução Francesa, a propriedade feudal foi sacrificada para que se salvasse a propriedade burguesa; na revolução de Solon, a propriedade dos credores sofreu em proveito da dos devedores: as dívidas foram simplesmente declaradas nulas. Ignoramos os pormenores, mas Solon se gaba, em seus poemas, de ter feito arrancar aos campos hipotecados as marcas de dívida e de ter propiciado o repatriamento dos homens que, endividados, foram vendidos como escravos ou fugiram para o estrangeiro. Isso não podia ser feito senão por uma flagrante violação dos direitos de propriedade. E, na realidade, desde a primeira até a última dessas chamadas revoluções políticas, todas elas se fizeram em defesa da propriedade, de um tipo de propriedade, e se realizaram por meio do confisco dos gens (dito de outro modo: do roubo) por outro tipo de propriedade. Tanto é assim que dois mil e quinhentos anos não se tem podido manter a propriedade privada senão com a violação dos direitos da propriedade.” (Pág.39)


A ilustração do assunto com a obra de um autor avesso à propriedade privada pode parecer tendenciosa, mas o objetivo é demonstrar o quão fundamental é o respeito à função social da terra, que, em verdade, é um patrimônio de toda a humanidade.

O professor de direito civil José Osório de Azevedo Júnior, em artigo denominado "O grande e imperdoável erro do Judiciário e do Executivo foi prestigiar um direito menor do que aqueles que foram atropelados no cumprimento da ordem.", trata do caso conhecido como Pinheirinho, referente a uma decisão judicial de reintegração de posse sobre uma favela.

O título antecipa a conclusão do texto.

“Os direitos dos credores da massa falida proprietária são meros direitos patrimoniais. Eles têm fundamento em uma lei também menor, uma lei ordinária, cuja aplicação não pode contrariar preceitos expressos na Constituição.

O principal deles está inscrito logo no art. 1º, III, que indica a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República. Esse valor permeia toda a ordem jurídica e obriga a todos os cidadãos, inclusive os chefes de Poderes.

As imagens mostram a agressão violenta à dignidade daquelas pessoas. Outro princípio constitucional foi afrontado: o da função social da propriedade. É verdade que a Constituição garante o direito de propriedade. Mas toda vez que o faz, estabelece a restrição: a propriedade deve cumprir sua função social.” Definitivamente, por mais que se determinem as leis e os costumes, a propriedade jamais será absoluta em largos períodos da história.

E mesmo em períodos mais curtos, esse domínio pode não ser relevante, como assegura Werneck “É fácil verificar, desde logo, que a propriedade da terra carece de importância, na Colônia e na época. Não há identidade alguma na função que a terra desempenha, no Brasil do século XVI, com o que ela desempenha na Europa daquele tempo. O que caracteriza a sua função, aqui é a ausência de posse anterior, com todas as inevitáveis decorrências. Não funciona como propriedade imobiliária. Não impõe limites ao emprego de capital ou de trabalho sem capital. De início, pois, não exerce nenhuma influência nos preços do que produz, nem da renda. Nessa fase, pois, não só a terra não constitui problema como carece de sentido e de função, qualquer tenha sido a legislação que regule o apossamento. Por si só, nada representa. Vai começar a representar alguma coisa, vai começar a ter uma função, a partir do momento em que for objeto do trabalho”. (Pág. 69)

De qualquer modo, é importante para o desenho dos projetos de assentamento, objeto principal deste trabalho, a definição de como será tratada a propriedade, se individual ou coletiva, ou ainda mista, possibilidades essas que nos conta Engels, na obra citada anteriormente: “As leis do antigo País de Gales, escritas vários séculos antes da conquista inglesa, o mais tardar no século XI, mostram- nos ainda o cultivo da terra em comum por aldeias inteiras, embora apenas por exceção, como vestígio de um costume universal anterior. Cada família tinha cinco acres de terra para seu cultivo particular; afora isso, cultivava-se um campo em comum e a colheita resultante era repartida”. (Pág.46)

Em resumo, a forma da propriedade condiciona o parcelamento do solo e a localização e o dimensionamento das obras de infraestrutura necessárias aos projetos de aglomerações humanas. Por isso, deve-se ter o melhor conhecimento possível de como o tema é concebido na sociedade atual.


Segundo Caio Mário da Silva Pereira, em seu livro Instituições de Direito Civil, “Na verdade, crescem os processos expropriatórios, sujeitando-se a coisa à utilidade pública e aproximando-a do interesse social”. Isso pode significar não apenas o fim de latifúndios, mas o das propriedades individuais tradicionais, mesmo que produtivas.” (Pág. 70)

E, pelo mesmo autor, estamos nos distanciando daqueles glosadores, assim chamados os hermeneutas ou interpretadores da lei que “...tomando literalmente os textos, sem uma depuração das condições psicossociais que os inspiraram, a seu turno construíram uma teoria, que se condensou numa fórmula repetida pelos juristas em toda a Idade Média, e que chegou ao nosso tempo: qui dominus est soli dominus est usque ad coleos est usque ad inferos quem é dono do solo é também dono até o céu e até o inferno. A fórmula é poética, mas não exprime uma realidade econômica nem encerra uma verdade material.” (Pág. 78)

Na coletânea denominada História Rural e Questão Agrária, Eduardo Magalhães Ribeiro, no capítulo “Terra, Fazenda e Propriedade na História do Brasil”, encerra: “Existem, portanto, no correr da história, direitos parciais, complementares, restritos e negociados sobre a terra: cada sociedade define propriedade de acordo com cultura, poder, força política vigente. O direito de propriedade da terra, em muitas épocas em várias culturas, foi transitivo, parcial, acordado com outros direitos complementares. É, portanto, completamente diferente do direito pleno descrito para o campo brasileiro que generalizou-se nos finais do século XX, quando a terra passou a ser expressão da vontade do seu dono e equivalente de ativo financeiro.” (Pág. 14)

NATUREZA

 

“Já nos meados do século XIX Karl Marx escreveu profeticamente que a tendência do capital ia na direção de destruir as duas fontes de sua riqueza e reprodução: a natureza e o trabalho. É o que está ocorrendo. A capacidade de o capitalismo adaptar-se a qualquer circunstância chegou ao fim.” Assim pensa Leonardo Boff, segundo seu artigo “Crise terminal do capitalismo?” O teólogo já não é mais voz tão isolada nesses nossos dias.

Muito lentamente, a sociedade internacional vem se conscientizando sobre a importância da conservação dos recursos naturais do planeta. Em qualquer estudo atual, como muitos levados a efeito pela Organização das Nações Unidas

ONU, por exemplo, informações dando conta de que a Terra não suporta os bilhões de seres humanos que a ocupam. Uns dizem que um quarto de sua cobertura vegetal original foi devastada com a consequente extinção de diversos tipos de vidas vegetais e animais, algumas, provavelmente, nunca conhecidas e registradas nos anais científicos.

Outros afirmam que metade das terras passíveis de cultivo agropecuário já foi ocupada. E, mesmo assim, a fome ainda horroriza aos mais conscientes. Claro, há aspectos econômicos e de injustiça social para a formação desse cenário, mas os efeitos da equação do crescimento populacional versus a produção de alimentos têm se mostrado muito mais coerentes com as preocupações de Malthus do que com as dos visionários que julgam poder o homem colonizar outros planetas em curto espaço de tempo, para resolver o problema do território limitado.

“Não respeitamos a ciência como deveríamos”, diz James Cameron, autor do filme Avatar, lamentando “que a sociedade só se importe com a ciência quando ela avança em campos do seu interesse, como as novas tecnologias, mas não faz sua parte quando o assunto é preservar o planeta.”

A destruição da natureza no Brasil está registrada nos livros, seja com essa intenção objetivamente, seja indiretamente, até mesmo mediante a análise de mapas que mostram o avanço das estradas, das cidades, das fazendas, em todas as direções do território, com maior ou menor intensidade, a depender do momento histórico.

A maioria citadina, formadora da opinião pública, afora as praias turísticas, não vive a natureza e, por isso, não vê o desaparecimento do ambiente original. Poucos notaram, só na segunda metade do século passado, o sumiço das florestas que beiravam as estradas do norte do estado de São Paulo, o cerrado que seguia de para Brasília, as florestas pré-amazônicas que levavam ao Mato Grosso e Rondônia, chegando até a Amazônia, também atualmente em rápido processo de extinção.

Poucos percebem que a compra de um simples guarda-roupa de madeira oriunda de árvore não plantada, em Belo Horizonte, ou em qualquer outra cidade, pode estar concorrendo para a devastação da floresta amazônica. Há duzentos anos, isso seria irrelevante, mas, hoje, chega a ser condenável.

José Fernando Domingues Carneiro nos dá um dos exemplos de ocupação destruidora, desde o passado, com este parágrafo do livro Imigração e


Colonização no Brasil: “É que, nem no Rio Grande do Sul nem em Santa Catarina, a imigração invadiu as terras de campo. Essas, à chegada dos primeiros imigrantes não-lusitanos, estavam ocupadas e divididas em estâncias, onde se criava o gado. E modificadas até no seu aspecto físico pela ocupação pastoril. A presença do gado e a ação do homem tinham alterado consideràvelmente aquela paisagem que Pero Lopes em 1531 descrevera como uma terra de pastagens altas, cobrindo em alguns pontos um homem em pé”. (Pág. 39)

Ainda, tratando de migrações, o referido autor conta sobre um movimento de pessoas, que chamou sua atenção: ”Êsse deslocamento de populações do Rio Grande para o oeste catarinense não tem paralelo com cousa alguma que se tenha dado no Brasil. Não representou um exodo motivado por um cataclisma, semelhante àquele que levou tantos cearenses a abandonarem o seu estado, forçados pelas sêcas. Não representou também um exodo motivado por um ElDorado como a descoberta das Minas Gerais determinou no século XVIII. Não foi um rush para explorar uma indústria extrativa, rendosa no momento, como aquêle que levou os nordestinos, sobretudo os cearenses a ocuparem até terras da Bolívia, criando para nós o Território do Acre. Nem um rush predatório como aquêle que atualmente se processa em direção ao norte do Paraná, brilhante, sem dúvida alguma, mas cuja prosperidade será de curta duração. De meio século, talvez. Já as florestas ali estão completamente arrasadas. O regime hidrológico completamente alterado. Para a obtenção da água há necessidade de furar poços e furar cada vez mais fundo.” (Pág.53)

Carneiro também conta que “O grande contraste a referir numa reunião de geógrafos é que em Santa Catarina o imigrante soube poupar a mata e lutar contra a erosão. Foi talvez o único ponto do Brasil onde a despeito do povoamento, êsse fenômeno de conservação simultânea do solo e da mata se vem registrando. Porque no Rio Grande do Sul, apesar do enorme progresso e do rendimento econômico que os colonos souberam retirar do solo, êles não souberam conservá-lo. Devastaram-no quase tanto quanto as populações lusobrasileiras.” (Pág. 58)

Neste pequeno mosaico de história, José de Souza Martins acrescenta outro episódio ocorrido nos núcleos coloniais do começo do século XX, onde hoje se encontra o chamado ABC, no Estado de São Paulo. Ele nos traz a estes momentos atuais, em que a televisão mostra inúmeras reportagens de alagamento de cidades em épocas de chuva, tanto no Brasil como em outros países: “Mesmo nos rios maiores, como o Tamanduateí, o regime das águas oscilava muito de estação para estação. No tempo das chuvas, devido ao leito pouco profundo, o rio extravazava inundando uma grande parte das várzeas. Ao que parece devido à devastação das matas à sua margem (o que intensificava a evaporação), o volume das águas diminuía muito no tempo da seca, desde a fazenda até a ponte do Fonseca, na cidade, impedindo mesmo o seu uso pelos moradores da estrada da Mooca.” (Pág. 107)

No mesmo livro, outro testemunho sobre a devastação costumeira das ocupações humanas: “O funcionário que fez o levantamento da Fazenda São Caetano, em 1874, notara que existiam ali ‘bastantes matas ainda e não de somenos qualidade, sendo pena que os vizinhos daquelas matas as estejam devastando com continuadas queimas e cortes, para fazerem lenha unicamente’.


Três anos depois, o engenheiro do núcleo colonial ainda observava que esse continha ‘algumas matas’ e que existiam ‘alguns intrusos que se aplicam na tiragem da madeira”. (Pág. 102)

Mais antigo ainda é o relato do Padre Antônio Vieira, que consta do livro de Werneck, tratando do Maranhão, no fim do século XVII, em uma de suas famosas cartas: “Na Ilha do Maranhão, responde muito mal a terra com o pão natural daquelas partes, que é a mandioca, e no Pará, por serem as terras todas alagadas, são tão poucos os lugares capazes da planta da dita mandioca que é necessário aos moradores mudarem muitas vêzes suas casas e fazendas, deixando perdidas e despovoadas as que tinham, e ir fabricar outras de nôvo, dali a muitas léguas, com excessivos trabalhos e despesa. As madeiras, com o fabrico de navios, a destruição das roças, em que se derrubam e queimam, já são menos e muito distantes. As canas-de-açúcar não se plantam uma só vez, como no Brasil, mas quase é necessário que se vão replantando todos os anos. As terras capazes de tabaco também se vão já buscar muito longe. O comer ordinário é caça e pescado, e a caça, sendo antigamente tanta, que quase se metia pelas casas, hoje pela continuação com que se tem batido os matos, está quase extinta. E no peixe se tem experimentado quase o mesmo, sendo no princípio infinito. E a razão de tudo é não serem as terras da América tão criadoras, como também mostrou a experiência no Brasil, para onde se carrega de Portugal tanto peixe sêco; ajudando muito no Maranhão a esterilizar os mares e rios os modos de pescar, que se usam sem nenhuma providência, com que é mais o que destroem, que o que se aproveita, e se perde totalmente a criação, e como a gente cresce, e o sustento diminui, é fôrça que se padeça muito.” (Pág.138)

A observação dos problemas ecológicos, cada vez mais graves, leva os estudiosos a buscar outras trincheiras que permitam reduzir os problemas, ampliando a teoria, mediante a ramificação das matérias antigas.

Assim, surgiu, recentemente, o conceito de história ambiental.

Marcos Lobato Martins, no livro História e Meio Ambiente, assegura: “Convém ressaltar que a história ambiental pode ajudar a sociedade a repensar seu protagonismo, marcadamente antropocêntrico. Entre nós predomina a ideia da natureza como palco silencioso e estático da história, porque o dinamismo esta depositado exclusivamente na esfera da ação humana. Essa ideia, entretanto, é falsa e perigosa. O planeta em que vivemos não é tranqüilo nem estático... Não é prudente, portanto, subestimar as forças da natureza.” (Pág. 29)

Com imagens do satélite Landsat, sendo a maioria de 2002, o Ministério da Agricultura – MMA patrocinou um estudo sobre a cobertura vegetal brasileira, cujas porcentagens das áreas antrópicas, ou seja, já alteradas cabalmente pelo homem, segue logo mais abaixo. Como se já não bastasse a gravidade dos números apresentados nesse estudo, há uma ressalva inicial que empioram o significado desses valores.

“É importante ressaltar também que, por determinação do MMA, áreas onde houvesse predomínio de vegetação nativa, ainda que com algum grau de uso antrópico, deveriam ser contabilizadas e mapeadas no rol das tipologias de vegetação nativa. Por outro lado, áreas onde houve conversão em pastagens plantadas, cultivos agrícolas, reflorestamentos, mineração, urbanização e outros usos semelhantes em que a vegetação nativa deixasse de ser predominante,


deveriam ser contabilizadas e discriminadas como áreas antrópicas. Outra premissa importante, determinada pelo MMA, é de que a vegetação secundária, em estágio avançado de desenvolvimento, deveria ser contabilizada e mapeada como vegetação nativa.”

 

 

Região (Bioma)                    Alteração do Bioma

%

 

Amazônia                                         9,50

Pantanal                                           11,54

Cerrado                                             38,98

Caatinga                                           36,28

Mata Atlântica                                  70,95

Pampa                                               48,70

 

Esses pouquíssimos exemplos servem para ilustrar um fato: no Brasil e no mundo, a humanidade vive uma espécie de época de obscurantismo, em relação à sua responsabilidade perante a natureza. E, assim como na Idade Média, a contestação a esse obscurantismo só pode vir dele próprio.

Marcel Mazoyer e Laurence Roudart, escritores do livro Histórias das Agriculturas no Mundo: Do Neolítico à Crise Contemporânea, apresentam uma espécie de defesa para o comportamento agropecuário em nossa sociedade: “Se o homem abandonasse todos os ecossistemas cultivados do planeta, estes retornariam rapidamente a um estado de natureza próximo daquele no qual ele se encontrava 10 mil anos. As plantas cultivadas e os animais domésticos seriam encobertos por uma vegetação e por uma fauna selvagem infinitamente mais poderosas que hoje. Os nove décimos da população pereceria, pois, nesse jardim do Édem, a simples predação (caça, pesca e colheita) certamente não permitiria alimentar mais de meio milhão de homens. Se tal ‘desastre ecológico’ acontecesse, a indústria – que não está à altura de sintetizar em grande escala a alimentação da humanidade e não o fará tão cedo seria um recurso paupérrimo. Tanto para alimentar vinte milhões de homens como para alimentar cinco, não há outra via senão continuar a cultivar o planeta multiplicando as plantas e os animais domésticos, dominando a vegetação e a fauna selvagem.” (Pág. 41)

Essa opinião é típica de ruralistas não muito progressistas, uma opinião tendendo a extremo, longe do ponto de equilíbrio que devemos procurar para a utilização correta da Terra. Mesmo em face de a obra ser excelente, nos primeiros períodos do parágrafo citado, há uma afirmação absurda, e não há outro qualificador, mesmo se tratando de uma hipótese remotíssima. Jamais, nos ecossistemas cultivados, o homem conseguirá a ressurreição das espécies animais e vegetais definitivamente extintas. Deixemos como esperança uma ciência muitíssimo mais avançada que a atual, especialmente no caso de reconstruções de vidas, mediante pesquisas com clonagem, DNA, células-tronco etc.

Mas uma ciência atualíssima já contraria a impressão que os autores têm sobre a indústria. Em reportagem intitulada “Hambúrguer de células-tronco ficará


pronto em outubro”, é informado que as pesquisas já caminham na direção de uma produção artificial de carne maior que a da pecuária tradicional.

Nos últimos períodos do parágrafo em apreço, fica a impressão de que os autores sugerem ao homem submeter a natureza de forma cruel, inconsequente, irresponsável, dizendo não haver outro caminho para alimentar a humanidade. Mas há! Desde que os seres humanos, em sua maioria, deixem de ser inconsequentes.


DENSIDADE

 

O conceito de densidade humana já é largamente usado na ciência urbanística, tanto na teoria como nas aplicações administrativas de muitas cidades com bom planejamento.

Como exemplo, na Holanda, “a densidade urbana é um parâmetro importante na prática do planejamento físico e territorial. O fato de ser um país pequeno, altamente urbanizado e possuindo uma das mais altas densidades do mundo

452 habitantes/ha, e onde o parcelamento e a ocupação do solo são extremamente regulados, faz com que o Governo atenção especial ao planejamento físico territorial. inclusive um ministério para essa atividade. Em projetos de expansão urbana e áreas residenciais, utiliza-se o indicador de densidade urbana através da medida habitações/ha ou unidades residenciais/ha. A implantação de equipamentos e serviços públicos, tais como escola, supermercado, ponto de ônibus etc. leva sempre em consideração o número total de habitações em seu raio de influência.”, conforme nos conta Cláudio Acioly, em seu livro Densidade Urbana: Um Instrumento de Planejamento e Gestão Urbana, disponível na Internet. (Pág. 50)

Referindo-se a um inventário feito em 12 assentamentos na cidade do México, Acyoli acrescenta: “O estudo em questão elabora critérios para avaliar a performance dos assentamentos estudados. Os autores partem do princípio de que densidades aceitáveis e desejáveis em áreas residenciais devem se situar entre 300 e 600 habitantes /ha.” (Pág. 55)

E, mais adiante, no mesmo trabalho: “A relação entre a densidade e os custos de infra-estrutura parece ser ainda mais complexa. Ao estudar Brasília, Brandão argumenta que o custo per capita das redes de infra-estrutura urbana decresce espetacularmente à medida que a densidade populacional aumenta de 50 para 200 habitantes/ha, portanto uma relação inversa entre densidade e custos infra- estruturais. De 200 para 300 habitantes/ha, os custos per capita diminuem, mas não tão significativamente, e tendem a manter-se nos patamares mais baixos para densidades de 300 a 600 hab/ha. Esse comportamento também é confirmado por Mascaró, em seu estudo sobre a relação densidades-custo das redes de infra-estrutura urbana.” (Pág. 58) Juan José Mascaró e Lucia Mascaró, em artigo publicado na revista eletrônica Vitruvius, denominado Densidades, Ambiência e Infraestrutura Urbana, reforçam o que foi escrito no parágrafo anterior: “Os estudos que analisam o espalhamento urbano no Brasil trabalham com a hipótese de uma densidade mais econômica. Entre 1979 e 1996 desenvolvi estudos para as cidades de porte médio e para Porto Alegre, tendo como objetivo principal estimar quanto podiam se adensar sem aumentar a demanda para nova infraestrutura. Considerando o padrão de moradia mais econômico, a densidade mais adequada variou entre 300 e 350 pessoas por hectare, sendo o mínimo de 40 pessoas por hectare.”

É importante ressaltar que a densidade urbana é restrita. Não reflete a real necessidade de quanto espaço, urbano ou não, um indivíduo necessita para sobreviver.


Se nos ativermos exclusivamente a esse espaço urbano, podemos concluir que, se a densidade for de 200 habitantes por hectare, a cada pessoa corresponde 50 metros quadrados.

Entretanto, se essa pessoa consome 200 gramas de carne bovina por dia, a ela vai corresponder um espaço necessário à criação de bovinos.

Supondo-se que um boi é morto com 15 arrobas e rende 115 quilos de carne e miúdos, ele serve a 575 pessoas por dia, ou seja, a 1,5 pessoas por ano.

Como um boi precisa de um hectare de pasto, na pecuária extensiva tradicional de nosso país, o habitante urbano carnívoro necessitará de mais 6.666 metros quadrados para sua sobrevivência. Não vamos nos alongar acerca do espaço necessário para a criação de aves, suínos, pescados e outros, nem de plantações de arroz, hortaliças, trigo, soja etc., mas é certo que os indivíduos dependem de espaços distantes dos que habitam, inclusive quando se pensa em purificação natural da água, oxigenação do ar e tantos outros aspectos que preocupam os ambientalistas.

O artigo “Problemas sérios do planeta persistem, alerta relatório da ONU” destaca que O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) afirma que as maiores ameaças ao planeta, como as mudanças climáticas, a taxa de extinção das espécies, e o desafio de alimentar a crescente população, estão entre os muitos que permanecem sem solução e colocam a humanidade em risco.”

“O alerta está no Global Environment Outlook: meio ambiente para o desenvolvimento (GEO-4),” que afirma ser a população mundial tão numerosa que “a quantidade de recursos necessários para mantê-la excede os recursos disponíveis... a 'pegada' da humanidade [ou seja, sua demanda ambiental] é de 21,9 hectares por pessoa, enquanto a capacidade biológica da Terra é, em média, somente 15,7 hectares por pessoa...".

Para se ter a verdadeira densidade demográfica, não basta, inclusive, dividir o número de habitantes de uma nação pela área de seu território, pois, em nosso mundo globalizado, o consumo de um país, muitas vezes, depende dos espaços em outros.

Portanto, a afirmação de que somos muitos, mas ocupamos poucos espaços, em razão da urbanização, não corresponde à verdade.

De certa forma, a densidade sempre foi utilizada de forma empírica, leiga ou interesseira. José de Souza Martins, tratando das imigrações no Brasil, nos a sua impressão: “O estado, ao financiar a imigração e a localização de trabalhadores, não ‘socializava’ a força de trabalho, para constituir um mercado de oferta que dela separasse a pessoa do trabalhador, como entendia que a elevação da densidade demográfica, por esse meio, produziria um trabalhador que se oferecesse à grande lavoura nas fases de vacância.” (Pág. 55)

Também Engels narra os efeitos do crescimento populacional em relação à limitação das terras: “De acordo com este ponto de vista, os germanos, nos territórios que ocupavam ao tempo dos romanos, e no que depois tomaram aos romanos, não estavam estabelecidos em povoados, e sim em grandes comunidades familiares que compreendiam muitas gerações, e onde cultivavam uma extensão de terra correspondente ao número dos seus membros, deixando incultas as terras que serviam de limites com as propriedades vizinhas. O trecho


de Tácito referente às trocas de solo cultivado, portanto, deveria ser entendido no sentido agronômico, já que a comunidade lavrava a cada ano certa extensão de terra e deixava em alqueive ou até completamente baldias as terras cultivadas no ano anterior. Dada a pouca densidade da população, havia sempre terra sobrando, de modo que as disputas quanto a elas se tornavam desnecessárias. Só depois de séculos, a comunidade se veio a dissolver, quando o número dos seus membros cresceu tanto que já não era possível o trabalho comum nas condições de produção da época; os campos e os prados, até então comuns, foram divididos, pela forma conhecida (a princípio temporária e depois definitivamente), entre as famílias individuais que se iam formando, ao passo que continuavam sendo de aproveitamento comum as florestas, os pastos e as águas”.

A densidade populacional no Brasil também vem crescendo de forma acelerada, considerando o pequeno tempo, na escala da história, de apenas meio milênio. Capistrano informa: “Três séculos depois do descobrimento os habitantes do Brasil exprimiam-se por sete algarismos. Repartidos na superfície reclamada como sua pela metrópole, tocavam dois ou três quilômetros quadrados a cada indivíduo.” (Pág. 207)

Hoje, duzentos anos depois, nos aproximamos de 30 indivíduos por quilômetro quadrado, exprimindo-se a quantidade da população em nove algarismos: mais de duzentos milhões de habitantes.

Na escala social, a célula, ou seja, a família, a depender de seu grau de educação, preocupa-se com a densidade de seu lar, daí uma das razões para o chamado planejamento familiar. Não é necessário apontar com detalhes as diferenças de conforto entre uma família com casal e dois filhos, morando em uma unidade residencial de duzentos metros quadrados, e uma mulher com oito filhos, morando em um barraco de periferia de trinta metros quadrados. Também nas cidades, é clara a evidência de que, quanto maior a densidade, mais barata a infraestrutura física, até determinado limite, como já foi apresentada, mas também em maior quantidade e mais agressivas são as patologias sociais. Dificuldades no estacionamento de veículos, engarrafamentos, violências de todas as espécies atestam o que, a muitos, é apenas impressão.

Guardadas as proporções, as densidades nacionais e internacional ainda não mereceram a preocupação dos governos, assim como, em pequenos grupos sociais, o planejamento familiar vem adquirindo importância.

Não é difícil encontrar indivíduos, com boa formação educacional, que julgam o problema irrelevante, principalmente em escala mundial.

Outros reconhecem que a Terra já não dá suporte para a atual quantidade de pessoas, mas com a educação ou com outras formas de sistemas, que não o capitalista, tudo será resolvido.

Os mais preocupados acreditam que o crescimento populacional é forçado, por exemplo, devido ao desenvolvimento da medicina, que prolonga a vida e diminui a mortalidade infantil. E isso é fator perigoso para o futuro de nossa espécie, se não houver controle.

Há os apocalípticos, fanáticos religiosos, que juram estar o fim do mundo bem próximo, ou que devemos apenas seguir o mandamento cristão, “crescei e multiplicai-vos”, que os céus resolverão o caso.


Em artigo intitulado “O padrão Steve Jobs é predador”, José Pio Martins cita o economista Eduardo Gianetti, informando que esse, em entrevista, se mostrou “indignado com a incapacidade da economia de mercado (da qual ele e eu somos fãs) em levar em conta o custo ambiental de nossas escolhas de produção e consumo. Ele fala da ‘corrida armamentista do consumo’, que, com mais bilhões de chineses e indianos ingressando no mercado consumidor, vai explodir os recursos do planeta. A Terra não vai aguentar.”

Independentemente da opinião, todos hão de concordar que o uso racional dos recursos naturais é desejável sob qualquer aspecto.

E isso pressupõe, logicamente, a organização dos espaços de exploração dos limitados recursos naturais do planeta.

Luiz César Queiroz Ribeiro, em Reforma Urbana e Gestão Democrática, afirma que: “a sobrevivência das populações na cidade depende fundamentalmente de um bem social cujo acesso é regulado pelo exercício do ‘direito de propriedade’. Trata-se do solo urbano, que não se restringe a um pedaço de terra, mas a um conjunto de equipamentos (infraestrutura) e serviços que lhe são próximos, física e socialmente.” (Pág. 75)

Na mesma linha de raciocínio, mas extrapolando os conceitos, podemos chegar à questão: Qual será a densidade limite de sobrevivência da espécie humana? Segundo o relatório sobre a Situação da População Mundial 2011, publicado em 26 de outubro de 2011, pelo Fundo de População das Nações Unidas - UNFPA, nesse mesmo mês foi atingida a marca de sete bilhões de habitantes na terra.

O professor Edward Wilson, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, escreveu um artigo tratando dos impactos do crescimento populacional sobre o meio ambiente, afirmando que dez bilhões é o “limite a que deveríamos nos ater” para efeito de ocupação humana. Não foi possível averiguar quais os estudos que o levaram a essa afirmação, mas em outra, mais simpática para os estudiosos preocupados exclusivamente com os problemas sociais, diz o professor que o consumo crescente é a principal ameaça para o crescimento da população.

Por outro lado, ele lembra que “deveríamos estar dando igual atenção à parte viva do meio ambiente - os ecossistemas que sobrevivem e a grande maioria das espécies, que têm milhões de anos e estão em pleno processo de erosão.” E que deveríamos “separar mais regiões em que a natureza, o resto dos seres vivos possam ser protegidos, enquanto resolvemos os problemas da nossa espécie e nos ajustamos antes de destruir toda a Terra.”

Também o pensador Eugênio Giovenardi, em artigo denominado “População e Fome”, publicado em sua página eletrônica, opina: “Em nome da dignidade humana, para estabelecer um equilíbrio do crescimento demográfico, impõe-se medida racional muito mais efetiva do que uma projeção estatística preguiçosa para o ano 2100. A limitação do crescimento das populações do planeta se dá por fenômenos naturais e doenças como pestes, epidemias, secas, inundações, tornados, tsunamis, terremotos, erupções vulcânicas. Mas talvez não seja razoável esperar por eles ou estimulá-los com falsas ideias de progresso, de crescimento econômico, desenvolvimento tecnológico, metropolização de cidades, desertificação gradativa de imensas regiões, devastação de florestas. outros meios sensatos e racionais.


O planejamento demográfico, estendido a todas as nações do mundo, em nome da sobrevivência das populações existentes no planeta, é medida necessária e salutar. Os efeitos não serão imediatos, pois há obstáculos culturais, tabus e conceitos religiosos a superar. Mas a reprodução vegetativa, ou crescimento zero da população, é desejável do ponto de vista humano e necessária para o equilíbrio ecológico e ambiental que assegure a biodiversidade bela e espetacular do planeta. Só temos um planeta disponível para ser desfrutado entre todos os seres vivos.”

Em suma, o estabelecimento de densidades ideais, se já não é muito fácil nas áreas urbanas, na área rural é muito mais complexo, pois deve considerar duas coordenadas: a geográfica, com suas diversas faces políticas, como as características das ocupações existentes, inclusive análise de mercados, migrações etc. e físicas, como a qualidade dos solos, vegetação, clima etc. A outra coordenada é a do tempo, porque tanto a natureza como as atividades humanas são muito dinâmicas e necessitam de constante monitoramento, o que confirma a impressão de que a reforma agrária é uma atividade e não um projeto, como erradamente se diz nos bastidores de governo, com começo, meio e fim.


CONCEITO DE ASSENTAMENTO

 

Após expurgar uma fortaleza em Pernambuco deixada pelo fidalgo francês, Barão de Saint Blancard, e guarnecida por quarenta soldados, prosseguiam as preocupações de Portugal em relação à posse da Colônia brasileira.

E assim escreve Capistrano sobre o fato: “A 28 de setembro de 1532 el-rei estava ‘considerando com quanto trabalho se lançaria a gente que a povoasse depois de estar assentada na terra e ter nela feitas algumas forças’, como escrevia a Martin Afonso de Sousa numa carta em que primeiro desponta a ideia de dividir o Brasil em capitanias para doá-las a certas pessoas.” (Pág. 250)

Talvez essa tenha sido a primeira vez que o verbo assentar tenha sido usado oficialmente na história do Brasil.

A palavra assentamento, derivada do verbo assentar, atualmente é usada em diversas áreas do conhecimento humano, como a jurídica, a contábil, a ecológica, a urbanística. Quando se trata de reforma agrária ou colonização, então, seu uso é corriqueiro.

Entretanto, referindo-se a esses últimos temas, não há ainda uma conceituação precisa e definitiva de seu sentido.

Em português, o termo assentamento, entre vários significados, é esclarecido no Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, como “Colocar ou dispor de tal modo que fique seguro”.

Poder-se-ia dar uma interpretação simbólica para o verbete, pois a segurança que pressupõe pode ser não apenas uma segurança material ou física, mas uma segurança social e ambiental. Contudo, nesse caso, os filólogos se reportaram apenas à colocação de algo material muito provavelmente. No Dicionário Houaiss, o termo já é conceituado como “núcleo de povoamento (Ex.: a. de colonos), núcleo de povoamento constituído por camponeses ou trabalhadores rurais, ato ou efeito de se realizar a fixação do camponês a essas terras”.

Em inglês, o vocábulo “settlement” é usado para se dizer de uma comunidade pequena. Também é encontrável a combinação “human settlement, a permanent community where people live”. Em tradução não oficial, comunidade permanente onde vivem pessoas.

Apenas para ilustração, na cultura inglesa, também uma referência ao “settlement movement”, com descrições encontráveis em páginas eletrônicas da Rede Mundial de Computadores - Internet.

O movimento de assentamento foi um movimento social reformista, tendo seu auge nos anos 20, na Inglaterra e nos EUA, com o objetivo de fazer com que as pessoas ricas e pobres da sociedade vivessem mais próximas umas das outras em uma comunidade interdependente. O objetivo principal do estabelecimento de "casas de assentamento" em áreas urbanas pobres, nas quais "trabalhadores de assentamento" e voluntários da classe média iam viver, era o de compartilhar conhecimento e cultura, além de aliviar a pobreza dos mais carentes, especialmente idosos e órfãos.

Esse movimento de assentamentos começou em Londres no meio do Século

XIX. As “casas de assentamento”, frequentemente, ofereciam abrigo, alimentos e educação, tanto básica como superior, providenciada por caridade de doadores ricos e por professores que dedicavam um pouco de seu tempo aos necessitados, sempre de forma voluntária.

Como se pode deduzir, a palavra assentamento carrega uma forte conotação de assistência social, há décadas, bem como um sentido de múltiplas ações para atender aos mais humildes.

No livro “Admirável Mundo Atual”, de Cristovam Buarque, assinalado como um “Dicionário pessoal dos horrores e esperanças do mundo globalizado”, a palavra recebeu uma interpretação mais ideológica: “passou a significar os locais para onde são transferidos os excluídos que invadiram locais próximos aos bairros onde vivem ou as terras que possuem os incluídos. Os assentamentos foram a solução encontrada para frear a migração de pobres do campo para as cidades, ou para retirar os pobres da proximidade dos bairros dos ricos e da classe média.” (Pág. 44)

Segundo o Diccionario de la Lengua Española, da Real Academia Española, na Internet, “asentamiento” significa “Instalación provisional, por la autoridad gubernativa, de colonos o cultivadores en tierras destinadas a expropiarse”. É razoável supor que essa significação espanhola é uma das versões mais autênticas do termo usado em muitas línguas, para se referir, e aqui é proposta uma conceituação, ao processo de se tomar um ou mais seres vivos e instalá- los em um espaço que propicie seu desenvolvimento, por seus próprios meios, depois de um período de adaptação.

Deduz-se que o assentamento, portanto, pode ser com homens, animais irracionais ou vegetais, de acordo com o seu uso nas mais diversas terminologias técnicas. No caso de seres humanos, o assentamento pode ser urbano ou rural, sob a ótica do planejamento regional.

No caso de assentamentos rurais, pode-se ter duas modalidades: colonização ou reforma agrária.

Colonização é palavra usada para apontar os assentamentos em áreas despovoadas ou pouco povoadas, como, por exemplo, as chamadas fronteiras agrícolas.

Reforma agrária, como o próprio nome sugere, é a modificação de uma área já ocupada de alguma forma, seja mediante uma posse real ou apenas um domínio legal.

Portanto, quando famílias são remanejadas para uma área rural, para fins de habitação, trata-se de um assentamento de fato, assim nomeado pela mais legítima semântica, independentemente da organização espacial do território, da organização social de seus beneficiários, das motivações ideológicas que resultaram nas ações.

Outro aspecto que caracteriza o assentamento é o deslocamento das pessoas. No caso de migrações espontâneas, as etapas e decisões dos indivíduos acontecem de forma paulatina e por força de seus desejos unicamente.

Já nas migrações dirigidas, há um forte condicionante de terceiros, geralmente governos, que induzem essa movimentação. O sentido do termo assentamento apresenta, nesse caso, uma ruptura na vida dos assentados, para a modificação de seus destinos.

Capistrano (Pág. 202) fala de duas correntes de povoadores: espontânea e voluntária, esta última determinada por ação governativa e ilustra: “No governo


de Diogo da Costa Machado chegaram a São Luiz algumas centenas de açorianos, engajados para povoadores. Nada encontraram feito para recebê-los, e padeceram as maiores privações e misérias. A imigração, iniciada sob fagueiras esperanças, não recobrou o alento originário com o livro de propaganda de Simão Estaco da Silveira.” (Pág 132)

Isso deve ter ocorrido por volta de 1619 no Maranhão.

Citando um trecho do livro The Absorption of Immigrants, de S. N. Eisenstadt, Jose de Souza Martins reproduz a ideia de que a migração, ou imigração, compreende três fases: “Primeira, a motivação para migrar – as necessidades e disposições que levam as pessoas a saírem de um lugar para outro; segunda, a estrutura do processo migratório real, da transição física da sociedade original para a nova; terceira, a assimilação dos imigrantes pelo esquema social e cultural da nova sociedade”. (Pág. 20)

Tem-se que o assentamento é um processo extremamente complexo e sem momentos claramente definidos, exceto aquele em que o homem toma posse da terra.

Daí a compreensão de que o anúncio da área de comunicação social de um governo sobre o alcance de sua meta, geralmente a de assentar milhares de famílias durante a sua gestão, nunca foi verdade e nem poderia ser.


A FALTA DE PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL

 

Por volta de 6.500 A. C., começou a ocupação do território americano pelo homem.

Embora esses povos pré-históricos já se dedicassem à agricultura, a atividade destinava-se apenas às suas subsistências e, como não buscavam o excedente comercial, não havia tendência à expansão de seus domínios, atitude que normalmente leva à destruição da natureza. Também por isso, são pouquíssimos ou inexistentes os resquícios dessas ocupações pré-históricas na configuração fundiária atual do Continente.

Durante muitos séculos, a flora e a fauna ficaram íntegras, em uma convivência naturalmente harmoniosa. Em contraste, apenas nos últimos cinco séculos, o povo brasileiro já devastou mais da metade do território nacional, causando a extinção de inúmeras espécies animais e vegetais.

A colonização, assim chamada pelos livros de história, após a descoberta do Brasil, começou a ocorrer por volta de 1550, com a introdução do cultivo da cana- de-açúcar no Nordeste brasileiro.

Os registros demonstram, inicialmente, a intenção e, depois, a execução de ações predatórias, bem como a importação de vegetais e animais exóticos, cujas consequências, em princípio, são imprevisíveis.

Ao tratar de uma armada de guarda-costas, em 1527, comandada por Cristóvão Jaques, a fim de retirar franceses que ocupavam terras na Colônia, mesmo com sucesso, Capistrano descreve e confirma a premissa do parágrafo anterior: “As armadas de quarda-costa eram simples paliativos; povoando a terra, cortar- se-ia o mal pela raiz. Cristóvão Jaques ofereceu-se a trazer mil povoadores: oferecimento semelhante fez João de Melo da Câmara, irmão do capitão-mor da Ilha de São Miguel. Indignava-se este vendo que até então a gente que vinha ao Brasil limitava-se a comer os alimentos da terra e tomar as índias por mancebas, e propôs trazer numerosas famílias, bois, cavalos, sementes etc.” (Pág. 59) Eram os sinais de  que a terra viria a  ser ocupada, valorizada, disputada, destruída.

Capistrano conta ainda que, a fim de atender à vontade do Reino, em disputa de territórios com os espanhóis, para “povoar o rio de São Pedro, mais tarde chamado Rio Grande do Sul... Em fevereiro de 1737 entrou José da Silva Pais pelo canal que sangra a lagoa dos Patos e a Mirim. No local que lhe pareceu mais apropriado desembarcou, fortificou-se. À sombra da fortaleza foi-se adensando a população. Dos Açores vieram várias famílias e agregaram-se a este núcleo primitivo; as capitanias do Norte por fôrça ou por vontade forneceram não poucos colonos.” (Pág. 195)

A história dos assentamentos rurais no Brasil, quando não consequência direta, é paralela à história das migrações.

“É certo que uma política de imigração e colonização vinha sendo posta em prática no País desde o período colonial, com a finalidade de povoar o extremo sul e garantir a posse do território brasileiro, nessa área, para a coroa portuguesa. A experiência imigrantista brasileira, aliás, limitava-se aos chamados núcleos de povoamento e era essencialmente uma política de colonização.” escreveu José de Souza Martins. (Pág. 51)*


Luiz Henrique Torres, em seu trabalho “A Colonização Açoriana no Rio Grande do Sul”, denota não apenas a importância dos assentamentos para os problemas que se faziam imediatos, por desejo da Coroa, como para a futura organização urbana: “Por este documento, se vê que os casais deveriam ser fixados em número de 60 nas terras devolutas de cada localidade, onde se faria a distribuição das datas. Entre as datas assim distribuídas, deveria destinar-se uma légua quadrada para logradouro público. Nele, deveria ser assinalado o quadrado da praça, que seria de quinhentos palmos de face, e num dos lados deveria edificar a Igreja. Como se vê trata-se do planejamento de núcleos Habitacionais que seriam as futuras vilas ou cidades do Brasil Colonial.”

A organização dos espaços rurais sempre foi anárquica em relação às técnicas de implantação, que a pautação dos assentamentos era a propriedade, mesmo em forma de sesmaria, e a ganância por possuir e expandir essas posses, ao que tudo indica.

Era lógico, portanto, que à situação fossem colocados limites. No livro A Questão Nacional e Assentamentos Rurais na Paraíba, Francisco Varela aponta: “Por exemplo, a Carta Régia de 27/12/1695 fixa o teto máximo das sesmarias, que anteriormente obedeciam a critérios vagos, para cinco ou quatro léguas de comprimento por uma de largura. Dois anos depois, esse teto é restringido para três e, em alguns casos, para duas léguas de comprimento por uma de largura, ou légua e meia em quadra, mas na prática esses limites eram freqüentemente ultrapassados”. Ao texto, corresponde a seguinte nota de rodapé: “A légua linear de sesmaria correspondia a 6,6 km.” (Pag. 50)

Acerca do uso especulativo das sesmarias, ex-funcionário do Incra Francisco Varela ainda registra: “... como informa Couto Reis em 1785, ‘os adquirentes... entravam no projeto de vende-las, a quem desejava terras, e as não alcançava por não ter amigos... e quando isso não sucedia, iam vendendo por pedaços, ou reservavam partes e aforavam o resto...’ (in: Faria, 1998: 121-122).” (Pag. 54) Segundo José de Souza Martins, “Tanto os princípios que regeram a organização dos núcleos coloniais após a Lei de Terras em 1850, quanto os que nortearam a sua reorganização em 1886-1887, tinham por fundamento a ‘mercantilização’ da terra. De início, o objetivo era impedir que o imigrante se transformasse em proprietário pela simples posse de terrenos devolutos, o que, se ocorresse, o transformaria em um concorrente do grande proprietário e, sobretudo, a este privaria do braço trabalhador.” (Pág. 81)

Não apenas a especulação imobiliária é tradição na sociedade brasileira, como também a falta de planejamento, seja por ignorância das técnicas, seja por interesses pessoais.

Para definir a localização de um núcleo colonial, em manuscrito de 24 de setembro de 1874, denominado “Relatório do exame feito em várias fazendas e localidades, na margem esquerda do Rio Tietê por ordem do Digno Presidente da Província de São Paulo”, de autoria de Nicolau D”Athogino, registra José de Souza Martins: “No confronto das propriedades (p. ex. Fazenda Caaguaçu e a Fazenda de São Caetano), o engenheiro encarregado da medição concluiu pela superioridade da Fazenda de São Caetano, ‘já pela sua posição, pela qualidade de suas terras e dimensões, já pela facilidade de poder-se empregar em uma grande parte dela os instrumentos aratórios’. (Pág. 62)


Como se pode observar, desde aquele tempo, a escolha do sítio sempre foi feito exclusivamente sob a ótica agronômica, desprezando as informações de outras áreas do conhecimento humano, mesmo havendo preocupações sociais anteriores às vistorias, a ver o exemplo do registro de Varela: “Pensamento esse, também compartilhado pelo Ministro João Alfredo que em 1889, após a abolição da escravidão, propôs a desapropriação das terras situadas às margens das ferrovias e dos rios navegáveis para implantação de colônias agrícolas (Andrade, 1987).” (Pág. 64)

O imediatismo exigido pelas vaidades políticas, até hoje, deflagra processos, envolvendo vidas humanas, de forma irresponsável, o que leva a execuções parciais, difíceis, demoradas, antieconômicas.

Sobre a Fazenda São Caetano, José de Souza Martins redigiu: “Essa foi uma fase de ‘ensaio e erro’ da parte dos funcionários da colonização, supostos orientadores dos imigrantes. Outros problemas juntaram-se a esse. Confiando nas construções existentes na fazenda para abrigar os colonos um dos pontos justificadores da política do ‘bom negócio’ a burocracia oficial não tomou medidas para alojar e ocupar os imigrantes. Estes foram envolvidos por tarefas relativas à criação das condições mínimas necessárias ao funcionamento do núcleo. Das 45 casas provisórias existentes em 1879, 10 foram construídas pelos próprios possuidores, mediante auxílio do Estado’ e outras 35 foram feitas por administração. Como entre os colonos havia alguns carpinteiros, foram ‘aproveitados na construção de casas provisórias de madeira’.” (Pág. 104) Gerenciando a coisa pública atabalhoadamente, muitas vezes, perde-se o foco do objetivo e as metas acabam se tornando outras que não as iniciais. Acontece muito até hoje e aconteceu no núcleo colonial de São Caetano, como relata o mesmo autor: “Tanto para os que se dedicaram à indústria extrativa de madeira e lenha, como para os que mais tarde foram trabalhar, por conta própria ou não, nas olarias que começaram a surgir, a agricultura, pela própria natureza do trabalho que absorvia, passou a ter uma importância secundária nos rendimentos da família. Os colonos viram-se, assim, na condição de proprietários de terrenos ‘sem utilidade prática’.” (Pág. 147)

É natural que um assentado, ao não conseguir sucesso na lavoura e obter uma alternativa de sobrevivência, passe a considerar seu patrimônio como apenas moeda. A venda de parcelas pelos assentados originais, nos atuais projetos de reforma agrária ou colonização, é mais comum do que divulgam os números oficiais. E isso também não é novidade.

José de Souza Martins ainda informa sobre a colonização paulista, em São Caetano, que “um único comprador, o Banco União de São Paulo, adquiriu, entre 1890 e 1891, de cinco proprietários, terrenos que somavam 268,62 ha, ou 27,8% da área do núcleo colonial na mesma ocasião. Dos cinco vendedores, três eram colonos, um era antigo morador da região e um outro, ao que parece, comprara, anteriormente, terras aos colonos.” (Pág. 148)

E se a tradicional falta de planejamento acontece nas ações julgadas maiores, nas outras, não menos importantes, o mal se repete.

Como, inicialmente, a ótica é a da produção agropecuária, a urbanização acaba sendo esquecida. É comum, também, os empreendimentos se ressentirem da falta de programas e de edifícios adequados para atendimento à saúde,


educação etc. e até mesmo reserva de áreas para essas e outras atividades humanas básicas, como é o caso de um lugar para o enterro dos mortos.

Ainda sobre o Núcleo Colonial de São Caetano, Martins descreve algo que também vem se repetindo em muitos projetos de assentamento: “A pobreza da maior parte da população e, mesmo a deficiência das condições materiais do núcleo colonial, como o médico que precisava ser chamado do Brás, a farmácia que tinha que ser procurada na Capital ou em São Bernardo, o cemitério que devia ser alcançado no Brás ou na Quarta Parada, eram outros fatores na acentuação da solidariedade da população.” (Pág. 184)

E, para demonstrar a má gestão governamental em tempos recentes, podemos recorrer à publicação “Urbanismo Rural”, de José Geraldo da Cunha Camargo, escrita em 1973, aquela mesma que consagrou os termos Agrovila, Agropólis e Rurópolis, utilizados para identificar os modelos urbanos utilizados na Rodovia Transamazônica.

Diz o arquiteto: “A rodovia Transamazônica já havia sido iniciada em diversas frentes de trabalho (Altamira-Itaituba, Marabá-Jatobal, Marabá-Estreito), quando começou uma ocupação desordenada das terras ao longo da estrada, com invasão de migrantes e até de pessoal contratado pelas Firmas Construtoras para serviços de Construção da rodovia.

O fluxo migratório aumentava dia a dia e as áreas amazônicas a serem cortadas pela grande estrada eram ainda praticamente desconhecidas, não havendo levantamentos topográficos, pedológicos, mapas de utilização do solo e outros conhecimentos indispensáveis para a implantação de um projeto racional de colonização. Os trabalhos de prospecção nas áreas que foram entregues ao Projeto RADAM só ficariam prontas dentro de dois anos ou mais.” (Pág. 26)

A própria iniciativa de construir a estrada, segundo inúmeros registros, não decorreu de estudos de viabilidade econômica, mas de uma decisão pessoal do Presidente Médici, após uma viagem à Região Nordeste.

Certamente, ele estava envolvido pela doutrina de Segurança Nacional, pilar mestre da ideologia dos governos militares, pretendendo, em primeiro, ocupar a Amazônia, inclusive facilitando o combate a guerrilhas, como no caso das que ocorreram na região conhecida como “Bico do Papagaio”, e tendo como subproduto o benefício do assentamento de agricultores, tal qual ficou estampado na propaganda governamental, mediante a divulgação do lema do programa em seu governo: “Terras sem homens para homens sem terra”.

As tragédias sociais e ambientais causadas pela falta de planejamento governamental, principalmente nos dias atuais, quando se dispõe de técnicos e técnicas sofisticadas, além de permitir grandes saques ao erário, ficarão como uma grave herança negativa para as gerações futuras.


CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

 

De 1500 até hoje, foram editados mais de mil e quinhentos diplomas legais, tratando do uso do solo rural brasileiro. A maioria foi voltada a aspectos administrativos e cartoriais. Observando a genealogia dessa coletânea, pode-se dizer que a história da propriedade no Brasil tem sua raiz na Lei das Sesmarias, promulgada em 1375, durante o reinado de Fernando I de Portugal. Em razão da peste negra, que aniquilou boa parte da população urbana e, por consequência, reduziu a população rural, por mortes ou migrações para as próprias cidades, onde sobravam empregos, houve um desabastecimento de alimentos no país, obrigando a medidas que visavam retornar a mão de obra às lavouras.

Sesmaria, segundo De Plácido e Silva, é palavra derivada de sesma, do latim sex, “expressão usada no direito para designar as datas de terras que, outrora, se davam para que fossem libertas das ervas daninhas e plantas infrutíferas e depois cultivadas”.

“E se dizia sesmaria, de sexta parte de alguma coisa, porque o concessionário ficava na obrigação de lavrar essas terras incultas, mediante a sexta parte dos frutos.”

“Originariamente, as sesmarias recaíram sobre terras cujos senhorios não as cultivavam, deixando-as em abandono, desaproveitadas e em ruína.”

Sob essa forma de destinação de terras, quiçá pela primeira vez, foi instituída uma versão da função social, visto que as terras poderiam ser expropriadas, se não houvesse a contrapartida da produção. De fato, usava-se o instituto da enfiteuse, no qual o beneficiário recebe o domínio da terra, de forma alienável e transmissível aos herdeiros, mas não detém o direito de sua propriedade plena. A rigor, enfiteuse, ainda segundo o Dicionário Jurídico citado, “derivado do grego emphyteusis, do verbo emphyteusein (plantar ou melhorar terreno inculto), designa, na terminologia jurídica, o contrato pelo qual o proprietário de terreno alodial cede a outrem o direito de percepção de toda utilidade do mesmo terreno, seja temporária ou perpetuamente, com o encargo de lhe pagar uma pensão ou foro anual e a condição de conservar para si o domínio direto.”

Foi sob a luz dessa lei que o Brasil foi descoberto e inicialmente colonizado, tendo como exemplo maior da situação as chamadas capitanias hereditárias. Caso não cumprissem seu papel, eram devolvidas ao Reino. Daí a origem do termo “terras devolutas”. Hoje, segundo    Hely    Lopes                       Meirelles,              em      seu        livro             Direito Administrativo Brasileiro, “Terras devolutas são todas aquelas que, pertencentes ao domínio público de qualquer das entidades estatais, não se acham utilizadas pelo Poder Público, nem destinadas a fins administrativos específicos.” Somente com a chegada das influências da Revolução Francesa às mentes dos dirigentes brasileiros, buscou-se o conceito de propriedade particular plena, que se costuma denominar simplesmente propriedade, com toda a força que a palavra carrega na sociedade capitalista, força essa que vigora até hoje. A influência pode ser aferida na sua definição por Voltaire, em seu Dicionário Filosófico: “Positivamente, o possuidor de um terreno cultivará muito melhor sua herança do que a de outro. O espírito de propriedade duplica a força do homem. Qualquer um trabalha para si e para sua família com mais vigor e prazer do que para um senhor”.

Nesse clima libertário, em 17 de julho de 1822, foi estabelecida a Resolução nº 76, provocada por uma solicitação de sesmaria, que redundou na seguinte ementa: “Manda suspender a concessão de sesmarias futuras até a convocação da Assembléa Nacional Constituinte”. O documento é chancelado “com a rubrica de S. A. Real o Príncipe Regente” e assinado por José Bonifácio de Andrada e Silva. Foi o sinal mais forte das mudanças que se anunciavam. A partir desse momento, as leis passaram a seguir o mesmo diapasão, com uma clara garantia da propriedade particular e uma paulatina evolução das preocupações com a função social da propriedade.

Na Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824, para efeito do assunto em foco, destacam-se os seguintes pontos:

“Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

...

VII. Todo o Cidadão tem em sua casa um asylo inviolavel. De noite não se poderá entrar nella, senão por seu consentimento, ou para o defender de incendio, ou inundação; e de dia será franqueada a sua entrada nos casos, e pela maneira, que a Lei determinar.

...

XXII. E' garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indemnisado do valor della. A Lei marcará os casos, em que terá logar esta unica excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação.”

Somente em 18 de setembro de 1850, mais de vinte e cinco anos após o nascimento da Constituição Imperial, a lei N.º 601 dispôs “sobre as terras devolutas do Império”.

No seu Art. 5º afirmava: “Serão legitimadas as posses mansas e pacificas, adquiridas por occupação primaria, ou havidas do primeiro occupante, que se acharem cultivadas, ou com principio de cultura, e morada, habitual do respectivo posseiro, ou de quem o represente...”

É interessante observar o surgimento do conceito de “morada habitual” no contexto das leis, cujos efeitos são observados até hoje.

Das regras apontadas, tinha-se que: “Art. 14. Fica o Governo autorizado a vender as terras devolutas em hasta publica, ou fóra della, como e quando julgar mais conveniente, fazendo previamente medir, dividir, demarcar e descrever a porção das mesmas terras que houver de ser exposta á venda, guardadas as regras seguintes:

§ 1º A medição e divisão serão feitas, quando o permittirem as circumstancias locaes, por linhas que corram de norte ao sul, conforme o verdadeiro meridiano, e por outras que as cortem em angulos rectos, de maneira que formem lotes ou quadrados de 500 braças por lado demarcados convenientemente.

Art. 16. As terras devolutas que se venderem ficarão sempre sujeitas aos onus seguintes:


§ 1º Ceder o terreno preciso para estradas publicas de uma povoação a outra, ou algum porto de embarque, salvo o direito de indemnização das bemfeitorias e do terreno occupado.

§ 2º Dar servidão gratuita aos vizinhos quando lhes for indispensavel para sahirem á uma estrada publica, povoação ou porto de embarque, e com indemnização quando lhes for proveitosa por incurtamento de um quarto ou mais de caminho.

§ Consentir a tirada de aguas desaproveitadas e a passagem dellas, precedendo a indemnização das bemfeitorias e terreno occupado.

§ 4º Sujeitar ás disposições das Leis respectivas quaesquer minas que se descobrirem nas mesmas terras.”

No mesmo texto, era tratado o assunto de colonização, mas com reservas. Em seu Artigo 18, o Governo ficava “autorizado a mandar vir annualmente á custa do Thesouro certo numero de colonos livres para serem empregados, pelo tempo que for marcado, em estabelecimentos agricolas, ou nos trabalhos dirigidos pela Administração publica, ou na formação de colonias nos logares em que estas mais convierem; tomando anticipadamente as medidas necessarias para que taes colonos achem emprego logo que desembarcarem.” Portanto, os colonos livres eram desejados para serem empregados e não proprietários, como certamente era o desejo da oligarquia rural brasileira, com forte representação política ao longo de nossa história.

O exemplo corrobora outra afirmação de Engels: “Além disso, na maior parte dos Estados históricos, os direitos concedidos aos cidadãos são regulados de acordo com as posses dos referidos cidadãos, pelo que se evidencia ser o Estado um organismo para a proteção dos que possuem contra os que não possuem.” (Pág.62)

Sobre o mesmo tema, assim se manifesta Martins: “As duas expressões da instauração dessa crise foram a universalização jurídica da propriedade privada da terra pela Lei de Terras de 1850 e a implantação completa do trabalho livre pela Lei Áurea em 1888. No primeiro caso, a terra não podia ser adquirida por outro meio que não fosse a compra e, assim, tornou-se equivalente de capital, isto é, renda territorial capitalizada.” (Pág. 14)

É de se deduzir que a lei pouco se importava, ou se importava de modo superficial, com os problemas sociais presentes no cotidiano brasileiro. Eduardo Magalhães Ribeiro comenta: “O que motivou a Lei de Terras, na verdade, foi o problema do trabalho. No Brasil, até então, vigorava o regime escravista de trabalho: o escravo era um bem do senhor. A riqueza patrimonial de um produtor rural não estava expressa na terra, que não possuía preço de mercado.” (Pág. 8)

E acrescenta: “O regime de trabalho escravo tinha sua razão de ser, em grande parte, exatamente pela oferta quase ilimitada de terra livre. Enquanto houvesse terra sem preço, livremente apropriada pela população livre, não seria criado um mercado regular de trabalho rural. Numa situação que a terra era livre, o trabalhador deveria, necessariamente, ser cativo, pois de outra forma ele se apossaria da terra e se recusaria a trabalhar para outros.” (Pág. 9)

Na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, apenas o artigo 72 aludia ao assunto:


“§ 11 - A casa é o asilo inviolável do indivíduo; ninguém pode penetrar de noite, sem consentimento do morador, senão para acudir as vítimas de crimes ou desastres, nem de dia, senão nos casos e pela forma prescritos na lei.”

“§ 17 - O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia.”

E na Constituição seguinte, de 16 de julho de 1934, esse direito era repetido no Artigo 130, mas considerando o interesse social:

“16) A casa é o asilo inviolável do indivíduo. Nela ninguém poderá penetrar, de noite, sem consentimento do morador, senão para acudir a vítimas de crimes ou desastres, nem de dia, senão nos casos e pela forma prescritos na lei.

17) É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior.”

A novidade constitucional, no que respeita à realidade rural, estava no Artigo 121, com claro protecionismo aos nacionais:

“§ 4º - O trabalho agrícola será objeto de regulamentação especial, em que se atenderá, quanto possível, ao disposto neste artigo. Procurar-se-á fixar o homem no campo, cuidar da sua educação rural, e assegurar ao trabalhador nacional a preferência na colonização e aproveitamento das terras públicas.”

“§ 5º - A União promoverá, em cooperação com os Estados, a organização de colônias agrícolas, para onde serão encaminhados os habitantes de zonas empobrecidas, que o desejarem, e os sem trabalho.”

“§ - A entrada de imigrantes no território nacional sofrerá as restrições necessárias à garantia da integração étnica e capacidade física e civil do imigrante, não podendo, porém, a corrente imigratória de cada país exceder, anualmente, o limite de dois por cento sobre o número total dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos cinqüenta anos.”

“§ - É vedada a concentração de imigrantes em qualquer ponto do território da União, devendo a lei regular a seleção, localização e assimilação do alienígena.” A Constituição de 1937, que buscava concentrar o máximo de poderes nas mãos do Governo, manteve as ideias das anteriores, mas de forma compatível com a ditadura do Estado Novo, de Getúlio Vargas.

É de se destacar apenas o Art. 122 e dois de seus incisos. Dizia: “A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:”

“6º) a inviolabilidade do domicílio e de correspondência, salvas as exceções expressas em lei;”

“14) o direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. O seu conteúdo e os seus limites serão os definidos nas leis que lhe regularem o exercício;”

Portanto, não se tratava, na Carta Maior, de desapropriação, considerando o interesse social, como na anterior e na posterior. A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946, retornou as liberdades


individuais de 1934, retiradas na de 1937, e com mais especificidades, como no Capítulo II Dos direitos e Garantias Individuais:

“Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 16 - É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, se assim o exigir o bem público, ficando, todavia, assegurado o direito a indenização ulterior.

Art 147 - O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.”

Ali estava uma semente para a reforma agrária. Mais à frente, ficava proposto: “Art 156 - A lei facilitará a fixação do homem no campo, estabelecendo planos de colonização e de aproveitamento das terras pública. Para esse fim, serão preferidos os nacionais e, dentre eles, os habitantes das zonas empobrecidas e os desempregados.

§ 1º - Os Estados assegurarão aos posseiros de terras devolutas, que nelas tenham morada habitual, preferência para aquisição até vinte e cinco hectares.

§ - Sem prévia autorização do Senado Federal, não se fará qualquer alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dez mil hectares.

§ - Todo aquele que, não sendo proprietário rural nem urbano, ocupar, por dez anos ininterruptos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, trecho de terra não superior a vinte e cinco hectares, tornando-o produtivo por seu trabalho e tendo nele sua morada, adquirir-lhe-á a propriedade, mediante sentença declaratória devidamente transcrita.”

Mais tarde, sob a pressão dos militares que haviam tomado o poder na Revolução de 1964, mais precisamente em 15 de março de 1967, passou a vigorar a Constituição da República Federativa do Brasil.

Sob o enfoque militarista, o Artigo 91 dizia competir ao Conselho de Segurança Nacional a “concessão de terras, abertura de vias de transporte e instalação de meios de comunicação;”

No Capítulo dos Direitos e Garantias Individuais, não houve alterações significativas, no que respeita ao direito de propriedade.

Porém, no Capítulo Da Ordem Econômica e Social”, o Artigo 157 afiançava que “A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios:

-   l - liberdade de iniciativa;

-   II - valorização do trabalho como condição da dignidade humana;

-   III - função social da propriedade;

§ - Para os fins previstos neste artigo a União poderá promover a desapropriação da propriedade territorial rural, mediante pagamento de justa indenização, fixada segundo os critérios que a lei estabelecer, em títulos especiais da dívida pública, com cláusula de exata correção monetária, resgatáveis no prazo máximo de vinte anos, em parcelas anuais sucessivas, assegurada a sua aceitação, a qualquer tempo, como meio de pagamento de até


cinqüenta por cento do imposto territorial rural e como pagamento do preço de terras públicas.

§ 2º - A lei disporá sobre o volume anual ou periódico das emissões, sobre as características dos títulos, a taxa dos juros, o prazo e as condições de resgate.

§ - A desapropriação de que trata o § é da competência exclusiva da União e limitar-se-á às áreas incluídas nas zonas prioritárias, fixadas em decreto do Poder Executivo, recaindo sobre propriedades rurais cuja forma de exploração contrarie o disposto neste artigo, conforme for definido em lei.

§ 4º - A indenização em títulos somente se fará quando se tratar de latifúndio, como tal conceituado em lei, excetuadas as benfeitorias necessárias e úteis, que serão sempre pagas em dinheiro.”

Um conceito extremamente importante, no § 3º descrito, mas que pouco foi considerado, é o de “zona prioritária”, tratado, inclusive, na legislação complementar, descrita mais adiante.

Até mesmo a Emenda Constitucional N.º 1, de 17 de outubro de 1969, uma verdadeira “outra Constituição”, sob ditames mais rigorosos ainda da doutrina da segurança nacional, manteve princípios como o da função social da propriedade, que muitos julgam ter caráter tipicamente socialista.

Com a redemocratização do Brasil, a Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, passou a apresentar, aparentemente, excessivos 250 artigos, fora as disposições transitórias.

No Artigo 5º, no bojo dos Direitos e Garantias Individuais, “é garantido o direito de propriedade” com o condicionante de que “a propriedade atenderá a sua função social”.

No mesmo artigo, a proteção da pequena propriedade, “assim definida em lei, desde que trabalhada pela família”, evita que seja objeto de penhora para pagamento de débitos de sua atividade produtiva.

Mais claro ficaram, também, os direitos sociais à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados, para todos os cidadãos. Entretanto, esses direitos ainda não são oferecidos de forma satisfatória e específica às populações rurais e às de pequenas cidades. Relevante também é a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ampliada para “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas” e “preservar as florestas, a fauna e a flora”.

Talvez um erro tenha sido cometido no Artigo 30 dessa Constituição atual, no qual é fixado competir aos municípios “no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”. Por que não também do solo rural?

No raciocínio oposto e desejável, sem discriminar a qualificação de urbano ou rural, e com uma ótica ampla e integrada, na Seção IV – Das Regiões, fica praticamente recomendado que a União articule “sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais”. É dito ainda que a União incentivará a “recuperação de terras áridas e cooperará com os pequenos e médios


proprietários rurais para o estabelecimento, em suas glebas, de fontes de água e de pequena irrigação”.

Para satisfazer aos anseios progressistas da maioria dos constituintes, o Capítulo III foi dedicado exclusivamente à “Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária”.

Nesse texto, ficaram insuscetíveis de desapropriação, para fins de reforma agrária, “a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra”, assim como “a propriedade produtiva”. Nele também ficou acertado que a função social “é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I     - aproveitamento racional e adequado;

II   - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III  - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.” Buscando retomar a forma de propriedade útil ou de domínio útil apenas, o Artigo 189 estabelece que: “Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de dez anos.”

Confirmando sua condição evolutiva, com preocupações sociais e ecológicas, a Carta atual alargou o campo dos cuidados com o Meio Ambiente, afirmando, em seu Artigo 225, que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.”

“Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público,” entre outros, “exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade”. Naturalmente, isso serve, ou deveria servir, também para os assentamentos rurais.

Em inciso posterior, é confirmada a intenção dos legisladores que foi a de “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”

A sabedoria dos homens também se mostrou ao sentenciar: “São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.”

Portanto, essas áreas não podem ser ocupadas, exceto em condições especialíssimas, que não contrariem os objetivos maiores, como nos casos de pesquisas ou, talvez, projetos de extrativismo racional.

Por fim, é bom saber que também os índios foram aquinhoados com o Capítulo VIII, no qual está o Artigo 231. “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.


§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem- estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.”

Significativo também foi o Artigo 243, que sujeita as glebas, onde forem localizadas culturais ilegais de plantas psicotrópicas, à expropriação, ficando sua destinação para o assentamento de agricultores. Não ficou claro se, em uma propriedade de 1.000 hectares, onde for encontrada uma plantação ilegal em um hectare, será expropriada toda a área ou apenas um hectare.

Portanto, afora alguns poucos percalços, os governos atuais não podem reclamar da falta de instrumentação constitucional para implementar ações de assentamento de trabalhadores rurais em condições satisfatórias.

A Constituição é quase um roteiro, ou melhor, quase um enredo.


MAIS UM POUCO DE LEIS

 

Pelo Decreto nº 29.803, de 25 de Julho de 1951, o Governo criou a Comissão Nacional de Política Agrária, “com o objetivo de estudar e propor ao Presidente da República, as medidas julgadas necessárias para a organização e desenvolvimento da economia agrícola e o bem estar rural”.

Esse diploma legal, se não determinava ações práticas para a solução dos problemas rurais, estabelecia um marco para que a atenção do país se voltasse para eles. Aludia a estudos para a produtividade e estabilidade da produção, amparo, previdência e assistência aos trabalhadores, melhor utilização das terras de domínio público, preservação dos recursos naturais e outros.

Muito provavelmente, esse decreto e os estudos dele decorrentes serviram como referência na elaboração da Lei nº 2.163, de 5 de Janeiro de 1954, que criou o Instituto Nacional de Imigração e Colonização, e, em 30 de novembro de 1964, da Lei N.º 4.504, o conhecido Estatuto da Terra.

Por ainda estar em vigor, pelo menos, em grande parte de seu texto, e para ilustrar mais precisamente os assuntos relacionados ao espaço físico dos assentamentos rurais, é importante ter em vista os seguintes artigos do famoso estatuto, a seguir descritos e, por vezes, comentados, tendo em vista o desfecho que se pretende dar a este livro:

“Art. O Poder Público reconhece às entidades privadas, nacionais ou estrangeiras, o direito à propriedade da terra em condomínio, quer sob a forma de cooperativas quer como sociedades abertas constituídas na forma da legislação em vigor.”

“Art. 24. As terras desapropriadas para os fins da Reforma Agrária que, a qualquer título, vierem a ser incorporadas ao patrimônio do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, respeitada a ocupação de terras devolutas federais manifestada em cultura efetiva e moradia habitual, poderão ser distribuídas...” O conceito de moradia habitual, ou morada habitual, por certo, tinha por objetivo assegurar a intenção do legislador em beneficiar o agricultor mais humilde, aquele que, de fato, cultiva a terra juntamente com sua família e, sem maiores patrimônios, nela reside. Contudo, o que era boa intenção torna-se um acorrentamento do agricultor e de sua família à terra que recebem, isso de fato ou de direito.

É possível até mesmo fazer um paralelo com os programas de financiamento de habitações urbanas. Os cidadãos de classes econômicas mais avantajadas podem receber os recursos emprestados pelo Governo e construírem suas casas de acordo com suas vontades. os mais humildes, na maioria dos casos, têm acesso aos financiamentos se entrarem em programas de habitação popular, nos quais o projeto arquitetônico é pré-definido no que respeita a forma e localização. Às vezes, o beneficiário serve até como mão-de-obra mal paga na construção de sua futura residência, que vai ser onerada com um significativo sobrepreço, por conta dos maus costumes do mercado financeiro. No caso dos imóveis rurais, os fazendeiros podem até mesmo receber benesses do Governo, como financiamentos baratíssimos ou a fundo perdido, e morar com suas famílias, confortavelmente, em boas cidades do país ou fora dele. Os agricultores “zero-renda”, assim apelidados os pobres, são obrigados a morar na


terra que recebem, na maioria dos casos, sem serviços próximos, seja de educação, de saúde, de lazer etc.

“Art. 61

§ 4º Nenhum projeto de colonização particular será aprovado para gozar das vantagens desta Lei, se não consignar para a empresa colonizadora as seguintes obrigações mínimas:

a)   abertura de estradas de acesso e de penetração à área a ser colonizada;

b)   divisão dos lotes e respectivo piqueteamento, obedecendo a divisão, tanto quanto possível, ao critério de acompanhar as vertentes, partindo a sua orientação no sentido do espigão para as águas, de modo a todos os lotes possuírem água própria ou comum;

c)   manutenção de uma reserva florestal nos vértices dos espigões e nas nascentes;”

É interessante observar que foi colocada no “item b” uma experiência importante no desenho das estradas. Seu traçado deve, sempre que possível, seguir os divisores de água, o que traz economia em sua construção, por evitar aterros, pontes e bueiros. Também facilita a sua manutenção, face aos efeitos das chuvas, pois evitam as enxurradas. Outrossim, apresentam ainda vantagens como, por exemplo, a redução de águas paradas, onde proliferam mosquitos, em especial os que transmitem a malária.

“Art. 64. Os lotes de colonização podem ser:

I   - parcelas, quando se destinem ao trabalho agrícola do parceleiro e de sua família cuja moradia, quando não for no próprio local, há de ser no centro da comunidade a que elas correspondam;”

Como se pode deduzir, a variante da morada habitual nos núcleos comunitários não invalida o comentário anterior, pois esses não contam com serviços, pelo menos, enquanto não se tornam cidades convencionais, por força de sua evolução urbana, geralmente sem a intervenção planejada do governo.

“II - urbanos, quando se destinem a constituir o centro da comunidade, incluindo as residências dos trabalhadores dos vários serviços implantados no núcleo ou distritos, eventualmente às dos próprios parceleiros, e as instalações necessárias à localização dos serviços administrativos assistenciais, bem como das atividades cooperativas, comerciais, artesanais e industriais.”

Embora algumas exigências se refiram a projetos de colonização particular, é lógico que também sejam parâmetros para os de iniciativa pública.

Adiantando outros comentários, é de se registrar que os núcleos urbanos em projetos de assentamento ou se tornaram cidades de porte, ou não evoluíram a ponto de ofertar serviços adequados às necessidades humanas atuais. Para regulamentar alguns capítulos do Estatuto da Terra, em 27 de outubro de 1966, foi editado o Decreto N.º 59.428, do qual é importante destacar as seguintes partes:

“Art 5º Colonização é tôda atividade oficial ou particular destinada a dar acesso à propriedade da terra e a promover seu aproveitamento econômico, mediante o exercício de atividades agrícolas, pecuárias e agro-industriais, através da divisão em lotes ou parcelas, dimensionados de acôrdo com as regiões definidas na regulamentação do Estatuto da Terra, ou através das cooperativas de produção nela previstas.


§ A colonização em áreas prioritárias terá por objetivo promover o aproveitamento econômico da terra, preferencialmente pela sua divisão em propriedades familiares congregados os parceleiros em cooperativas ou mediante formação de cooperativas de colonização de tipo coletivo.”

Nota-se que a preferência à propriedade familiar é usada como anteparo, a fim de não se falar da propriedade coletiva, pois, na época, o socialismo era praticamente sinônimo de comunismo, e ambos estavam proscritos pela ditadura militar.

Na Seção II - Da Organização da Colonização, tentava-se prever uma organização até mesmo de espaços, talvez para auxiliar alguns administradores leigos.

“Art 18. Os programas de colonização serão baseados na formação de grupamentos de lotes em núcleos de colonização e, dêstes em distritos, quando fôr o caso.

Art 19. Os lotes de colonização, nos têrmos e condições estabelecidas neste Regulamento, podem ser:

-   Parcelas - quando se destinarem ao trabalho agrícola do parceleiro e de sua família, cuja moradia, quando não fôr no próprio local, terá de ser no centro, da comunidade a que correspondam.

II   - Urbanos - quando se destinarem a constituir o centro da comunidade, incluindo:

a)                 as residências dos trabalhadores dos vários serviços implantados nos núcleos ou distritos e eventualmente a dos próprios parceleiros;

b)                 as instalações necessárias à localização dos serviços administrativos essenciais, bem como das atividades cooperativas, comerciais, artesanais e industriais;

§ 1º A área das parcelas será determinada quando da elaboração do projeto respectivo de Colonização, em função de sua destinação agrícola, do mínimo de fôrça de trabalho exigido para a construção da propriedade familiar e das condições geo-econômica da região.

§ A área dos lotes urbanos será determinada em função das posturas municipais adotadas para a região, procurando-se, sempre que possível sua adequação ao chamado tipo "para rural", a fim de permitir sua utilização em atividades hortigranjeiras, de caráter doméstico.”

A ideia do chamado lote “para rural” é simpática, pois aparenta propiciar que a família tenha certo sustento, em razão de seu tamanho, por permitir quintais com hortas, pomares, criadouros de animais domésticos etc. Também permite as distâncias necessárias entre os poços de água potável e as fossas vizinhas. Nesse sentido, entre outras recomendações, a Fundação Nacional de Saúde, em seu Manual de Saneamento de 2006, recomenda “respeitar por medidas de segurança, a distância mínima de 15 metros entre o poço e a fossa do tipo seca, desde que seja construída dentro dos padrões técnicos, e, de 45 metros, para os demais focos de contaminação, como, chiqueiros, estábulos, valões de esgoto, galerias de infiltração e outros, que possam comprometer o lençol d’água que alimenta o poço;” e “deve-se, ainda, construir o poço em nível mais alto que os focos de contaminação”.


O propósito é repetido pelo Art. 1.309 da Lei No 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil: “São proibidas construções capazes de poluir, ou inutilizar, para uso ordinário, a água de poço, ou nascente alheia, a elas preexistentes.”

Dessa mescla entre características urbanas e rurais, surgem dúvidas ou contradições.

Pelo art. 4.º, da Lei No 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que Dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e outras Providências”, em seu item II, “os lotes terão área mínima de 125 m2 (cento e vinte e cinco metros quadrados) e frente mínima de 5 (cinco) metros, salvo quando a legislação estadual ou municipal determinar maiores exigências, ou quando o loteamento se destinar a urbanização específica ou edificação de conjuntos habitacionais de interesse social, previamente aprovados pelos órgãos públicos competentes;”.

Na Transamazônica, seguindo a orientação legal, foram previstos lotes residenciais, com as características de “para-rural”, variando de 3.000 m² a 500 m², “dependendo do grau de desenvolvimento tecnológico na exploração dos lotes rurais de produção, do desenvolvimento sócio-cultural e da filosofia de vida dos habitantes para os quais será construída a Agrovila”, segundo Camargo.

É desnecessário dizer sobre a indesejável baixa densidade promovida nesse caso, o que demanda uma infraestrutura onerosa, quando há.

Ademais, pelo Art. 1.303 do Código Civil, Na zona rural, não será permitido levantar edificações a menos de três metros do terreno vizinho.” Assim, um terreno de 1.250 m², ou seja, dez vezes o mínimo previsto na Lei n.º 6.766, contará, obrigatoriamente, com uma faixa non-aedificandi de 414 m2 de área, ou seja, um terço da área do lote praticamente, o que não parece razoável. “Art 20. Serão consideradas de reserva ou de uso coletivo dos núcleos de colonização, as áreas que:

a)   contenham riquezas minerais explotáveis;

b)   por suas características topográficas e ecológicas não possuam condições de aproveitamento imediato;

c)   sejam necessárias a conservação dos recursos naturais;

d)   devem ser protegidas e preservadas para fins educativos, cênicos, recreativos ou turísticos;

e)   destinem-se a atividades agro-pecuárias ou florestais em escala organizada.” Obviamente, o disposto no artigo acima foi superado por muitas outras leis.

O próprio Código Florestal, instituído pela Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965, ou seja, pouco mais de um ano após o Estatuto da Terra, modificou de forma muito mais ampla tais requisitos, na medida em que tratou com maiores cuidados o que deve ser área de preservação permanente, reserva legal, faixa de matas ciliares, vegetações protetoras de encostas, dunas, restingas, chapadas e outras áreas de utilidade pública.

Desse código que, no momento, está em vias de alteração, sob análise do Parlamento, destaca-se, para efeito de desenho dos assentamentos, o artigo 8: “Na distribuição de lotes destinados à agricultura, em planos de colonização e de reforma agrária, não devem ser incluídas as áreas florestadas de preservação permanente de que trata esta Lei, nem as florestas necessárias ao abastecimento local ou nacional de madeiras e outros produtos florestais.”


E também o parágrafo 11 do Artigo 16: “Poderá ser instituída reserva legal em regime de condomínio entre mais de uma propriedade, respeitado o percentual legal em relação a cada imóvel, mediante a aprovação do órgão ambiental estadual competente e as devidas averbações referentes a todos os imóveis envolvidos.”

Para ilustrar o cuidado que se deve ter com o assunto, é bom informar que, em alguns casos de reservas na forma de condomínio, ocorridos no Estado de Rondônia, a falta de fiscalização e até mesmo a falta de interesse em sua proteção, pelos próprios condôminos, ensejaram a destruição ou invasão dessas áreas.

“Art 21. Escolhida a área para o núcleo, deverá ser elaborado o respectivo anteprojeto que, em linhas gerais, conterá:

I - Caracterização sumária dos aspectos físicos da área, incluindo:

a)   denominação e localização;

b)   topografia, superfície e limites;

c)   vias de acesso e comunicações;

d)   índices climáticos;

e)   cobertura vegetal;

f)     solos;

g)   hidrologia.“

Nesse artigo, duas claras impropriedades. Parte-se do princípio de que a área já foi escolhida, sem caracterizar as condições que devem nortear a escolha, e não se exige nenhuma informação objetiva sobre o planejamento urbano, ou seja, não se pensava em planejamento urbano.

Art 22. São condições para aprovação e registro do projeto, além do detalhamento do anteprojeto e de atendimento das exigências feitas para sua aprovação, a satisfação das seguintes obrigações mínimas:

I     - levantamento sócio-econômico da área;

II   - tipos e unidades de exploração econômica perfeitamente determinados e caracterizados;

III  - valor e modalidade de amortização de cada tipo de lote;

IV - organização territorial da área, por meio de plano de parcelamento ou cooperativo, incluindo:

a)   locação de estradas de acesso, de penetração e caminhos vicinais;

b)   divisão em lotes e forma de execução de respectivo piqueteamento.

V  - Inclusão, nos núcleos-sede de distritos e colonização, dos seguintes serviços e equipamentos:

a)                 instalações, incluindo residências destinadas ao pessoal técnico- administrativo e aos trabalhadores em geral;

b)                 serviço educacional de níveis elementar e médio; assistência médico- hospitalar, recreativa e religiosa;

c)                 cooperativas mistas agrícolas, incluindo instalações para beneficiamento dos produtos, máquinas, instrumentos e material agrícola em geral para revenda aos parceleiros;

d)                 campos de demonstração, multiplicação e experimentação destinados a culturas ou criações próprias da região ou de outras econômicamente aconselháveis, incluindo lotes-padrão segundo orientação contida no projeto.


VI  - Inclusão nos núcleos, quando agregados a distritos de colonização, de um centro comunitário abrangendo:

a)   serviço educacional de nível elementar;

b)   pôsto de saúde ou ambulatório;

c)   cooperativa para atendimento aos parceleiros.

VII  - Os núcleos de colonização quando instalados em áreas isoladas, deverão conter o mínimo compatível com os serviços essenciais previstos no projeto respectivo, ao nível do distrito.

É de se notar mais uma vez que, sob a ótica da organização dos espaços, os dispositivos dessa lei são poucos e estão por demais ultrapassados, no que se refere às exigências para a elaboração de um plano ou projeto de ocupação de terra.

Para confirmar tal assertiva, basta conhecer a Lei 6.938, de 31 de agosto de 1991, que “Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências” e obriga, de modo genérico, a que todas as intervenções no meio ambiente sejam precedidas de estudos para determinar seus impactos ambientais.

Leitura acessória para algum trabalho nessa direção é a da Lei N. º 9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza.


MÉTODOS

 

Os assentamentos no Brasil nunca tiveram métodos para seu planejamento ou gerenciamento. Na teoria, o documento que mais se aproximou dessa aspiração, e aqui há uma forte opinião pessoal, foi a Metodologia para Programação Operacional dos Projetos de Assentamento de Agricultores, documento oficial do INCRA, escrito por uma equipe interdisciplinar em 1970, capitaneada por Dryden de Castro Arezzo, que prevê doze programas a serem seguidos para a implantação dos chamados projetos.

Na introdução, os autores fazem uma “análise sumária” dos assentamentos promovidos pelo Incra e seus órgãos antecessores, indicando “que as técnicas de preparação e o conteúdo desses projetos constituíram, muitas vezes, real obstáculo à incorporação de um número significativo de famílias, com um custo compatível com os recursos disponíveis no País. O processo de preparação foi moroso e caro; a densidade, por unidade de área ou por família beneficiada, foi exagerada; não se deu valor à participação dos beneficiários. Houve desvinculação entre os responsáveis pela elaboração e os encarregados da implantação; as projeções de custos e benefícios nem sempre representam a realidade local.”

Nota-se que, ao conceito de densidade, é dada uma importância significativa, talvez pela primeira vez nos escritos oficiais sobre a matéria.

Entre os “Problemas Especiais do Empreendimento” listados, está a dispersão espacial, com o seguinte comentário: “Além de engajar número de pessoas, essas, frequentemente, estão dispersas em vastas áreas, por vezes de condições físicas diversas, o que dificulta os contatos e torna complexa a administração do Projeto.”

Os doze programas propostos são divididos em dois grandes grupos:

 

I.  Atividades de responsabilidade direta ou de execução determinada do Incra:

 

01.             Distribuição de Terras - obtenção dos recursos fundiários, passando pela avaliação e indenização de suas benfeitorias, até a titulação provisória e definitiva;

02.             Organização Territorial - locação dos elementos físicos do projeto e a demarcação das parcelas, lotes e áreas públicas;

03.             Administração do Projeto - instalações e aparelhamento administrativos com integração a outras instituições;

04.             Assentamento - inscrição, identificação ou seleção de beneficiários, localização das famílias nas parcelas, sistema de organização social e treinamento;

05.             Unidades Agrícolas - definição e estabelecimento das unidades agrícolas e assessoria técnica;

06.             Infra-estrutura Física - trabalhos preliminares e implantação da infraestrutura básica.

 

II.  Atividades indiretas ou promocionais:


07.             Educação - Levantamentos preliminares, equipamentos, elaboração de programa didático e implantação das escolas;

08.             Saúde e Previdência Social - levantamentos preliminares, elaboração de plano de ação e implantação dos programas;

09.             Habitação Rural - Levantamento das necessidades e execução das obras;

10.    Empresa Cooperativa - Levantamento das necessidades, constituição da empresa e instalação da empresa;

11.   Crédito - Levantamento das necessidades e implantação do sistema de crédito rural;

12.   Comercialização - Levantamento das necessidades e equipamentos.

 

No capítulo sobre a Organização Territorial, é recomendado que essa seja “projetada com base nas recomendações dos estudos de solos” e que deve estabelecer os diversos usos para as diversas áreas: “áreas para agricultura, pecuárias ou exploração hortigranjeiras, áreas sem utilidade econômica, áreas destinadas aos serviços, áreas de reserva ou de uso coletivo etc.”

Também fica determinado que, “sendo um plano de organização resultante da atuação de especializações distintas (agrônomos, geógrafos, arquitetos, economistas), é necessário que, sem ingerência de um setor no outro, haja, em todas as fases de sua concretização, estrita e ininterrupta colaboração desses profissionais entre si”.

Obviamente, não é isso que acontece na realidade, em razão de maus gestores, assim como de visões e interesses corporativistas.

No capítulo que trata da infraestrutura, duas anotações chamam a atenção. A primeira, sobre “uma tendência negativa para que a infra-estrutura física se constitua no ítem de maior pêso nos custos de um Projeto de Assentamento, ocasionando todo um elenco de fatores impeditivos a uma rápida consolidação dos empreendimentos”.

Na outra, uma recomendação, esta, sim, muito inconsequente, que estabelece: “Deverão ser elaborados projetos técnicos apenas para obras que exijam certo grau de tecnicidade, como o sejam obras de arte, sistemas de irrigação e drenagem, eletrificação rural, abastecimento de água etc. As demais deverão ser expeditas, aproveitando, sempre que possível, os recursos locais”.

A pergunta é: os planejadores devem sobrepor a afoiteza das vaidades políticas e o cumprimento das metas governamentais em detrimento da qualidade das obras, fazendo-as sem planejamento?

No capítulo sobre a educação, uma diretriz no sentido de que “a escola deverá abranger um raio de 2,5 a 3Km, sendo levados em consideração os acidentes topográficos e a densidade da população.”

Na verdade, não é um raio geométrico de influência, mas uma distância de influência, um máximo no qual uma criança não pode exceder para chegar à escola. E isso perde parcialmente o sentido, com o uso do transporte escolar, que muitas vezes é mais econômico do que os investimentos e a manutenção de escolas rurais para poucos alunos.

Tanto é que Camargo reescreveu a diretriz para a Transamazônica, da seguinte forma: “As distâncias serão avaliadas em ‘tempo’ e não em ‘quilômetros’. Dependendo do grau de desenvolvimento da sociedade projetada (portanto, de


sua renda “per capita”), teremos o meio de locomoção que a maioria deverá usar. Daí a avaliação das distâncias por ‘tempo’. Para as crianças que freqüentam o Curso Primário, deverá ser prevista a locomoção a pé. A distância “casa-escola” (primária) deverá ser de 1 a 15 minutos e a distância “casa-escola” (secundária) de 1 a 30 minutos (locomoção a cavalo, charrete, carroça, bicicleta, jipe, camioneta, caminhão, etc. conforme o estágio tecnológico e econômico dos habitantes).”

não se pode concordar que as crianças do curso primário devam se deslocar a pé, pois não há razão para isso.

O programa denominado Habitação Rural define seu objeto da seguinte maneira: “A habitação, sendo uma estrutura física condicionada pelo homem, que inclui a área em redor (dependências e benfeitorias), bem como o equipamento material e cultural que nela se encontra, também pode ser entendida como meio de produção”.

Já naquele tempo, entendia-se a importância de prover o assentado com um mínimo de condições para a sua sobrevivência, com ênfase em uma moradia adequada. Também o termo habitação extrapolava as paredes da casa, embora ainda estivesse aquém do conceito de habitat.

Importante registrar que, mesmo tendo o documento recebido elogios em diversas reuniões técnicas nacionais e internacionais, nas quais se discutiu o assentamento de trabalhadores rurais, ele nunca foi efetivamente usado nem seguido pelo INCRA. Nem sequer atualizado.

Praticamente abandonado, foi substituído por portarias, instruções, instruções especiais, instruções normativas, normas de execução, que sempre tratavam de partes do processo de assentamento e sem uma ligação entre elas, sem levar em consideração o universo do empreendimento. Aparentemente, foram elaboradas por pequenos grupos restritos a poucos tipos de profissionais.

Apenas para ilustrar o parágrafo anterior, temos a Norma de Execução/INCRA/DT/n° 69, de 12 de março de 2008, que “Dispõe sobre o processo de criação e reconhecimento de projetos de assentamento de Reforma Agrária.”

Nesse instrumento, atualmente em vigor e revogando todas as disposições em contrário, praticamente são tratados apenas os procedimentos burocráticos para a criação dos assentamentos.

Assim como nessa Norma, as demais também são insuficientes para um processo de planejamento, mesmo não rigoroso, e nem tocam nos aspectos fundamentais da organização dos espaços.


OBTENÇÃO DE TERRAS

 

Quando se planeja a construção de uma usina hidrelétrica, a área a ser alagada é objeto dos mais variados estudos, para se evitar, ao máximo possível, os danos à natureza e à cultura humana. Sua totalidade é levantada cartograficamente e suas características são registradas com o maior rigor científico possível, para servir como base de estudos e intervenções futuras. Os animais são capturados, cadastrados, eventualmente marcados fisicamente e libertados em áreas semelhantes, onde possam sobreviver, ou seja, também eles são sujeitos de um assentamento. As iniciativas são tomadas, nesse contexto, sempre em suas defesas.

Durante a formação do reservatório, equipes do setor ambiental percorrem em barcos a área em alagamento, salvando os animais em risco, em uma operação geralmente denominada Mymba Kuera, em tupi-guarani, traduzida para “pega- bicho”.

Os vegetais também são pesquisados. Colhem-se mudas, sementes, criam-se viveiros para reflorestamentos e, a depender da conveniência, transplantam-se as espécies, mesmo as de grande porte.

Se houver pessoas, busca-se remanejá-las, com o menor trauma possível, para áreas onde possam continuar suas vidas em condições iguais ou melhores do que as anteriores.

Também ocorre a exploração arqueológica, para se ter máxima certeza de que nada importante será encoberto pelas águas. Mesma preocupação é destinada a obras merecedoras de figurar no patrimônio histórico e artístico, assim como os monumentos naturais.

Tudo isso é feito por equipes de zoólogos, veterinários, médicos, botânicos, engenheiros florestais, ecólogos, antropólogos, arqueólogos, sociólogos, arquitetos, assistentes sociais e de outros profissionais.

Enquanto isso, outras equipes multidisciplinares projetam o futuro do empreendimento, prevendo o potencial do novo cenário, considerando a possibilidade de inúmeras atividades que possam gerar riquezas, como subprodutos do investimento.

Os cento e vinte mil hectares alagados na barragem de Itaipu, por exemplo, receberam esse tratamento e muitos acadêmicos ainda reclamam, com autoridade, que os cuidados não foram satisfatórios. Devem existir tesouros científicos submersos ou perdidos, como resquícios históricos de populações antigas. Entretanto, há um senso comum entre todos os conhecedores dos procedimentos: esses cuidados são fundamentais, imprescindíveis.

Justamente para efeito de comparação, é bom registrar que os órgãos brasileiros, que tiveram ou têm a obrigação da obtenção de terras para colonização ou reforma agrária, já desapropriaram, arrecadaram ou adquiriram terras para a criação de assentamentos para trabalhadores rurais, em escala de milhões de hectares, sem nenhum estudo ambiental prévio completo, o que é grave.

Geralmente, as terras, antes de desapropriadas, foram vistoriadas com o objetivo principal de se estabelecer o valor das indenizações, de se buscar o “justo preço”,


o que não é nem de longe suficiente para um planejamento amplo e criterioso, que muitas propriedades apresentam componentes que fogem ao conhecimento dos profissionais convocados costumeiramente para essas tarefas, como é o caso de áreas com potencial turístico, construções e sítios de valor histórico, reservas de valor ecológico etc. E quando isso foi levado em consideração, foi feito de forma empírica e amadora, já que os órgãos não contavam em seus quadros com profissionais em números suficientes ou competentes para tanto, nem mesmo para demandar corretamente os serviços de terceiros.

Iniciativas tímidas foram deflagradas, de poucos anos para cá, mediante convênios entre os órgãos governamentais e entidades mais qualificadas, mas sem resultados significativos até o momento. O objetivo maior tem sido o de se obter uma licença ambiental, formal, para cada assentamento, uma espécie de salvo-conduto para a intervenção.

Retornando ao problema de fato, basta olhar em fotografias de satélite os estragos feitos pelos assentamentos rurais para se ter uma noção, e ainda superficial, dos prejuízos causados por essa temporária, espero, falta de planejamento e de responsabilidade. Os prejuízos ambientais e culturais são continentais, semelhantes aos causados pelas abusivas lavouras e pastagens extensivas dos agronegócios e dos latifúndios, quando no uso da técnica de terra arrasada.

Essas destruições foram crimes de lesa-pátria ou, pior, crimes contra a humanidade, para se gerar estatísticas e impressões favoráveis aos governos e, claro, vantagens materiais para alguns.

O estabelecimento de projetos em fronteira agrícolas, caso da Amazônia atual, deve ser feito de forma muito mais criteriosa e com todo o planejamento possível, pois seu custo econômico é extremante vultoso, seu custo social é desumano e seu custo ecológico é inimaginável.

Muitos alegam que um relatório de impacto ambiental, como determina a legislação, emperraria a distribuição de terras, vista como solução para sérios problemas sociais.

Entretanto, se voltarmos os olhos para o Estatuto da Terra, encontraremos a indicação do procedimento desejável, em seu Art. 34, que consigna: “O Plano Nacional de Reforma Agrária, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária e aprovado pelo Presidente da República, consignará necessariamente: I - a delimitação de áreas regionais prioritárias;”

Tomando-se uma grande área com potencial de reforma, seria viável um estudo mais profundo, feito por profissionais competentes, e, certamente, traria subprodutos para aumentar a chance de sucesso do empreendimento, assim como facilitaria os processos das vistorias anteriores à desapropriação.

Em resumo, o imperioso planejamento não ocorre, inclusive, devido a posturas com chancela oficial, fruto do corporativismo das carreiras de estado, ou da falta de atenção, de acompanhamento e de crítica das esferas superiores do Governo Federal.

É o caso do Manual de Obtenção de Terras e Perícia Judicial do INCRA, aprovado pela Norma de Execução Incra / DT n.º 52, de 25 de outubro de 2006, que, ao contrário da Metodologia citada anteriormente, escrita por uma equipe com diversos tipos de profissionais, foi elaborado por uma equipe técnica com engenheiros agrônomos, um bacharel em direito e um economista da carreira de fiscal de cadastro, apoiada por mais 7 engenheiros agrônomos e um economista da carreira de fiscal de cadastro, e coordenada por outros dois engenheiros agrônomos.

Dessa forma, não haveria como o documento ter uma ótica abrangente e equilibrada nas diversas áreas de conhecimentos humanos, embora cite, pontualmente, informações diversas, relativas às atribuições de outras categorias profissionais, em especial na sua página 15, quando trata do roteiro para o diagnóstico regional.

Para exemplificar a desproporção da atenção dada a cada matéria, das treze páginas dedicadas à orientação de como se fazer a caracterização geral da região de influência do imóvel, onze são voltadas para assuntos agronômicos, como descrição e classificação do relevo, classificação pedológica, uso agropecuário do imóvel, efetivo agropecuário e outros, ficando apenas duas páginas para todo o “resto”, tratado, obviamente, de forma superficial e insuficiente.

Também no capítulo “Aspectos Ambientais”, em forma de confissão da exclusividade, está a recomendação de que “o técnico deverá buscar material bibliográfico adequado ao tratamento do assunto, bem como da legislação pertinente e atualizada”.

O documento determina, ainda, que o “levantamento preliminar de dados e informações sobre o imóvel rural será materializado no LAF”, que significa Laudo Agronômico de Fiscalização.

O documento principal é acompanhado de dois anexos “Metodologia para determinação das classes de capacidade de uso das terras” e “Caracterização e quantificação das categorias de novilhos e novilhas precoces”.

Também um terceiro anexo, denominado “Avaliação de Imóveis Rurais”, segue o mesmo diapasão, relacionado à ótica da profissão predominante na Autarquia, como também à importância da propriedade como bem de capital. Em resumo, não é razoável supor que os assentamentos tenham sucesso em outra área que não seja a da produção agropecuária e, apenas, quando isso acontece de fato, às vezes até de forma espontânea. Isso já considerando os obstáculos que surgem no processo de execução, como a falta de recursos materiais, humanos e financeiros, afora outros percalços, como a desapropriação de áreas inadequadas ao fim proposto.

É de se registrar que o planejamento físico da área, quase sempre sofrível, acontece somente depois de sua obtenção. E isso, quando acontece. O fato de muitos assentamentos terem evoluído satisfatoriamente é devido quase unicamente ao empenho dos agricultores ou de suas organizações.

Não vamos aqui condenar a profissão do engenheiro agrônomo, fundamental para o desenvolvimento do país, assim como todas as outras. O que deve ser condenado é, com as devidas desculpas pelo neologismo, o “profissiocentrismo” de qualquer profissão e em qualquer área do conhecimento humano, pois é um vício característico daqueles reprováveis em qualquer método científico.


ESTRADAS

 

As estradas existiam na América mesmo antes de seu descobrimento. Eram trilhas, usadas pelos indígenas, não limitadas por fronteiras ou propriedades formais. Talvez houvesse algum respeito à localização de tribos ou às áreas de perambulação das etnias. Capistrano exemplifica o fato: “Se recordarmos que os Guaianases-Guarulhos-Maramumis freqüentavam as estradas de Facão e Passa-Vinte, antes dos Bandeirantes para terem dirigido suas hordas, teremos uma ideia de seu papel histórico: antes de Garcia Ribeiro haver desbravado o Paraibuna e transposto a balança da águas entre o Paraíba e Guanabara, não podia, quem do rio quisesse ir aos descobertos auríferos, tomar caminho diferente.” (Pág.246)

A óbvia carência de estradas carroçáveis também foi óbice para os colonizadores, assim como hoje o é para muitas populações rurais. Sobre a localização dos engenhos, Werneck registra: “As condições de localização exerceram um papel relevante, tanto maior quanto mais recente o empreendimento. Entre duas concessões, admitidos iguais os outros fatores, era mais valiosa aquela que estivesse mais próxima do litoral ou tivesse melhor acesso a este... Não era nenhuma específica fascinação marítima que os levava a isso, mas a exigência conseqüente à extrema precariedade das técnicas de transporte, no tempo”. (Pág.73)

Lembra aquele autor que também as terras próximas dos rios navegáveis eram preferidas. “O mar era a porta do mercado, que não havia mercado consumidor na Colônia”, complementava.

Com a tração animal, as estradas passaram a ter traçados diferentes, mais adequados ao tipo de transporte, em razão da diferença de mobilidade entre homens e animais, como se pode deduzir das informações, tal qual a de Capistrano: “A estrada de Sorocaba a Porto Alegre e ao território das Missões teve sua importância quando vinham às feiras dezenas de milhares de bestas, mas sua influência durou pouco e esvaiu-se com a introdução do vapor”. (Pág. 269)

Os condicionantes para o desenho dos caminhos seguiam, claro, a economia da época, como também Capistrano registrou: “...à medida que a margem baiana do São Francisco ia sendo aproveitada, se tornava maior a distância da cidade de Salvador e seu recôncavo, onde existiam os principais consumidores de gado. A condução deste beirando o São Francisco até a foz, e daí acompanhando o oceano, ficava cada vez mais penosa e demorada; impunha-se a serventia de caminho mais rápido.” (Pág. 273)

Mais do que hoje, segundo o mesmo livro, os caminhos “oscilavam naturalmente antes de fixar-se, e assim não é fácil apurar qual foi seu primeiro rumo”.

E, nesse livro, continua a atenção sobre a vida das estradas: “Em geral formava- se uma linha muito sinuosa que evitava as matas onde o gado não encontraria o que comer; as serras onde as chuvas mais freqüentes produziam, às vezes, florestas luxuosas com as de Orobó, os desfiladeiros arriscados, as catingas mais bravas, as travessias órfãs d’água.” (Pág. 275)

Quem já participou ou presenciou a abertura de estradas, com a derrubada das florestas, sabe que isso traz um perigo de morte para os que ali estão, a malária, se a região for sujeita a esse tipo de endemia.

No passado, a situação deve ter sido muito mais cruel e ter inibido muitas iniciativas ou modificado muitos trajetos. Ainda em 1802, segundo Capistrano, escrevia Vilhena, provavelmente Luis dos Santos Vilhena: “...a travessia que vai de Moritiba até o Sincorá é talvez um dos caminhos piores por que pode transitar- se por ser ainda deserto e doentio, onde morrem de sezões inumeráveis viandantes, sendo preciso trazerem água e bebida quinada”. As dificuldades de traçado das estradas também foram agravadas pela defesa da propriedade privada.

Sobre a província de São Paulo, Sérgio Buarque e outros registraram: “Em todo êsse período o desenvolvimento das vias de comunicação interna e externa figura com realce entre as cogitações dos governos da província, o que seria de esperar dado o interesse que apresenta para a grande lavoura.

A principal dificuldade estava em que se todos queriam estradas, poucos toleravam que passassem estas em suas terras. Judiciosamente nota em 1830 um parecer do Conselho da Presidência:”

‘Que não se arruinem frutos pendentes he de suma Justiça; mas que deva dar volta huma Estrada por que encontra hum Canaveal, seria outra injustiça ao Publico, pois todos sabemos que na maior parte desta Provincia os Lavradores de cana tem necessidade de mais extensos terrenos por que onde este anno se colheo cana, hé preciso deixar o terreno de pouzo para poder n’elle plantar dahi a 6 ou mais annos.’

Como se pode ver, a construção ou modificação de uma estrada envolve diversos fatores que, se ignorados, causam problemas, levando décadas para serem resolvidos.

Caso clássico é o da Rodovia Transamazônica. Segundo os economistas, uma estrada deve ligar um polo produtor a um polo consumidor e melhor ainda se a relação for de mão dupla. A Transamazônica, na época, ligava uma região que não produzia a uma região que não consumia. Não poderia ter bons resultados a curto ou médio prazo, como não teve.

E, também por falta de técnica, seu traçado foi executado de forma leiga ou leviana. Não é possível determinar a veracidade desta afirmação, mas, na época de sua construção, o Incra era dirigido por uma grande quantidade de topógrafos e, por isso, essa ciência exercia grande peso nas decisões, até mesmo influenciando outros profissionais.

Aliado à afobação de se iniciar a obra, daí a preferência pelas linhas retas e ângulos retos, tanto no traçado das estradas, como nos limites das parcelas e de áreas urbanas.

Assim, em toda a região norte, há exemplos desse tipo de estrutura viária que, posteriormente, se apelidou de “espinha de peixe” ou “quadrado burro”, ou seja, uma malha de estradas vicinais feitas em prancheta, com régua e esquadro, sem mapas de apoio satisfatórios e, consequentemente, sem considerar a geografia local e outras singularidades. Partiam da ideia sempre errada de que a área era praticamente um tabuleiro, com pouca ou nenhuma declividade, sem obstáculos naturais e mesmo tipo de solo em toda a sua extensão.


Esse procedimento é extremamente oneroso, pois, como não se evita os acidentes naturais, termina exigindo aterros, às vezes gigantescos, e muitas obras de arte estradeiras, como pontes e bueiros. A depender da movimentação do relevo e do traçado escolhido, o preço de uma estrada vicinal em região de mata fechada pode decuplicar, deixando o referencial histórico de US$ 10.000 / Km (dez mil dólares por quilômetro), para chegar próximo a U$ 100.000 / Km (cem mil dólares por quilômetro).

Apenas como ilustração, consta no livro Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda: “A ordem que aceita não é a que compõem os homens com trabalho, mas as que fazem com desleixo e certa liberdade; a ordem do semeador, não a do ladrilhador. É também a ordem em que estão postas as coisas divinas e naturais pois que, já o dizia Antônio Vieira, se as estrelas estão em ordem, “he ordem que faz influência, não he ordem que faça lavor. Não fez Deus o Céu em xadrez de estrelas...”,

Segundo Camargo: “Os gastos com a infra-estrutura rural (estradas vicinais, demarcação de lotes rurais, construção de Agrovilas), se considerados isoladamente, serão quase sempre anti-econômicos, devido à dificuldade de ressarcimento dessas despesas através dos colonos. Essa situação piora muito se os colonos não forem rigorosamente selecionados.” (Pág. 24)

Para aumentar a dramaticidade da situação, o corte de rios, riachos, drenagens, cria muitas poças d’água que servem como viveiros de mosquitos, principalmente os dos transmissores da malária.

Entre outras preferências, as estradas vicinais devem seguir os divisores de água, para que as chuvas e as enxurradas não comprometam seu uso, pois, afinal, é isso, juntamente com o transporte pesado (de madeiras, por exemplo), que mais estragos causam nas pistas de rolamento. E, também de preferência, deve-se evitar o ultrapasse de bacias hidrográficas.

Esse traçado é também conhecido como a “estrada do burro” (não é o quadrado burro!), pois lembra os trajetos usados pelo transporte asinino, criado com praticidade, visto não existirem, na época, aparelhos topográficos modernos disponíveis. A tendência do animal é a de buscar deslocamentos confortáveis, devido à lei natural do menor esforço.

É certo que, nos anos oitenta, principalmente em Rondônia, as estradas começaram a ser planejadas com o uso de fotografias aéreas, interpretadas com o aparelho denominado estereoscópio, que permite a visualização aérea de uma área em três dimensões.

Inicialmente, se identificava a hidrografia da região, tendo como apoio as cartas geográficas da Diretoria do Serviço Geográfico do Exército - DSG e do Projeto Radam-Brasil. Assim, eram obtidos os divisores de água, por onde preferencialmente passariam as estradas. Também eram desenhadas as parcelas, com frente para a estrada e o fundo ou a lateral para as aguadas.

O tempo mostrou o acerto desse planejamento, em razão da vida útil apresentada pelas obras, bem como o seu baixo custo de execução e manutenção.

Adicionalmente, podiam ser escolhidas as áreas destinadas aos núcleos urbanos.


Hoje, com a disseminação das imagens de satélite, esse tipo de tarefa ficou bem mais fácil e precisa.

Entretanto, muitas estradas de projetos de assentamentos ainda são feitas a partir de desenhos elaborados por pessoas inabilitadas, com régua e esquadro, sem apoio de mapas, dentro de gabinetes. Isso devido ao imediatismo de dirigentes sedentos por apresentar metas políticas a seus superiores e ao público, com as mais inválidas desculpas, como a de que os assentados não gostam de parcelas em formas de polígonos, diferentes do quadrado ou retângulo, pois não conseguem identificar os limites de suas propriedades. “Como em todo o problema de desenho, não existe nenhuma receita que tenha validade absoluta”, afirma Juan Luis Mascaró em seu livro Loteamentos Urbanos. E acrescenta no contexto em que escreveu: “Como regra geral, deve-se escolher a posição e a direção de todas as ruas, de forma a ter declividade suficiente para escoar as águas da chuva. Para isso, obviamente, deverão ser posicionadas, cortando as curvas de nível”. (Pág.25)

A afirmação acima vale especificamente para loteamentos urbanos, pois as ruas, além de apresentar pavimentos impermeáveis, são acompanhadas por sistemas de captação de águas pluviais.

A receita não serve, de forma cega, para as convencionais estradas, em zonas rurais, chamadas de vicinais.

Mascaró faz análise semelhante em outro livro, Infraestrutura Urbana, lembrando que, para a infraestrutura que depende da gravidade (pavimentação, esgoto e drenagem pluvial), “a declividade do terreno (topografia) é muito importante para seu traçado e para o custo total da urbanização, que ela representa de 65% a 75% do custo total.” (Pág.182) Também na área rural, o planejamento das estradas deve ser feito com respeito à topografia e, também, representa um alto custo na implantação do assentamento, como já foi afirmado anteriormente. A par disso, mesmo que a taxa de motorização das famílias seja baixa, como o é tradicionalmente, a estrada é imprescindível para o deslocamento das pessoas e para a retirada da produção.

Continuando o que está contido no mesmo volume citado, diz o autor: “Como toda via urbana deve permitir o escoamento das águas da chuva de forma superficial, ela deve possuir uma declividade que sempre deverá ficar acima dos mínimos recomendados...”

E alerta: “Por outro lado, declividades exageradas produzem erosão... Ainda, as que ficam acima de 5% dificultam o tráfego de veículos, por isso que declives acentuados são admissíveis em vias secundárias.” (Loteamentos Pág. 105) Na lista de tipos de estradas apresentada pelo Engenheiro, consta um com pavimento do tipo “Pedrisco sem penetrar”, que parece ser assemelhado ao tradicional revestimento usado nas estradas vicinais dos projetos de assentamento. Para essas estradas, a declividade mínima vai de 0,6 a 0,8 %, enquanto, a máxima, de 6 a 8%.

Segundo as Normas do DNER para classificação funcional das vias urbanas (1974, p.4), a rede viária urbana é dividida em quatro sistemas específicos:

-   Sistema Arterial Principal

-   Sistema Arterial Secundário

-   Sistema de Vias Coletoras


-   Sistema Viário Local

No Manual Técnico para Estradas Vicinais, elaborado pelos engenheiros civis do INCRA, está descrito: “Para efeito de hierarquização da malha viária dos projetos de assentamento, ficam estabelecidos os seguintes padrões de estradas: Alimentadora e Penetração.”

“O padrão alimentadora será empregado nas vias principais dos projetos de assentamento, tais como os acessos aos núcleos comunitários, enquanto o padrão penetração será adotado nas vias secundárias ou de menor utilização.”

As características técnicas da estrada do tipo “Alimentadora” são os seguintes:

Faixa de domínio de até 30 metros;

Faixa de desmatamento de até 20 metros;

Plataforma com largura de até 9 metros para os casos de greide colado e de até 7 metros para o greide elevado;

Largura da pista de rolamento de 6 metros;

Revestimento primário em toda a largura e extensão da pista de rolamento, com 0,10 m de espessura mínima, depois de compactado, ou apenas em pontos críticos; Rampa máxima de 20%.

E a do tipo Penetração:

Faixa de domínio de até 30 metros;

Faixa de desmatamento de até 15 metros;

Plataforma com largura de até 7 metros para os casos de greide colado e de até 6 metros para o greide elevado;

Largura da pista de rolamento de 4 metros;

Revestimento primário em toda a largura e extensão da pista de rolamento com 0,10 m de espessura mínima, depois de compactado, ou apenas em pontos críticos; Rampa máxima sem limite.

“Independente do padrão a ser empregado, os serviços de construção deverão ser os mais simples e econômicos possíveis, especialmente os de terraplenagem, empregando-se o greide colado, salvo quando as condições topográficas não permitirem.” (Pág. 6)

As estradas, enfim, têm a importância da coluna vertebral em um assentamento, com todas as suas curvas naturais. Entretanto, deve ser levada em consideração a oportunidade de se fazê-las, principalmente em regiões de florestas.

Isso porque, em muitos casos de assentamentos fracassados, as estradas somente serviram para madeireiros retirarem as árvores de valor comercial. Em verdade, pagou-se caro pela destruição.


PARCELAMENTO

 

Em princípio, o tamanho de uma parcela rural deve ser aquele que permita a uma família sobreviver, usando da força de seus componentes ao longo do ano, com eventual ajuda ou contratação de terceiros. Naturalmente, isso pressupõe a geração de uma renda que mantenha um nível de vida digna a toda a família. Está implícito na afirmação o pensamento de que o essencial não está na forma, mas no objetivo de se resolver o problema social. De acordo com o Estatuto de Terra, a parcela deve se enquadrar no tipo da “propriedade familiar”. É, praticamente, um postulado.

Também em princípio, esse tamanho deve ser o resultado de uma equação que considere a qualidade do solo, o nível de conhecimento técnico dos agricultores, suas capacidades de investimento, a demanda dos mercados consumidores e outras variáveis conjugadas em um estudo normalmente denominado “modelo de exploração agrícola”.

Como o próprio nome diz, isso é apenas um modelo. No projeto, deve-se levar em consideração a natureza local. Por exemplo, se o modelo concluiu por parcelas de 15 ha e a região é montanhosa, uma parcela que contenha declividades acima das estabelecidas por lei precisa ter uma área total muito maior, para que sua área agricultável tenha os 15 hectares líquidos.

Também a disposição dessas parcelas deve ter uma correlação com as estradas e os núcleos urbanos, para evitar os insucessos do empreendimento em razão de grandes distâncias físicas aos serviços e às relações urbanas. A rigor, isso não deveria acontecer nos dias de hoje, se fossem considerados inúmeros exemplos, até de séculos passados, como os relatados por José de Souza Martins: “Uma outra implicação da desorientação inicial dos funcionários e colonos respeita à aquisição de lotes urbanos e rústicos. Ao que tudo indica, a intenção governamental era a de centralizar a vida do núcleo colonial numa espécie de aldeia, supondo assim transplantar ou proteger os padrões europeus de existência comunitária e instaurar aqui, assim, a pequena agricultura no estilo que lá se observava (daí a preferência por imigrantes do norte da Itália, nessa fase). Nesse caso, o imigrante deveria adquirir um par de lotes: um urbano e um rústico, como aliás ocorreu em São Bernardo. Houve mesmo uma tendência inicial em favor dos lotes urbanos: em São Caetano, no ano de 1879, achavam- se medidos e demarcados 26 lotes urbanos e 22 rústicos. Como no entanto, os lotes urbanos localizavam-se na sede da fazenda, para aproveitar a afluência dos caminhos e os edifícios já existentes (casa grande, capela, senzalas), deu- se que alguns lotes rústicos ficaram muito distantes da sede do núcleo colonial. Em 1900 um morador não podia prestar serviços ali devido à distância. Em São Bernardo, os colonos eram obrigados a permanecer ‘nos seus lotes rurais durante a semana, a fim de não perderem tempo com a ida e a volta do lote urbano para o outro, que fica um tanto longe’. Por isso, ao invés de associarem o lote urbano ao rústico, os imigrantes fizeram opções entre um ou outro. Os 43 lotes do núcleo de São Caetano estavam, em 1879, divididos por 35 famílias, das quais ‘três possuem simultaneamente lotes urbanos e rústicos; 15 preferiram urbanos, havendo cinco que ocupam dois prazos cada uma; e 17 estabeleceram- se em lotes rústicos. Em conseqüência, quase metade dos colonos ficou com terrenos de tamanho reduzido. Os lotes urbanos tinham 4.840 cada um, ou


0,484 ha, e os rústicos 151.250 cada, ou 15,125 ha. Sendo uma tarefa (12 x 12 braças igual a 696,96 m²) o que um homem pode trabalhar em um dia, vê-se que os lotes urbanos não foram medidos de maneira a absorver o trabalho de uma família durante o ano todo, não sendo assim possível retirar deles a subsistência. Em resultado, pouco depois, ‘algumas famílias possuidoras de lotes urbanos pretendem lotes rústicos, e outras requerem aumento dos lotes rústicos que ocupam para si ou para parentes que esperam da Europa’.” (Pág. 105)

O referido historiador aduz que todas as informações foram tiradas de relatórios, artigos de jornais e outros documentos da época.

Quanto aos “parentes que esperam da Europa”, até hoje, são comuns as reclamações de que as parcelas, mesmo as bem dimensionadas, não permitem a divisão no espólio ou na doação em vida, ou seja, não permitem que os filhos, quando crescidos e casados, tenham um pedaço dessa mesma terra para sobreviver.

Em resposta a isso, pergunta-se, com bom humor, se o propositor pretende o retorno ao tempo das capitanias hereditárias.

A afirmação de que uma tarefa é quanto um homem pode trabalhar em um dia deve ter levado em consideração o uso de equipamentos manuais e, talvez, tração animal. Embora não tenha sentido repetir o mesmo raciocínio, em muitos modelos de exploração agrícola destinados aos assentamentos de agricultores humildes, ainda hoje, a base de cálculo se faz considerando o uso de enxada, um dos instrumentos agrícolas mais antigos e ultrapassados da humanidade, praticamente banido na agricultura moderna, exceto para pequenos trabalhos pontuais.

Buarque também se reporta aos problemas de parcelamento de terras: “Escaparam dêste quadro apenas as regiões de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul em que foi instaurado o regime de ‘pequena propriedade’. Os colonos açorianos de Santa Catarina, na maioria agricultores pobres das ilhas, foram localizados em lotes pobres e mal distribuídos;...

‘Nesta Capitania’, relata o Marquês de Lavradio, ‘nunca os Governadores consideraram que deveriam repartir terras e estabelecer famílias que ùnicamente na Ilha (de Santa Catarina), não fazendo caso nenhum da terra firme, sendo ela quanto a mim a mais importante. A Ilha a repartiram por tal modo que todos ficavam desacomodados, porque na exceção de alguns poucos, aos mais deram porções de terras muito pequenas, e muitos ficaram ser ter nenhuma.” (Pág. 476) Não foi definido no texto qual o tamanho da pequena propriedade nem porque estavam mal ou bem distribuídas, mas, em seguida, houve uma comparação: “No Rio Grande do Sul, houve melhor distribuição dos lotes e, como havia maiores disponibilidades de terra, os colonos puderam aumentar mais fàcilmente as propriedades”.

Diretamente relacionada com o parcelamento e em atendimento à moderna legislação florestal está a decisão de se deixar reservas no interior das parcelas ou em uma única porção do assentamento, na forma coletiva, em bloco, como se costuma denominar.

A reserva coletiva, mais racional, tem a vantagem de permitir melhor refúgio para os animais, inclusive os polinizadores, essenciais para muitas atividades


agrícolas. Entretanto, a cultura brasileira ainda não está perfeitamente amadurecida para as ações cooperativas, o que dificulta a aceitação desse tipo de organização, bem como de sua manutenção, ou sua exploração, naquilo que permite a lei.

O projeto do parcelamento, das reservas e o projeto dos núcleos urbanos devem ocorrer simultaneamente, assim como os outros programas, conforme preconizava Camargo: “A orientação e a elaboração do Planejamento Urbano- Rural devem ser entregues a uma equipe técnica especializada: urbanistas, economistas, agrônomos, geógrafos, geólogos, sociólogos, engenheiros-civis, arquitetos, engenheiros-sanitaristas, médicos, advogados, assistentes-sociais, técnicos em educação, psicólogos etc.” (Pág. 7)

Peter Hall, em seu livro Cidades do Amanhã, vai mais além, tratando do significado da expressão "planejamento urbano": “Quase todos, a partir de Patrick Geddes, concordariam que o referido conceito deveria incluir o planejamento da região que circunda a cidade; muitos, novamente encabeçados por Geddes e a Regional Planning Association of America, ampliá-lo-iam, fazendo abarcar a região natural, ou seja, uma bacia fluvial ou uma unidade geográfica com cultura regional própria”.

O caso mais emblemático de planejamento urbano, em projetos de assentamento, foi o da Rodovia Transamazônica, relatado por Camargo, na publicação denominada Urbanismo Rural, que assim se define: “Estudando como dar ao campo os benéficos das cidades, chegamos à conclusão de que deveriam ser adaptadas ao meio rural as técnicas urbanísticas utilizadas na cidade, pois os problemas são os mesmos, diversificados apenas quanto à densidade demográfica e às atividades econômicas principais. Nessa adaptação chegamos ao ‘Urbanismo Rural’ ou ‘Planejamento Urbano-Rural’.” (Pág. 2)

É bom reforçar a ideia de que o homem, seja na área urbana, seja na área rural, tem as mesmas necessidades e, portanto, deve receber o mesmo tratamento, no que se refere ao atendimento de suas necessidades, compatíveis com a modernidade. Isso é preceito constitucional e humanístico.

Entretanto, de acordo com o nosso modo de ver, “urbanismo rural” não existe. O nome apresenta uma obvia contradição.

Já a denominação “planejamento urbano-rural” não apenas é mais adequada como corrobora a ideia de uma organização espacial que considera todo o universo trabalhado.

Isso fica mais explícito, inclusive, em parágrafo posterior do mesmo texto: “Urbanismo Rural ou Planejamento Urbano-Rural, (Ruralismo ou Ruralística) é o planejamento social, econômico e físico do meio rural, determinando o “zoneamento”, o “uso” e o “dimensionamento” das áreas rurais, tendo em vista os Recursos Naturais e a distribuição racional e seletiva dos Recursos Humanos necessários para criar e promover o desenvolvimento social, cultural e econômico das comunidades rurais.” (Pág. 7)

Um aspecto marcante desse trabalho foi a classificação dos núcleos urbanos: “Para melhor atender às necessidades sociais, culturais e econômicas do meio rural, idealizamos três tipos de ‘Urbs’ rurais: a Agrovila, a Agrópolis e a Rurópolis, formando uma hierarquia urbanística segundo a infra-estrutura social, cultural e econômica e tendo cada qual a sua função específica.” (Pág. 10)


Interessante e elogiável é notar que, na essência do planejamento, havia um forte respeito à educação, principalmente à das crianças, daí a razão das muitas configurações como a seguir: “A população da Agrovila varia conforme o tipo de escola a ser projetado. Este procedimento justifica-se porque não tem sentido projetar uma comunidade tão pequena que não possua um número de habitantes suficientes para que seja criada uma escola primária capaz de funcionar economicamente e em bases pedagógicas. A menor comunidade urbano-rural deve ser aquela que possa ter uma escola primária capaz de funcionar economicamente e em bases pedagógicas. Partindo da população infantil chegaremos à população total da Agrovila. O número de crianças em idade escolar (curso primário idade de 6 a 11 anos) corresponde, geralmente, a 12% ou 14% da população. Desta forma a Agrovila deverá ter de 500 a 1.500 habitantes, ou seja, 100 a 300 famílias. No entanto, na colonização da Transamazônica, em algumas Agrovilas, a população infantil escolar chega a ultrapassar a 60% do número total de habitantes. Desta forma, a primeira etapa de implantação de uma Agrovila pode ser planejada para mais ou menos 50 famílias, mas com previsão para futuro crescimento.” (Pág. 14)

Pelos números, nota-se que a proposta fica divorciada da realidade. Entretanto, a ideia de que é necessária uma população mínima para se implantar os serviços essenciais, vale para muitas outras atividades, como a saúde, o comércio etc.

Embora o estudo tenha perseguido a constituição de lotes rurais e, na verdade, para-rurais nas áreas urbana, para os agricultores e outros trabalhadores, isso apresenta        uma    certa                     contradição,  cuja                  discussão              fica   iniciada:   “Nessa concepção, cada colono possuía um lote de produção econômica e um lote urbano na Agrovila para residência e agricultura de complementação de subsistência. Entretanto, quanto mais evoluído o processo de exploração agrícola ou pecuária menos os colonos têm necessidade de praticar a agricultura de complementação de subsistência, isto porque num estágio econômico mais adiantado existem os lotes rurais econômicos de produção intensiva, o que aumentará a produção por ha, a produção por investimento e tornará mais baixo o custo dos produtos agrícolas ou pecuários. Por exemplo, um colono que se dedica à produção econômica e intensiva de “citrus” ou à exploração de agricultura florestal ganhará o suficiente para seu sustento, sem necessitar de lavoura para sua subsistência ou de criar galinhas, porque os outros colonos que se dedicarem ao plantio de feijão, arroz, batata, etc., (em grande escala) e à criação intensiva de galináceos podem lhe vender seus produtos por preços inferiores ao custo de uma produção doméstica, de fundo de quintal.” (Pág. 14) no final do trabalho, percebe-se que o chamado planejamento urbano não passa muito da condição de um modelo conceitual, aproximando-se muito do citado “quadrado burro”, em razão da descrição: “Cada Módulo de Colonização tem formato retangular, com a base de mais ou menos 50 km, paralelamente ao eixo da rodovia Transamazônica e os lados de mais ou menos 14 km, situados perpendicularmente à estrada, penetrando nas margens em direção ao interior.” (Pág. 27)

Modelos conceituais não são estranhos ao mundo do urbanismo e, para essa confirmação, basta a lembrança das cidades-jardins. Na verdade, os erros cometidos foram o de considerar o desenho conceitual como planejamento e a decisão de implantá-lo a fórceps. Assim, os problemas descritos no caso das


estradas se repetiram quando do parcelamento e do desenho urbano, principalmente nos arruamentos.

Como ilustração, podemos citar um modelo de sapato, de conceito respeitável no mundo da moda. Ele pode até servir para um determinado tamanho, por coincidência, mas certamente não servirá para os demais tamanhos de pés. Sobre o urbanismo em áreas rurais, são muitos os que defendem a ideia de algo específico, dirigido para uma realidade que, aparentemente, é diferente da realidade urbana.

Claro, diferenças em razão das diferentes densidades, dos tipos de produção também diferentes, como há diferenças entre cidades de grande porte e de pequeno porte, com características rurais. Porém, no caso de planejamento de núcleos urbanos, estejam esses onde estiverem, os estudos devem se amparar nas mesmas técnicas urbanísticas conhecidas e aceitas, considerando-se, obviamente, as peculiaridades locais.

É o caso da lembrança de Camargo: “Nenhum centro urbano pode ser atravessado por uma estrada. Quanto maior o centro urbano, mais afastado deve estar das rodovias.” (Pág. 27)

Isso pode parecer simplório, mas ocorreu muito nos projetos de assentamento sem planejamento adequado, nos quais surgiram núcleos urbanos espontâneos ao longo de suas estradas. Logo, as aglomerações se desenvolveram nos dois lados da futura rodovia, o que passou a exigir altíssimos investimentos em viadutos, túneis, passarelas, após o custo humano de pessoas acidentadas por atropelamentos ou choques de veículos.

Apenas como ponto de reflexão, é interessante observar que, no caso dos projetos de núcleos urbanos, mesmo elaborados por profissionais, o cemitério sempre é item esquecido, assim como o estabelecimento de locais para casas de tolerância, os prostíbulos. Vale um estudo sobre essa razão! Mas aqui não é o lugar para se discutir as técnicas urbanísticas, pois seria um aprofundamento desnecessário e repetitivo de outros estudos mais apropriados.

De fato, o importante é estabelecer que, a par de existirem aspectos típicos em cada um dos milhares de projetos de assentamento espalhados por todas as regiões do país, ainda considerando essa heterogeneidade, pode-se afirmar que a maioria deles seguiu o padrão de um parcelamento com propriedades individuais, com reservas florestais internas, estradas sem planejamento satisfatório e sem urbanização minimamente aceitável.

Isso não significa que tais áreas continuam apresentando esses vícios até hoje, pois boa parte perdeu a vocação agrícola e se urbanizou, ou mudou das mãos dos assentados para as de empresários, ou se tornou um conjunto de sítios de recreio; enfim, houve intervenções que não podemos afirmar, conclusivamente, se foram positivas ou negativas, do ponto de vista econômico e social. Há estudos científicos favoráveis e desfavoráveis, geralmente muito influenciados por convicções ideológicas. E, por isso, perdem muito a credibilidade, se o seu objetivo não é anunciado de forma clara.


ASSENTAMENTO TRADICIONAL

 

A organização física dos assentamentos é induzida pelos valores culturais de seus mentores.

Esses valores tradicionais vão desde o romantismo de se ter sítios de recreio, quando se sonha reunir os amigos para um churrasco no fim de semana, criar animais de estimação, despertar com o canto do galo, até o mais arraigado sentimento da propriedade individual ou familiar.

Na verdade, o desenho loteador tradicional, que privilegia as propriedades individuais, característico da maioria dos assentamentos, quase uma camisa de força, muitas vezes carrega aspectos indesejáveis para o sucesso do empreendimento, para o uso racional do espaço, para a felicidade de seus moradores, para atendimento ao interesse público.

Quando se fraciona uma área, a perda do espaço útil cresce de forma inversamente proporcional ao quociente da divisão.

Para exemplificar, vamos tomar dois sítios, um com 100 hectares e 5.000 metros de perímetro (2.000m x 500m), outro com 25 hectares e 2.500 metros de perímetro (1.000m x 250m).

Se, no primeiro, for feito o habitual acero, que é a limpeza do solo ao longo das cercas, por todo o perímetro, com largura de um metro, a perda de área útil será de 0,5%.

No caso do segundo, o mesmo costume redundará em uma perda de 1%, o dobro.

Em uma parcela, isso pouco significa, mas, em milhares delas, a área que deixa de ser produtiva se torna lamentável. Entretanto, não seria essa variável tão comprometedora se não estivesse aliada a outras.

Uma residência localizada em uma parcela não é compacta. Ela necessita, além do edifício, de uma área também acerada, o conhecido terreiro, para evitar a aproximação de animais nocivos ao homem, mormente os peçonhentos. Dificilmente se encontra uma casa rural rodeada por forrações por conta disso. Essa área, mesmo em pequenas propriedades, pode ultrapassar facilmente os

1.000 metros quadrados.

Some-se a isso os caminhos e estradas, as áreas mal ocupadas por falta de orientação técnica, as ocupadas por árvores de porte, mesmo frutíferas, como as mangueiras sem finalidade comercial, cujos custos, de ocupação, ultrapassam os benefícios, e ter-se-á uma perda significativa de área que poderia ser destinada à agricultura ou pecuária.

Em sua monografia, denominada ““Avaliação do Processo de Implantação de Assentamentos Rurais no Entorno do Distrito Federal”, Valéria Andrade Bertolini lembrou que, “No censo agropecuário do INCRA de 1996, a distribuição das formas de exploração dos beneficiários constava de 86,59% individual, 8,03% mista e 5,38% coletiva. (Pág. 46)

E, sobre o objeto principal de seu trabalho, o Assentamento Menino Jesus, localizado no município de Unaí, em Minas Gerais, registrou que nos 935,6809 hectares de sua área, há 29 parcelas com aproximadamente 19 hectares cada. A média da área plantada nas parcelas era de 3,8 ha, da área para pecuária era


de 9.04 ha e 9,58 ha de área apenas desmatada para plantio, o que pode ter ocorrido ou não (Pág. 99). Esses dados se referem a um momento após 6 anos da criação do projeto.

Em conta simples, observa-se que pouco mais da metade das áreas são utilizadas para a agropecuária e, certamente, com baixo grau de produtividade. O fato de ser um assentamento com propriedades individuais mal administradas, por conta do nível social e econômico de seus proprietários, não é a única razão para o insucesso.

Outros problemas são as diferenças de condições dos lotes, no que respeita à distância dos serviços urbanos (estando esses na área comunitária do assentamento ou em cidade próxima), acesso às aguadas, qualidade dos solos etc.

Alguns desses óbices também foram detectados na tese citada: “Apesar de o assentamento se encontrar cercado por mananciais, a dificuldade de acesso à água envolve a maioria dos lotes. As principais dificuldades existentes correspondem à distância dos mananciais, qualidade da água, pequena vazão e falta de energia para a colocação de bombas e motores.” (Pág.139).

Por conta desses aspectos, surgem conflitos entre os assentados, como também informou: “Os moradores dos lotes 20 e 21 - de famílias da região - barram o acesso à água da nascente ao morador do lote 22 - devido a pequena vazão - mas liberam-no a seu parente do lote 17, exercendo domínio político sobre o espaço e a água.” (Pág. 138)

E acrescentou ainda que “Entre as dificuldades enfrentadas pela distância, a moradora do lote 26 encontra-se isolada dos parentes – durante a entrevista alegou se sentir só e sem vizinhos para conversar. No caso da família de Veredão Campinas (lotes 13, 27 e 28), o pai (lote 13) passa mais tempo no lote dos filhos, deixando o seu lote subutilizado.” (Pág.137)

Ainda tratando das desigualdades na distribuição das terras em geral, no caso de regiões com madeiras comerciais, ocorrem parcelas com muitas espécies caras, verdadeiras minas de ouro, e outras completamente desmatadas. Com o desuso de área útil, todos perdem, pois a construção e manutenção da infraestrutura destinada ao apoio da produção, como as estradas, os armazéns, as feiras livres, são pagas pelos recursos públicos. A contrapartida desse investimento e desse custeio tem que ser a produção regular, o que não acontece.

É evidente também que a propriedade individual é presa mais fácil da especulação imobiliária. Todos sabem que há uma rotatividade indesejável na posse das parcelas dos assentamentos e isso não pode ser evitado por leis, decretos ou campanhas educativas. Quando há vontade das duas partes, a dos compradores e a dos vendedores, a transação é inevitável. Como resultado, a finalidade social se perde e voltam a aparecer as grandes propriedades, cujas partes são adquiridas por pequeno preço, apesar de a desapropriação, muitas vezes, ter sido feita a peso de ouro.

A perda de área útil ocorre também fora das parcelas, a começar da necessidade de muitas estradas e de núcleos urbanos.

No caso do Assentamento Menino Jesus, há dois núcleos, sobre os quais Bertolini fez as seguintes considerações:


“Bem localizada, com água e estruturas da antiga fazenda, a área da sede, desde a época de acampamento, estava definida como área coletiva de todas as famílias. Situada num local central, de fácil acesso a todos os lotes e à água do córrego Vereda da Cobra, possui duas construções da antiga fazenda, a casa sede e uma casa de caseiro, que podem ser utilizadas para atividades que beneficiem todas as famílias. Porém, no parcelamento, foram deixados apenas 2ha. de área coletiva. Mais da metade das famílias do grupo 2 considera a área quadrada e pequena”. (Pág. 147)

“A área comunitária do núcleo de moradias pertencente ao grupo 1 foi definida com a implantação do núcleo. As famílias do grupo discutiram com os técnicos a forma, tamanho e localização da área. Fixada em local central (onde o cerrado estava desmatado), retangular, com 4ha. e de fácil acesso às famílias do grupo

1. Sua implantação seguiu a lógica de núcleo de moradia, no centro a área comunitária com as casas (situadas nos lotes) ao redor. No local, atualmente, um campo de futebol improvisado e uma construção provisória, onde as famílias se reúnem, além dos tubos do poço artesiano.” (Pág. 148) A expectativa das famílias, no que respeita ao conteúdo desses núcleos, fica por conta de necessidades reais e de vontades diversas, muitas vezes de difícil consecução: “As demandas apresentadas pelas famílias durante a entrevista para as duas áreas são: a construção de posto de saúde, igreja, telefone, escola, local para reuniões, horta comunitária, horto medicinal, campo de futebol, área de lazer, áreas de plantio comunitário, máquinas e locais para beneficiamento da produção e o “embelezamento” das áreas. O único elemento que difere é a discussão de um curral para festas de vaquejada e rodeio na área da sede (proposta das famílias do grupo 2 visando a obtenção de recursos para o grupo), mas as próprias famílias admitem que a área da sede é pequena para tanto.” (Pág. 149)

Obviamente, se for atendida a vontade das famílias, a infraestrutura e as construções serão onerosas, tanto na execução quanto na manutenção, bem como terão alto grau de ociosidade. Se não forem atendidas, haverá alto grau de frustração social.

E, também preocupante, como existem muitas áreas reservadas para construções públicas e comunitárias, sem recursos para realizá-las, o desperdício dos espaços agrava-se.

A propósito, embora seja importante escutar os beneficiários, durante o processo de planejamento, isso deve ocorrer de forma cautelosa, de modo próximo ao que Camargo propôs: “Os Planejadores devem auscultar os camponeses sobre seus problemas e suas aspirações, mas a participação campesina na Planificação deve ser relativa para não se tornar instrumento de políticas demagógicas. O cirurgião quando trata de um paciente não vai se informar com este sobre a técnica operatória, porém irá utilizar seus conhecimentos para curá-lo. A equipe de Planejamento deve proceder como os médicos, auscultando os colonos, diagnosticando as causas de seus males e oferecendo tecnicamente as soluções adequadas.” (Pág. 8)

Por conta de custos, face à baixa densidade demográfica, o saneamento básico também é de difícil implementação e, sobre isso, recorremos novamente ao testemunho da autora que tratou do Assentamento Menino Jesus: “O assentamento é um exemplo da dificuldade de realização de saneamento no


meio rural, com 52% das famílias sem destino adequado para os dejetos sanitários e o restante, 48%, empregando o modelo rudimentar de fossas secas. A falta de água encanada é fator que dificulta a utilização de pia, tanque e, principalmente, do vaso sanitário.” (Pág. 149)

De seu estudo, conclui o que serve para a maioria dos assentamentos tradicionais: “Sendo um pequeno assentamento de reforma agrária, cercado de grandes fazendas, distante da sede do município e/ou outro centro consumidor, sem transporte para escoamento da produção, o Assentamento Menino Jesus encontra-se atualmente fadado à subsistência.” (Pág. 149)

E percebe-se, ainda, outro aspecto que pode também ser generalizado: “Aliado ao sustento que se obtém do lote, os recursos para manutenção da família – a renda são obtidos por meio de fontes externas como aposentadoria ou aluguel (17%) e o desenvolvimento de atividades fora da parcela (73%); poucas famílias conseguem se manter apenas do lote (10 %).” (Pág. 178) Como aspecto positivo, se tem a impressão de que as ideias do cooperativismo crescem entre os agricultores de baixa renda: “Durante o questionário, assentados levantaram a necessidade do desenvolvimento de atividades cooperadas, como a aquisição de maquinário para beneficiamento da produção, roça e horta coletivas, compartilhamento de pasto e outros. (Pág. 169).

Maria Cândida Teixeira de Cerqueira, em sua monografia A Assistência Técnica nos Habitats do MST e o Papel do Arquiteto e Urbanista”, descreve um dos assentamentos por ela estudado, o Eldorado dos Carajás, no Rio Grande do Norte: “A área do assentamento compreende cerca de 880,66 ha. Deste total, 187,15 hectares (equivalente a 20%) são destinados à área de reserva legal. Outros 70 hectares representam a área de preservação permanente dedicada ao rio Pitimbu, que corta parte da extensão do assentamento. A esta, somados mais 20,40 hectares, correspondentes aos demais elementos naturais, chega-se à área de preservação permanente total, sendo igual a 90,40 ha. Existem também a linha de transmissão elétrica da CHESF e o gasoduto da Petrobrás, cada qual abrangendo uma faixa de domínio com área aproximada de quatro hectares. No mais, 65,27 hectares equivalem à área coletiva, dividida em dois trechos, e 16,74 hectares à agrovila. As estradas internas equivalem a 16,60 hectares. O quantitativo restante, 505, 83 hectares, encontra-se distribuídos em 80 lotes de 6,32 hectares cada, destinados à produção agropecuária desejada.” (Pág. 105)

A área coletiva significa 0,8 ha por família, ou seja, pouco mais de 10% da propriedade familiar total. É um tipo de propriedade mista, mas não tão mista assim.

“A produção agropecuária no assentamento se volta para a subsistência das famílias, tendo destaque o plantio de mandioca e criação de animais de pequeno porte. Para tanto, os assentados utilizam o lote de trabalho, complementando com o quintal do lote de moradia.” (Pág.106)

Conta-nos a autora sobre os lotes residenciais localizados na chamada Agrovila. “As dimensões dos lotes correspondem a 30m x 60m, espaço que a maior parte dos assentados utiliza com plantio e criação de animais para subsistência, além da moradia. A maioria dos lotes, no entanto, ainda apresenta espaço livre.” (Pág. 108)

Essa situação foi fotografada após dez anos da criação do Assentamento.


Aduz, a Arquiteta: “Em sua maior parte as habitações foram construídas com material de baixa qualidade, o que pode ser constatado pelos problemas estruturais, como rachaduras e trincas nas paredes e piso, além de problemas nas esquadrias e madeiramento do telhado” (Pág. 109), confirmando a incompetência dos órgãos governamentais no trato da questão.

Sobre os equipamentos comunitários, foi dito: “No assentamento os equipamentos sociais de uso coletivo existentes são: Igreja Evangélica Assembléia de Deus; Igreja Adventista; Igreja Católica; campo de futebol; agroindústria; cocheira adaptada como local de reunião e casa sede. Com exceção dos três primeiros, os demais correspondem a elementos edilícios remanescentes da antiga fazenda.” (Pág. 111)

Se, em inúmeros casos, os projetos de assentamento demonstram ser antieconômicos, por falta de estudos que considerem custos e benefícios, a implantação de núcleos urbanos em suas áreas tornam a ação mais inconsequente ainda.

Isso em razão de que um assentamento pode necessitar apenas da terra, estradas vicinais e demarcação topográfica, enquanto uma cidade, mesmo pequena, vai demandar toda uma infraestrutura urbana (asfalto, redes de água, de esgoto, de iluminação pública), com preço muito acima do gasto com o assentamento inicial.

Outro aspecto a ser considerado nesse modelo tradicional é o da atração que a cidade exerce sobre os indivíduos, no mesmo sentido da expulsão que projetos mal planejados e mal executados induzem a essas migrações.

Camargo exemplifica: “Em 1956, estudando as causas do fracasso de antigos Núcleos Coloniais Oficiais, notamos que os colonos que se retiravam dos Núcleos, não eram os mal sucedidos mas, pelo contrário, os que progrediam financeiramente e que desejando também progredir socialmente mudavam-se para uma cidade, comprando um bar ou montando qualquer negócio que lhes possibilitasse viver em ambiente mais adiantado, onde encontrassem meios de proporcionar melhor educação e instrução para seu filhos.” (Pág. 2)

Sua avaliação desse comportamento migratório tinha o seguinte componente: “Observa-se esse ‘isolacionismo’ nas populações rurais mais atrasadas, enquanto até mesmo o índio, compreendendo o valor da vida em sociedade, procura se agrupar e construir suas tabas que são as “comunidades” indígenas. Entretanto, a Urbanização Rural poderá beneficiar também a classe rural menos favorecida, erradicando-a do isolacionismo e procurando integrá-la na faixa produtiva da nação. Mas, superar a decadência de muitas décadas é tarefa difícil, principalmente com relação à população adulta, além do que há indivíduos incapazes por deficiências pessoais, as quais devido à vida segregada tendem a se agravar.” (Pág. 5)

E concluía: “Pode-se medir o grau de desenvolvimento de um povo pela taxa de urbanização que possui.” (Pág. 24)

Aceita como verdade a afirmação acima, os assentamentos tradicionais são vetores que perpetuam o subdesenvolvimento da realidade rural, caso outras variáveis não os tire dessa condição.

Outra razão para se ter o desenho tradicional nos assentamentos é a interpretação equivocada do conceito de agricultura familiar.


A briga filosófica na área dos problemas fundiários brasileiros, que pouco ou nada interessa à população urbana - maioria na atualidade demográfica de nosso país - se entre os defensores do agronegócio e os da agricultura familiar.

O agronegócio é acusado de destruir grandes extensões da natureza, de usar excesso de pesticidas, de desviar indevidamente as águas para irrigação, de plantar sementes transgênicas, de gerar pouquíssimos empregos, de desprezar a importância de produzir alimentos para o povo brasileiro, gerando apenas “commodities”.

A rigor, afora os problemas ambientais, que podem ser evitados mediante a aplicação dos conhecimentos, a produção em escala é desejável, desde que planejada e organizada, restando apenas o principal dos problemas: a má distribuição da renda. Ilustrando, no agronegócio atual, uma família fica milionária e centenas morrem de fome.

Para se contrapor a esse modelo, muitos defendem ardorosamente a chamada agricultura familiar, que também tem seus traços negativos.

O grande universo das pequenas propriedades familiares apresenta alguns aspectos incômodos. Em muitas, os atuais ocupantes vivem como seus tataravôs, em uma economia de subsistência, que não permite a evolução econômica e social de seus membros.

Em muitas, também, as crianças vão para a lida nas lavouras, junto com os pais, perdendo dias preciosos de sua infância e de ensino nas escolas. Os adolescentes, imprescindíveis para a força de trabalho familiar, perdem seus anos dourados e, também, chances de evoluir nas muitas outras atividades humanas.

Embora as pequenas propriedades tenham, geralmente, uma produção agrícola diversificada, sempre estão sujeitas às imposições de mercado, sendo comandado por intermediários ou mesmo por indústrias que estabelecem os preços para os produtos que adquirem. É o caso dos laticínios, dos abatedores de animais, das indústrias de tabaco etc.

Eli da Veiga, no artigo Fundamentos do Agroreformismo, da coletânea História Rural e Questão Agrária, cita Gleen Johnson, um economista estadunidense, que pretendia sepultar a agricultura familiar, em favor da agricultura patronal: “Por um bom tempo o povo deste país esteve preocupado com as substituições das carinhosas mercearias por frias cadeias de supermercados. No entanto, os velhos quitandeiros foram finalmente substituídos (mesmo que não inteiramente) pelos gerentes e funcionários de modernos hipermercados. Tendo em vista que a fibra moral e outros aspectos da sociedade americana não foram alterados por essa transição, não se pode concluir, a priori, que a sociedade americana seria necessariamente prejudicada por uma reestruturação de nossa agricultura que colocasse a produção nas mãos dos grandes fornecedores de insumos, processadores, distribuidores ou das corporações. Na verdade, esse tipo de reestruturação poderia significar, simplesmente, que o trabalho agrícola viria a ter retornos compatíveis com aqueles que são captados pelo resto da economia. Se isto vier a acontecer, esse tipo de reestruturação – da mesma forma que o abandono das queridas mercearias pode constituir uma boa coisa”.

Com propriedade, Eli da Veiga mostrou que o estímulo do governo à agricultura familiar ocorreu em vários países, inclusive nos Estados Unidos, nas últimas


décadas, o que é uma medida acertada para os tempos modernos, tanto no sentido de política econômica, como de política social.

Entretanto, nas entrelinhas do discurso de Gleen Jonhson, algumas verdades incontestes, como o fato de que toda sociedade busca o progresso e isso, muitas vezes, significa mudanças.

Se conjugarmos a importância do progresso, da evolução da sociedade, no caso, mediante o aumento da produção e da produtividade no campo, com a imperiosa obrigação de se diminuir a miséria ou a pobreza dos agricultores brasileiros, uma opção pode estar no equilíbrio entre as opiniões, com a criação de algo como um “agronegócio familiar”.

Nada espetacular! Seria a ocupação das terras ociosas do mesmo jeito, mas com mais profissionalismo e melhor visão de futuro, banindo para sempre do cenário brasileiro a figura do Jeca Tatu, personagem emblemático de Monteiro Lobato.


OPÇÃO AO ASSENTAMENTO TRADICIONAL

 

"Quem quiser fazer uma torta de maçã, partindo da estaca zero, primeiro, precisa criar o universo."(frase atribuída a Carl Sagan)

 

Uma opção ao assentamento tradicional pode ser identificada a partir das tendências da história moderna.

Não é nenhum absurdo afirmar que o homem é um animal gregário e que a urbanização é um processo crescente e irreversível.

Também não é absurdo afirmar que a tendência das produções humanas é a de obedecer ao princípio da especialização, pela absorção dos conhecimentos e das técnicas modernas.

Pode-se até dizer que a arte é a exceção que confirma as regras gerais, pois essa não obedece a nenhuma lei, em seu universo de liberdade absoluta.

Outro princípio a ser observado é o da prevalência do aspecto coletivo sobre o individual, visto que o primeiro protege o segundo. O contrário não é verdadeiro, embora em nenhum dos dois casos a verdade seja absoluta.

Com base nesses pressupostos, pode-se estabelecer alguns passos para racionalizar a criação de assentamentos rurais, não como um novo modelo, mas como um rearranjo do que se costuma fazer, para se ter coerência com a frase em epígrafe.

Obviamente, a primeira condição é a de se ter o melhor domínio possível do ambiente a ser tratado, ou seja, em palavras de hoje, elaborar o diagnóstico ambiental, o relatório de impacto ambiental, ou qualquer nome que venha a substituir a ação.

Esse estudo envolve muitas variáveis e tem se mostrado impraticável devido à grande quantidade e pulverização dos assentamentos pelo território nacional, à burocracia para a contratação de empresas especializadas, à urgência exigida pelas famílias já acampadas na área a ser desapropriada e ao desprezo que os dirigentes públicos em geral dispensam à matéria.

Uma inspiração pode vir do conceito de “área prioritária para a reforma agrária”, qual seja, assim que fosse identificada uma microrregião homogênea com potencial de propriedades passíveis de obtenção, toda ela seria objeto de um diagnóstico, um trabalho em escala. Como suas características são semelhantes, poucos seriam os aspectos exigentes de detalhamento nas áreas eleitas para arrecadação, desapropriação, aquisição.

Além de atender à legislação e à boa técnica, o trabalho certamente serviria como adiantamento ao modelo de produção agrícola, ao planejamento físico do empreendimento etc.

Não é necessário lembrar que o bom-senso deve prevalecer. Não teria sentido fazer um estudo desses em uma microrregião de dezenas de milhares de hectares, cujo potencial de desapropriação não ultrapassasse uma centena de hectares.

Paralelamente a isso, um estudo socioeconômico da região seria bem-vindo também, para apoiar a elaboração do modelo de exploração agrícola e para o


planejamento das medidas de inclusão social das famílias, novas e antigas, em seu novo habitat.

Decididas quais as áreas deveriam ser objetos de assentamentos, uma observação definidora seria a da análise das distâncias às cidades ou vilas próximas.

Para efeito de exemplos, vamos estipular dois casos extremados: uma área distante mais de cem quilômetros de uma cidade que ofereça razoáveis serviços públicos e outra que esteja a menos de 30 quilômetros de um núcleo urbano, mesmo que esse disponha de serviços incipientes.

O primeiro caso é clássico da colonização e vai exigir a construção de um núcleo urbano para apoiar as famílias dos agricultores. Como já foi dito, essas cidades devem ser planejadas e executadas de acordo com as técnicas urbanísticas usadas em quaisquer outras, considerando as peculiaridades da região e de sua provável alteração.

Uma vantagem da construção de uma cidade é que o investimento beneficia não apenas aos assentados rurais, mas a uma quantidade de famílias muito maior que residirá e prestará serviços na área urbana. Complementarmente, será um mercado consumidor próximo aos produtores rurais.

Para outro exemplo dentre centenas, podemos citar o município do Lucas Rio Verde, no Mato Grosso, que surgiu de um assentamento para 200 famílias e hoje conta com aproximadamente 50.000 habitantes.

No segundo caso, mais típico da reforma agrária, comum em regiões adensadas, não a necessidade de novos núcleos de apoio.

Em princípio, núcleos comunitários exclusivos para as famílias assentadas não devem existir, pois são deficientes e não apresentam perspectiva de bom futuro. É preferível estruturar melhor uma cidade próxima, para receber as residências das famílias dos agricultores, estendendo, assim também, os benefícios para os demais moradores.

Portanto, em vez de toda a família se deslocar de sua morada solitária, para estudar, trabalhar em atividades não rurais, para assistência à saúde, para o lazer etc., como ocorre nos assentamentos tradicionais, apenas a força de trabalho, normalmente o chefe da família, ou a chefe da família, se deslocará para seu local de trabalho: a área rural. Um transporte simples resolve o problema, o que é muito mais econômico do que construir uma infraestrutura urbana de porte para poucas pessoas.

No Estado de São Paulo, pessoas que moram a cem quilômetros de seu local de trabalho e para se deslocam todo dia, de manhã, voltando à tarde para sua casa, de ônibus ou em veículo próprio, por autoestradas de excelente qualidade. Nas empresas em que trabalham, existem refeitórios ou restaurantes, áreas de lazer e descanso, ambulatórios para primeiros-socorros, ou seja, apoio para que o trabalhador fique no local por mais de oito horas. Trinta quilômetros, ou mais, é distância normal de deslocamento para o trabalho, na maioria das capitais brasileiras, geralmente com desconforto e grande gasto de tempo, por conta dos péssimos meios de transporte público existentes em praticamente todas elas.

Semelhantes a isso, há muitos plantadores de soja, associados a cooperativas agrícolas, que moram em metrópoles e aparecem em suas propriedades uma ou duas vezes ao ano, apenas para a contratação de serviços. Assim também são


os que arrendam suas terras para o plantio da cana-de-açúcar e passam anos sem ver de perto seu patrimônio.

Tomando-se como referência o assentamento estudado por Bertolini, vemos que “encontra-se a 918 km de distância de Belo Horizonte, a 268 km de Brasília e a 88 km da sede do município. Localiza-se no Distrito de Garapuava, ao lado do lugarejo denominado Chapadinha. As ‘zonas urbanas’ mais próximas são: Chapadinha (2km), Cabeceira da Mata (12 km) e Garapuava (28 km).” (Pág. 79). Mais adiante, acrescenta: “Todas as crianças em idade escolar vão à escola. Estudam em Chapadinha ou em Garapuava, sendo transportadas em ônibus escolar da Prefeitura de Unaí.” (Pág. 104)

Se as crianças podem se deslocar diariamente, podem muito mais facilmente os adultos.

No outro caso citado, Teixeira de Cerqueira registra: “A RN 160 é a principal via de acesso ao assentamento. Partindo da cidade de Macaíba e percorrendo 8km nesta RN, chega-se à sua entrada principal. Já a distância total de Natal ao Eldorado dos Carajás corresponde a, aproximadamente, 30 km, percorridos em toda a sua extensão em estrada asfaltada de boa procedência.” (Pág. 104) A proposta de as moradas das famílias de agricultores acontecerem em cidades, nesses e em outros muitíssimos outros casos, é, portanto, perfeitamente factível. Isso vem a calhar com a ideia de Mascaró, ao tratar de cidades polinucleares, que apresentam maior economia em infraestrutura: “Morar em pequenas cidades que formem parte de grandes redes parece ser o futuro, pelo menos entre os países ditos desenvolvidos.” (Infraestrutura Urbana Pág.182)

Ainda pensando sobre distâncias, a proximidade exagerada de um núcleo urbano também é perigosa, pois a área rural pode se tornar objeto de especulação imobiliária, pela sua transformação em loteamento urbano.

O parcelamento, ou não parcelamento, pode ser desenhado como aventado por Cardoso: “Seria, portanto, mais lógico se partíssemos para a utilização dos lotes rurais econômicos na forma de pequenas e médias empresas, adotando-se seleção rigorosa para os novos proprietários a fim de que seja alcançado maior rendimento por ha e criadas comunidades mais evoluídas. Pode-se também planejar a Colonização na base da grande empresa rural de exploração coletiva. (Pág. 24)

No caso do aproveitamento de toda a área como uma empresa cooperativa, as vantagens seriam muitas, em razão da maior área útil e da economia com a utilização de uma agricultura moderna, além da continuidade das áreas de proteção ambiental previstas em lei.

Se a área for demasiado extensa, pode-se ter vários condomínios, considerando grupos de candidatos com certa afinidade de relacionamento e cultura.

Importante ressaltar, mais uma vez, que a propriedade em condomínio dificulta a comercialização da terra por motivos meramente especulativos, voltando-as mais para a desejável produção.

Certo que, primeiramente, é fundamental os agricultores receberem cursos de capacitação voltados não apenas para as técnicas agrícolas a serem adotadas, como para a vivência com o cooperativismo, administração do empreendimento, comercialização de  produtos etc. Com o patrocínio do Governo ou com o


empenho dos movimentos sociais, ou ambos, o sucesso é perfeitamente possível.

uma forte tendência, entre os técnicos que militam na área, a acharem que o modelo deve ocupar toda a mão-de-obra familiar, por todo o tempo. Talvez isto seja um resquício do antigo comportamento da elite ruralista, que sempre tentava tirar o maior proveito possível da escravidão.

Isso não é correto, pois os objetivos maiores devem ser a autonomia financeira dos beneficiários, independentemente de quantas horas trabalham por dia, e o retorno do investimento à sociedade, na forma da produção, como já foi dito. Ainda assim, é possível mesclar atividades típicas do que se chama agronegócio, como as plantações de soja, de cana-de-açúcar, pecuária etc., e outras que exigem cuidados pessoais intensivos, como hortas, pomares, criação de pequenos animais, produção de flores etc.

No que diz respeito à habitação das famílias, o gasto apenas será transferido para a área urbana, com vantagens de sobra, por conta do aproveitamento da infraestrutura existente, além dos serviços públicos e particulares.

Evitar redes de estradas e outras obras não significa a ausência da infraestrutura na área rural, visto serem necessários edifícios, ainda que rústicos, para servirem como galpões, silos, sedes administrativas, refeitórios, ambulatórios para primeiros socorros, ambientes de descanso, lazer, guaritas de segurança e outros.

Eventualmente, poderão ser instaladas indústrias para o beneficiamento da produção no próprio local, se conveniente. A dúvida contida no verbo reside no fato de existirem produtos que, devido à economia de transporte, ou outras razões, devem sofrer a transformação em pontos mais próximos ao mercado consumidor.

A reforma agrária busca combater os latifúndios e os minifúndios, estes com áreas tão pequenas, a ponto de não permitirem que delas as famílias tirem seus sustentos. O rearranjo aqui proposto serve para ambos os casos. Entretanto, considerando que são as regiões tradicionais as que mais apresentam minifúndios, assim como, teoricamente, mais famílias preparadas para trabalharem na forma cooperativista, a essas, a aplicação pode ser mais adequada.

No mesmo caminho, a proposta se presta perfeitamente tanto para os projetos implantados, como para aqueles em implantação.

E considerando, ainda, que a colonização vai buscar as últimas fronteiras agrícolas do planeta, destruindo os últimos biomas existentes, desejável é que o uso do que já foi destruído seja aproveitado da forma o mais intensa possível. Eduardo Paulon Girardi, em seu Atlas da Questão Agrária Brasileira, demonstra a correção dessa assertiva: ”Vejamos o que podemos concluir da dinâmica geral de apropriação de novas terras e o uso das terras no Brasil. Em 1998 havia na Amazônia Legal 55,8 milhões de hectares de terras exploráveis não exploradas; segundo os dados do INPE, de 1998 até 2007, foram desflorestados na região 54,5 milhões de hectares (terras inexploráveis que se tornaram exploráveis) e entre 1996 e 2006 a área total de lavouras e de pastagens na Amazônia Legal cresceu 23 milhões de hectares, dos quais 45% relativos às pastagens. Esses três dados nos permitem contradizer todo discurso que mencione a necessidade


de desflorestamento na Amazônia (ou em qualquer outra região) para a obtenção de novas terras para a produção agropecuária”.


CONCLUSÃO

 

Ao contrário do que é dito em músicas e histórias, não é outro animal o arquiteto da floresta. É o homem que, assim como os demais, tem o instinto da arquitetura, mas, pela sua racionalidade, é o maior responsável pela integridade planetária. Entretanto, é mais do que sabido, não tem ele se importado muito com a sobrevivência das demais espécies.

O uso racional do espaço nunca foi tão fundamental para a vida humana como no atual momento em que o crescimento populacional descontrolado inquieta os verdadeiros pensadores, descompromissados com interesses econômicos e diferentes de outros com pouca envergadura humanística.

Os assentamentos humanos, em última análise, são formas de se buscar uma vida melhor ou mesmo a sobrevivência para grupos sociais.

Porém, sem desprezar os graves problemas sociais, é razoável supor que os assentamentos rurais não têm a importância que muitos exageram, ao atribuir- lhes tantas vantagens. Muito acima deles, está a prioridade de conservação da espécie humana.

Quando se prognostica qualquer situação, sempre se tem três cenários: o dos otimistas, o dos pessimistas e o dos realistas.

No caso do futuro de nosso planeta, os pessimistas, antipáticos, sempre condenados pelas críticas opostas às suas manifestações, mesmo quando falam a verdade, pensam que o Homo sapiens escreveu sua história futura, a de sua precoce extinção, diferentes dos dinossauros, menos inteligentes, mas que estiveram por aqui por muito mais tempo do que nós, provavelmente, estaremos. Pensam que uma das mais fortes razões para isso é o crescimento desordenado das populações, que nem os governos conseguem coibir. Em resumo, descrevem o ser humano como um animal inviável, daí seu possível e breve sumiço, em razão do iminente colapso da Terra, considerando a escala temporal de sua existência.

Os otimistas sonham que a aventura espacial encontrará novos planetas, para onde toda a humanidade irá, quando os recursos terrenos acabarem. Ou afirmam que o homem se adaptará a um ambiente totalmente antrópico, sem vegetais e animais desnecessários para seu ego, com altíssima tecnologia e uma vida de consumo e hedonismo para todos os bilhões de habitantes. Um verdadeiro paraíso, sem restrições, mesmo que destruído em sua configuração atual!

Enquanto isso, alheio a essas preocupações, um único homem, munido de uma motosserra, desmata, despreza, mata, polui centenas de hectares de vida. Empresas também fazem o mesmo, contudo em escala muitíssimo maior.

Grupos ambientalistas usam de todos os recursos que podem, para evitar ou diminuir a catástrofe. Buscam meios mais brandos, como nas iniciativas educacionais, ou mais pungentes, como nos atos denominados imorais e até terroristas.

Entre os cenários apresentados, temos um caleidoscópio de posicionamentos políticos com previsões em relação ao futuro e, como sempre, após a oitiva, a leitura, a análise das várias correntes de opinião, assim como, principalmente, da observação dos efeitos da ação humana sobre a natureza, a visão realista é a que deve prevalecer, mesmo com relativo bom humor, a fim de contrastar com verdades cruas.

Permito-me, portanto, um posicionamento bastante preocupante se nada mudar: os pessimistas devem estar certos!


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 UM ARQUITETO E OS ASSENTAMENTOS RURAIS

  Sérgio Antunes de Freitas. Quarenta anos de dedicação e muito conhecimento e experiências adquiridos como servidor  público no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, DF-Brasília


Sobre o autor:

Sérgio Antunes de Freitas (1954), Arquiteto e Urbanista formado na Universidade de Brasília – UnB em 1977, servidor público no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, com o exercício de cargos técnicos, administrativos e de Direção, de 1980 a 2016.
Envio novamente a última versão do arquivo, por questão de segurança.
Brigado e beijos pra duas



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