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sábado, 2 de julho de 2022

BRAZIL. COMEÇAR DE NOVO...

 NOVA ABOLIÇÃO (Para Jovens)

 Sérgio Antunes de Freitas


No caminho da humanidade, sempre estiveram presentes as relações entre dominantes e dominados.

Elas foram e ainda são explícitas nos episódios de escravidão.

No Brasil, a escravidão legal começou em 1535 e terminou em 1888. Foram três séculos e meio de exploração e crueldades contra os negros!

Contudo, a escravidão subjacente ainda não terminou, pois quem a determina não é o bem ou o mal, mas os interesses econômicos.

Embora contivesse aspectos humanitários, a abolição carregava fortes componentes financeiros. A propriedade dos escravizados era um patrimônio e, como tal, apresentava as características de investimento e custeio. Após a Lei Áurea, os escravizadores perderam seus investimentos, mas se livraram do custeio, indesejável para eles nas épocas de entressafra.

E os escravizados passaram a formar um contingente de desempregados, desesperados, famintos, sem casas, sem terras, tudo por falta de planejamento social do Governo. Nisso, encontramos inúmeras razões para a violência urbana que perdura até hoje.

Não foi uma abolição satisfatória, foi um abandono. O preço da liberdade foi desumano para os libertos!

Isso se torna incontestável, quando se lê os livros relativos à “formação do povo brasileiro”, escritos por Darcy Ribeiro, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Cristovam Buarque e outros, além do atualíssimo Jessé de Souza. Muitos outros volumes modernos detalham cuidadosamente a escravidão, sob os mais diversos pontos de vista, reforçando o conteúdo dos demais.

Ainda existem crimes semelhantes. Em 2021, mais de 1.500 trabalhadores brancos, negros e mestiços foram resgatados de situações análogas à escravidão, como é moda descrever essas maldades. Muitas vezes, essa relação é tosca como antigamente. Os fazendeiros contratam trabalhadores por baixos salários e ainda exigem que eles comprem os artigos de primeiras necessidades, nas falsas bodegas de suas propriedades, por preços aviltantes. E os trabalhadores, sempre endividados, nada recebem em espécie!

No mundo em geral, mas no Brasil em particular e de modo mais claro, a atuação mais forte da dominância acontece de forma subjacente. Ela muda de formato, até mesmo para continuar em sua essência. Parece ter vida própria!

O capital necessita de uma boa reserva de mão-de-obra braçal, ou seja, desempregados, para se beneficiar na lei da oferta e demanda. Quanto maior a oferta, mais baixos são os preços da mão-de-obra.

Por volta de 1985, alguns técnicos do governo idealizaram projetos de assentamento rural em torno das cidades em que havia grandes quantidades de “boias-frias”. Seriam pequenas parcelas de terra, não minifúndios, nas quais as famílias poderiam plantar para sua subsistência e obter algum excedente para comercialização.

Quando os “gatos”, assim chamados os aliciadores dos trabalhadores rurais, viessem oferecer pagamentos de baixo valor, para o corte da cana, por exemplo, os assentados poderiam negociar em condições melhores, pois não estariam premidos pela pobreza, pela carência, pela miséria. Claro, a iniciativa foi morta no ninho!

O ataque brutal que sofrem as leis trabalhistas na atualidade é uma clara ação dessa dominância e de forma escancarada.

Entretanto, há modos assombreados, invisíveis para a maioria, a fim de se manter os fortes costumes de escravatura no Brasil. Muitos dizem ser efeitos involuntários, atávicos, culturais, do capitalismo.

A atual política tributária tem papel extremamente relevante na continuidade dessa dominação, acontecendo sorrateiramente.

Para efeito de comparação, vamos tomar dois casos. O de uma família pobre, cuja renda é de R$ 1.000,00 por mês, isto é, um salário-mínimo arredondado, e uma alta patente do Governo, com seu belo rendimento de R$ 100.000,00 mensais.

A ambos, vamos supor o consumo de uma cesta básica convencional, com arroz, feijão, óleo etc. no valor de R$ 500,00, sendo 40% de impostos embutidos, ou seja, R$ 200,00. Nada fora da realidade!

Para a família pobre, o custo dos impostos será de 20% de sua renda total no mês, um peso desproporcional. Para o marajá, apenas 0,2%, coisa desprezível.

E o círculo vicioso e tenebroso continua.

A arrecadação dos impostos, obtida com o suor de todos, mas com o sangue dos pobres, vai para a máquina pública, também dominada pelos mesmos interesses estranhos. Nos orçamentos federais, sempre é reservada uma fatia maior que 50% do total, para pagamento de Juros e Amortização da Dívida. Adivinhem para quem vai o dinheiro!

A Assistência Social recebe algo em torno de 4%, mesmo percentual para a saúde. Para a Educação, toca 2,5%, mas dela estão fora os custos das escolas militares, que correm pelas rubricas dos gastos com Defesa.

Esse círculo, na verdade, é o giro de uma mó, que pressiona embaixo e folga em cima.

É impressionante como, a troco de uma felicidade alienada, os brasileiros convivem diariamente com tantas injustiças e até as defendem, mesmo sendo vítimas totais ou parciais dessas violações da dignidade humana.

O cenário atual dessa servidão continua com atores semelhantes aos viventes da casa grande, feitores, capitães do mato, políticos, comerciantes e religiosos apoiadores, tudo modernizado, de terno e em versão tecnológica.

A reversão desse estado de coisas é quase impossível. Não conseguimos nos safar dessa armadilha, assim, de uma hora para outra.

Todavia, há reações que trazem esperanças, lembrando os quilombos e a iniciativas isoladas para a compra e alforria dos cativos. Poucas, mas houve.

São várias as propostas de reforma do sistema de tributação no País, embora nenhuma demonstre ser solução plausível, completa e satisfatória.

Mas temos também o Programa de Garantia de Renda Mínima, projeto do ex-Senador Eduardo Suplicy, tornado na Lei 10.835/04, mas sem uma implementação efetiva, que deveria melhorar significativamente a renda dos mais carentes. Embora a ideia inicial da renda básica como direito social não seja sua, foi ele quem empunhou essa bandeira com mais determinação.

E isso é esperançoso! Um dia, o ideal poderá acontecer de fato, deixando o universo social brasileiro menos perverso e mais harmônico.

Nesta época, por certo, o ex-Senador será considerado um dos mais proeminentes abolicionistas da História do Brasil. É a minha aposta!

 

Sérgio Antunes de Freitas

Junho de 2022 

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