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domingo, 22 de novembro de 2020

BRAZIL: [IN]SEGURANÇA ALIMENTAR . Parte 2

 INSEGURANÇA ALIMENTAR: a mesma coisa de outro jeito.

Parte 2 

Quando meu obstetra, após ler o exame de sangue, disse-me que eu havia desenvolvido diabete gestacional, quase caí dura da cadeira. Uma terrível sensação de Déjà vu tomou  conta de mim. Eu não conseguiria viver novamente o pesadelo do aborto. Meu primeiro filho, um menino-homem, aos cinco meses de gestação, morreu dentro da minha barriga por causa de uma toxoplasmose, aquela doença trazida por contato com gatos, o que consolidou de vez meu ódio aos bichanos.

"É diferente! Avisou-me o obstetra- podemos controlar tudo, você irá para uma ótima endocrinologista e a maior parte do tratamento é o controle da alimentação, uma dieta correta. 1.200 calorias por dia, nem mais nem menos! Sai do consultório da doutora com todos os conselhos e orientações,  munida de um cardápio diário e uma tabela para medir o consumo de calorias. Na primeira semana liguei e marquei com o obstetra:

_"Minha filha vai morrer de fome! A dieta é fogo!  Eu quase não como o suficiente para mim, não vai sobrar nada para o bebê!"

"Não se preocupe -sorriu ­- os filhos sugam tudo da mãe. Quem  vai passar fome é você!"

Saí de lá tranquila. Fome é comigo mesmo! Já passei esse perrengue ao longo desses trinta anos e ainda agorinha em meados dos anos oitenta quando vim para capital, sobrevivi como Miojo, comia merenda da escola e mexidão no hospital. Uma vez desmaiei durante o estágio no Hospital das Clínicas e um amigo me curou com um leite queimado com muito açúcar e um naco de pão.

Quando meu futuro marido se juntou a mim em Beagá, brincávamos dizendo que iríamos usar uma camiseta com os seguintes dizeres:

"Se desmaiar, dê-me comida!"

https://spbancarios.com.br/09/2018/fome-e-inseguranca-alimentar-aumentam-no-brasil-diz-onu

"O país, que havia saído do Mapa da Fome da Organização da ONU há três anos e foi um dos 25 países premiados pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) por ter reduzido pela metade o número de subalimentados durante os governos do ex-presidente Lula, retrocedeu no combate à fome e à miséria, especialmente depois do golpe de 2016."

Por isso, quando ouvi na TV e li nos jornais sobre uma tal insegurança alimentar, um jeito novo de estudar o acesso do brasileiro à comida, todas estas lembranças invadiram-me e recuaram o tempo à época dos meus país. Como é possível medir e classificar a fome ou o risco dela em leve, moderado e grave?

Família grande, doze pessoas, dez filhos, pai pedreiro, dois filhos portadores de deficiência física, sequela da poliomielite, seis meninas, volta e meia meus pais se viam com essa tal restrição de alimentos, uma insegurança alimentar constante nos calcanhares. Conheci a fome juntamente com a ausência de água encanada, luz, telhado cheio de goteira, fornalha, colchão feito de mata-borrão e capim seco. Mas tinha a privada, hoje conhecida como fossa séptica.

E via e sentia os apuros da família quando sumiam do prato, as carnes: bucho, fuçura ou frussura – que são miúdos de boi, a suã, costela de boi, o arroz, o feijão, o macarrão, o angu, as misturas- legumes verduras, hortaliças plantadas no fundo do quintal. O embornal de pão velho dependurado atrás da porta, vazio.

Não sentia LEVE a dor, a angústia nos olhos vermelhos de choro escondido e engasgado de minha mãe ao ver as latas vazias sem saber o que dar aos filhos para comer. Sentia sim uma alegria MODERADA por ainda nos dar a sopa de macarrão Imperatriz, o engrossado de fubá com couve, o molho de broto de bambu, a rapadura com farinha,  a farinha molhada com sal  ou açúcar e jogada no tacho com gordura de porco e ainda dividida com os parentes e vizinhos que lutavam com  água morna, sal ou açúcar para suportar  a maldita fome e enganar o estômago vazio.

E GRAVE era vê-los, meu pai, minha mãe, muitas vezes dormir de barriga vazia, para não ver os filhos sofrer com a fome.

"A fome num mata! Ouvia sempre. O que mata são as doenças que aproveitam a desgraça!"

E meu pai ainda brincava!

"Pai que cê tá fazenu?"

É Guano!" E jogava a mistura de farinha, água e sal para fritar no tacho.

"E o que que é guano?" Insistíamos. E ele sorrindo:

"É bosta enrolada no pano!" E foi assim que não perdeu nenhum filho.

www.google.com.br/images. São Paulo, SP. Padre Júlio Lancellotti, o Jesus dos pobres e miseráveis em situação de rua na metrópole mais rica do Brasil.


"Pandemia de covid-19 ameaça segurança alimentar pelo mundo

Durante anos, o Índice Global da Fome refletiu o progresso global na luta contra a fome. Mas o coronavírus ameaça desfazer essas conquistas, avalia a organização humanitária alemã 

Fracasso moral

Apesar do progresso, as estatísticas recentes ainda são assustadoras: quase 690 milhões de pessoas no mundo todo sofrem de desnutrição; 144 milhões de crianças têm distúrbio de crescimento; 47 milhões de crianças apresentam emagrecimento extremo e, em 2018, 5,3 milhões de crianças morreram antes de seu quinto aniversário, frequentemente devido à desnutrição. 

Em seu último relatório, a organização humanitária alemã Welthungerhilfe se refere à fome no mundo como "o maior fracasso moral e ético da nossa geração". Mesmo que a média mundial tenha melhorado, as diferenças entre regiões e países são enormes. A África Subsaariana (27,8) e o sul da Ásia (26,0) são as regiões com os piores índices de fome do mundo."

Welthungerhilfe.https://www.dw.com/pt-br/pandemia-de-covid-19-amea%C3%A7a-seguran%C3%A7a-alimentar-pelo-mundo/a-55245820

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