Postagens populares

Pesquisar este blog

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

BRAZIL: ESTRANHO

ESTRANHO
Marina da Silva
Nunca falar com estranho.
Então estranha quando ele lhe abordou.
Estranha a pergunta que lhe fez atravessando o sinal fechado.
Estranha ainda mais ela respondendo no canteiro central da avenida.
Sorriu. Sorriu também.
Estranho jeito de se aproximar de alguém
Que rejeitou por anos qualquer aproximação
Estranha de estranhos.
Respondeu educada ao estranho
Que claramente lhe passava uma cantada démodé
E por tal, mais estranha ainda na era dos crushes, ficantes, peguetes.
Estranho pedido de encontro insistente.
Anotou o celular com intenção de não ligar.
Mas ligou.
Foi ao encontro do estranho esperando  encontrar um serial killer
Agora ela é a estranha porque teme um "BTK".
Anda assistindo demais investigações criminais...
Foi ao encontro, campo neutro, estranhamente temendo uma cilada
Estranha a mesma precaução dele, que fingiu esquecer o lugar
Num badalado ponto turístico da cidade.
Chegou fazendo caminhos estranhos
Mais estranho ainda gostou do seu cheiro, do tênis Nike, da camisa Dudalina lilás e do jeans rasgado
Um homem de etiquetas aficionado em brechós.
Estranho gostar de outra boca, outro cheiro, outras carícias.
Estranho gostar dos abraços e dos seus corpos colados.
Sem chocolates, sem flores, sem bicho de pelúcia.
E achou muito estranho a recusa em pagar a cerveja e rachar o motel xap-xap.
Estranho gostar de outras pernas nas suas pernas
Outro sexo no seu sexo e gozar.
Estranhou muito a performance e o ego inflado de Viagra.
"Alta auto-estima é tudo"! Mas precisa ser intergalática?
Um começo estranho e coisa esquisita
Ainda o sente um estranho mesmo após muitos encontros.
Estranho o celular anos Oitenta e mais estranho ainda um homem desconectado: sem Twitter, What'sApp, Instagram e Facebook.
Estranhas explicações torna tudo mais estranho ainda e ela suspeita
Do "Estranho que me quer" sem realidade virtual e fictício no mundo real.
Bem-me-quer mal-me-quer
Desfolhou pétalas por pétalas margaridas imaginárias
E estranho...um Gif* compacto de mal-me-quer.
Estranhou muito quando ele disse a palavra "bodas"
E ela respondeu num meme: eu de você não sei nada !
Chegou-lhe do meio do nada, viúvo sem filhos, só no mundo e não permite fotos postadas...
Nada de documentos, nada de fotos, nada, nada vezes nada.
Desconfiou do acaso, um flerte na rua no início da tarde.
Desconfiou das intenções primeiras cheias de segundas intenções.
Um estranho mal intencionado fez-lhe perder o olfato, paladar, tato
Desgostou do seu cheiro, do beijo, do corpo. Do sexo performático teve medo, muito profissional.
Tudo se tornou muito estranho.
Afinal é difícil para ela gostar de um estranho
Mas possível, mesmo que estranhamente fora do ciberespaço.
Impossível é viver com uma incógnita.
E aquele estranhamento bom do novo
De dar chances a um estranho
Virou tédio, enfado, desencanto.
Estranha ter durado tanto...
Estranha mais ainda não ter criado laços fortes nos beijos, abraços, carícias e cheiro e orgasmos.
Estranho não estar dando a mínima importância
Para o estranhamento que virou aquele ficar estranho.
Estranha mais ainda ele insistir ficar com ela estranhamente fria, gélida, apática.
Estranha insistência mesmo sabendo que ela lhe bloqueou no celular
Que mande dizer que não está
Que mudou para Nárnia, foi para Marte
Fugindo de homens estranhos sem lenço nem documentos nem nome
Que querem apenas uma mulher para usar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário