SUPREMACIA
Sérgio Antunes de Freitas
O olhar Marina da Silva sobre o Brasil e pelo mundo! AQUI É TOLERÂNCIA ZERO COM A INTOLERÂNCIA, AFINAL SOMOS TODOS HUMANOS!
SUPREMACIA
Sérgio Antunes de Freitas
BARBIE: UM PAPO CABEÇA NA BARBIELÂNDIA*
Marina
da Silva
“Casamento
é a pior merda do mundo, é uma bosta na vida da gente!”
Foi
essa imprecação raivosa, desabafo irado e carregado de mágoa que bateu tal qual
uma lufada de vento nas faces de Barbie e Barbie assim que a porta do elevador
se abriu.
Dentro
do cubículo espelhado, excessivamente iluminado e agora vigiado vinte e quatro
horas por um olho 360°, empertigado, empunhando sua valise de médico, estava Ken,
magnanimamente enfezado com a vida. Com o cenho franzido, o ar enfastiado,
devolveu de forma insípida o cumprimento das duas mulheres que o atrasavam
ainda mais para o trabalho ao interceptar o elevador no sexto andar e
entulhá-lo de crianças, bolsas, mochilas.
O
aparelho desceu silencioso, mas se abriu no térreo com grande estrondo, o que
foi usado em um comentário das Barbies, na frágil tentativa de quebrar o gelo e
o mau humor do vizinho.
O
homem escapuliu por entre mochilas e crianças, saiu batendo a porta e
desapareceu aceleradamente em direção ao ponto de ônibus.
“Guerra
no 1.201! O homem passou aqui zunindo que nem uma bala.” Informou
intrometidamente o porteiro.
As
mulheres cumprimentaram o Sr. Ken, sem lhe dar muita trela e seguiram em
direção ao colégio. Somente quando as crianças adiantaram um pouco o passo é
que teceram comentários.
“Realmente
ele tem razão. Sorriu Barbie – casamento é mesmo uma merda; principalmente
quando a gente se casa com homens-bosta!”
As
gargalhadas foram inevitáveis, ruidosas e chamaram a atenção de quem subia e
descia a rua em direção às escolas, trabalho e ponto de ônibus.
“Que
maldade Barbie, Ken parece ser boa pessoa, é carinhoso com os filhos e com a
esposa. Deve estar numa daquelas crises do casamento ou teve uma semana de
cão.”
“Não
me referia a ele - continuou Barbie sorrindo - mas ao meu homem-bosta. O desgraçado me embuchou aos dezesseis anos e me
largou o filho para criar e me virar sozinha. Confesso que foi até melhor para
mim e minto ao dizer que o cafajeste me largou. O cara-de-pau se enfronhou lá em casa e quando deu na telha voltou
para casa da mãe. Safado!”
Barbie
compreendia a mágoa da amiga. O marido, antes do bebê engatinhar, passou a mão
na viola e foi cantar em outra freguesia. Não deu satisfações e muito menos
dava dinheiro para ajudar a criar o menino. Vendo-se só e como um peso a mais nas
costas dos pais para sustentá-los, Barbie abandonou de vez o sonho dos estudos
e resolveu aprender o ofício de manicure e cabeleireira. Desta forma conseguiu
sua independência econômica após dez árduos anos de salão e sua quase casa
própria, financiada pelo governo.
Atualmente
namorava um vizinho, o mecânico grandalhão da rua de baixo, mas já adotara o
modismo ficante, namorido.
“Não
preciso de homem para nada minha filha! Só servem para sexo e para isso o que
não falta é homem. É só baixar numa obra da construção civil que chove material
e do bom!”
Barbie
sorria. Não concordava nem discordava da amiga. Deixava apenas ela expulsar as
mágoas, curar as feridas. A forma descontraída e descompromissada com que
falava de tudo o que havia passado com o dito cujo e as atuais relações com o ficante divertiam-na mais do que a
deixava preocupada. Nunca fora moralista e nem se ocupava da vida alheia.
Na
porta da escola as mulheres se despediram com os combinados de sempre. Barbie
levaria consigo suas filhas e tomaria conta das meninas até Barbie voltar do
serviço, o que acontecia sempre no início da noite, lá pelas sete.
Barbie
era casada há dez anos, tinha duas meninas e para usar a linguagem de Barbie:
não fizera um bom casamento, mas acertara na loteria, uma mega-sena super acumulada.
“Cuida
bem desse homem sua tontinha! Ele vale um prêmio de loteria. Fica de olho nesta
mulherada aqui do condomínio viu!”
“Você
não existe Barbie! O que quer que eu faça? Grude no homem que nem carrapicho ou
me colo no pé dele com super cola?”
“Eu
estou falando! Eu estou lhe avisando Barbie! Aqui está cheio de piriguetes.
Cuida do seu peixe ou ele vira comida de piranha!”
Era
assim que o prêmio de loteria era
conhecido por todos, peixe. Sua paixão pelo futebol o fizera adotar o
cumprimento de um atacante carioca que a todos chamava de peixe e de peixe por todos era chamado. Boa figura, bom
de papo, bom de bola. Voltara a estudar recentemente encantado com a
magistratura.
“Vou
ser juiz. Comunicou eufórico à esposa e às filhas. Passei no vestibular de Direito!
” A alegria foi geral e surpreendente a notícia. O danado agira calado e bem
escondidinho.
“Sonho
a gente não conta! Justificou-se com Barbie. Não é você que vive falando que se
contar não realiza?”
“Defesa
aceita, argumentos válidos, nenhuma chance de apelação. Realmente você será um
bom advogado Ken”. Um beijo estalado parabenizando a façanha encerrava o caso.
Barbie
tinha o terceiro grau e um emprego público aonde até o porteiro era doutor. Há
muito tempo percebera que só a diplomação já não era mais garantia de bons
empregos. O sonho de Ken era coerente com a realidade dos empregos no país.
Hoje
ao final da cansativa jornada, o desabafo do 1.201 povoou o caminho de volta
para casa. Sorriu por ter pensado em Ken como um número. Eram assim conhecidas
as pessoas no condomínio. O chato do prédio
Barbie
era a mulher do Ken do 601. O cara legal que falava bem de casamento, um Ken de
outro planeta que lavava, passava, cozinhava, faxinava, estudava, batia uma
bolinha. O que deveria ser regra nas relações entre homens e mulheres, ou pelo
menos uma boa utopia para o terceiro milênio ainda se constituía como rara
exceção.
Na
verdade alguma coisa deveria estar errada; casais assim escondiam alguma coisa
e quem sabe muito podre! Era o que povoava o imaginário de algumas pessoas que
conheciam o casal.
Quantas
vezes Barbie ouvira comentários maldosos de parentes, conhecidos, no trabalho e
até no salão de Barbie e Barbie sair em sua defesa.
“Existem
homens assim gente! Afirmava enfática. Mas poucos, pouquíssimos, aliás, raros.”
Gargalhavam.
“Você
deve ceder em tudo minha filha! Eu não abaixo o topete pra homem nenhum.” Era
dona Barbie, a manda-chuva do 402, onde
homem não apita nada, dando a primeira alfinetada.
“Vai
ver que apanha calada e chora escondido”. Fuzilavam as Barbies professoras, umas
mal amadas, como Barbie as chamava.
“Sei
não gente! Às vezes penso que não devia me enervar tanto lá com o bosta. É verdade
que éramos muito jovens, faltava paciência e sobravam berros, tapas, palavrões.
Quando ele me enchia a paciência eu jogava uns podres na cara dele. Cheguei até
a unhar a cara dele várias vezes.” Confessava Barbie.
“Ah
minha filha! Está para nascer homem que bote banca para cima de mim.” Comentava
Barbie, uma linda mulata.
“Minha
avó agüentou surra e chifre a vida inteira; minha mãe só se livrou quando meu pai
morreu. Já eu não tolero nada mesmo e de homem nenhum nem de Ken hollywoodiano.
”
E
a polêmica guerra dos sexos se
tornava fleumática, encompridava a disputa, encurtava o dia de trabalho de Barbie.
“As
mulheres são muito melhores que os homens. Nós estamos em todos os lugares nas
empresas, nas faculdades e daqui a pouco até na política. Imagine a gente
governando...”
“Professoras,
donas de casa, médicas, engenheiras, astronautas, atletas, arquitetas,
policiais, sindicalistas motoristas de ônibus, uberistas, Barbies
empreendedoras e terceirizadas. Mulheres, mulheres, mulheres em tudo.”
“Penso
que devíamos lutar juntos, lado a lado. ” Declarou Barbie.
“Alô
além! Acorda Barbie, você não existe mesmo! Isso é uma guerra Darling. Podemos fazer o mesmo que os homens e mil vezes
melhor. Eles não nos darão chance. Nós temos é que tomar centímetro por centímetro.
” Bradava nervosíssima, Barbie enfermeira, dois empregos noturnos e líder sindicalista,
cortando acidamente a fala de Barbie.
“Ôh
Dona Coisa - era Barbie enfurecida - Deixe-me falar pôxa! Também sou mulher e
ao contrário do que pensa não sou desmiolada, ok? Tudo bem! Podem me chamar de
sonsa, lunática, Et, mas não façam o mesmo que a maioria dos homens fazem.”
“A
que se refere você Barbie?” Olhos questionadores e bravos.
“Falo
da mordaça! Não é uma de nossas milhares de lutas? Os homens não nos deixam
falar e sequer nos ouvem quando abrimos a boca! É lógico que concordo com vocês
Barbies! Passei por muita coisa enquanto Barbie-filha, Barbie-irmã, Barbie-namorada,
Barbie-esposa, Barbie-mãe, Barbie-estudante, Barbie-trabalhadora. Meu casamento
é real, mas há esforço de ambas as partes nos momentos de conflito; não preciso
sair no braço com quem quer que seja. Abomino a violência de qualquer tipo,
seja de homens ou mulheres.”
“Lá
vem a filósofa! Temos que lutar pelo gênero humano, pela humanidade, pela
convivência pacífica e cooperativa, pela coletividade e patati patatá.” Deboche e desdém manchavam a fala de Barbie
agastando Barbie que de armas em punho entrou em modo combate.
“Você
tem razão, aliás, está coberta de razão darrling!
O mundo seria infinitamente melhor se nós Barbies tomássemos o poder,
subjugássemos os Kens e devolvêssemos tudo a eles com juros e correção
monetária. Não há dúvida de que, apesar do menor número de neurônios, nós
Barbies somos muito melhores em tudo e poderíamos ser terrivelmente mais
abomináveis e degradantes que eles, kens. Aliás, não é você mesma que diz que o
excesso de neurônios descobertos nos Kens concentra-se na cabeça de baixo e só
serve para armar a barraca?”
“Gente,
gente, gente!” Entra em cena Barbie, a pacificadora.
“Vamos
ver a cor do cabelo Barbie?”
A
moça sentindo o perigo da situação carregava Barbie para a sala ao lado. E sorrindo melindrosamente:
“Barbie
é melhor por fim nesse papo viu! Olha que você assim acaba perdendo a chance de
beatificação. Portas do céu, fechadas!” Selando a fala com um xis feito no ar.
Um
sorriso cristalino desanuviou o semblante da amiga Barbie.
“Tu
tens razão bichinha! Eu quase jogo milhares de anos de civilização na lata de
lixo. Desculpe-me Barbie, mas a intolerância e o radicalismo me enervam e me
tiram do sério; se vacilo acabo voltando aos tempos das cavernas.”
EU
NUNCA FUI...
Marina da Silva
BARBIE.
Nos tempos de infância, brincando com bonecas de pano e no Natal ganhando boneca "tomba-homem" eu aprendi a sonhar com a Boneca. Não a boneca Barbie, mas com a Boneca, apelido da filha de uma prima da minha mãe que chamávamos de tia; Boneca já adulta, mulher feita, tinha uma linda coleção de Barbies. Boneca morava e trabalhava na capital com sua grande família, uns quatorze membros, fora o pai e a mãe. Nunca conheci a Boneca, mas adorava ouvir a estória sobre a linda moça e sua linda coleção de bonecas Barbies, um sonho que realizou adulta e dona do próprio dinheiro. Quando minha mãe vinha à capital, geralmente em casos de saúde, ela visitava a casa da Boneca que fazia questão de mostrar a última aquisição de sua coleção. Uma mulher adulta que sonhava em ter Barbies quando criança, mas os pais não podiam lhe comprar. Eu sempre imagina a prima Boneca criança e sonhando com a Barbie:
“Quando crescer vou
comprar a Barbie”.
Para famílias numerosas
como as nossas, minha mãe tinha dez crianças - seis meninas e quatro meninos - ter comida
no prato todo dia era o sonho de consumo. Barbie era um luxo, um sonho impossível
de virar realidade. Eu tinha bonecas de pano e de plástico, mas havia bonecas
de papelão e de louça, conheci algumas. Acredito ter sido a primeira a ganhar
uma boneca, aliás, um boneco, um homenzinho de uns cinquenta centímetros
chamado Roberto Carlos. Ganhei de uma tia, irmã mais nova de minha mãe quando a "raspinha-de-tacho" nasceu. Roberto Carlos, mas eu o chamava de Bebé, veio
vestido e calçado: calças de brim cinza e blusa xadrez e sapato preto. Tinha
cabelos pintados na cabeça, cheio de caracóis castanhos. Minhas bonecas eram de
pano e vinham da mesma manufatura: retalhos e sobras de tecidos das costuras de
minha mãe. No Natal ganhávamos “bonecas tomba-homem” feitas de plásticos. Na
verdade, eram bebês sem sexo definido; vinham com fraldinhas xadrez azul e
branco de plástico de encapar cadernos, brincos de alfinetes dourados ou prata,
tinha mamadeirinha, chupeta, pentinho para cabelos. Eram feitas de um plástico
muito rosa e duro e vinham com os bracinhos para cima e as perninhas tortas
como as do atacante do futebol Garrincha. Alguém, só de pilhéria, as apelidou de
bonecas “tomba-homem”. Tive outra boneca de plástico, uns trinta centímetros,
que tinha a cabeça e os membros adaptados no vestido. O vestido da minha era
vermelho e da "raspinha-de-tacho" era amarelo. O cabelo da boneca não era de
verdade, elas vinham com um coque e boca pintada de vermelho e olhos também
pintados, mas os sapatos eram de verdade, branquinhos.
Aos nove ou dez anos
veio a menarca, virei mocinha e adeus bonecas. Depois só estudos e trabalho de
carteira assinada. Conheci a Barbie nas propagandas de TV sentada no alpendre
de uma vizinha que nos permitia ver televisão, menos quando o marido vinha da
roça nos finais de semana. A televisão era o sonho em várias prestações de muitas famílias e em 1976,
talvez, meu irmão mais velho presenteou minha mãe com uma, preto-e-branco. Minha
irmã mais velha, casada, comprou televisão a cores também. Barbie me chamava a atenção
por dois motivos: primeiro pelo sonho da prima Boneca que ampliava a sua coleção de
Barbies a cada ano; o outro motivo era tudo que aquela boneca permitia uma menina
pré-adolescente sonhar. Barbie não era apenas uma bonequinha de uns quinze centímetros bonita com roupinhas, acessórios e cabelos de verdade. Ela podia
tudo e fazia tudo que queria. Era top model e desfilava roupinhas lindas; era
astronauta, era médica, bailarina, enfermeira, bombeira, veterinária, era das forças armadas estadunidense;
tinha casinha, guarda-roupinhas, patins, patinete, skate, bicicleta, lambreta, carro, casa, mansão, cachorro, namorado, marido,
filha.
As propagandas eram super
produzidas: festa na mansão da Barbie, festa na piscina da Barbie, festa do
pijama na casa da Barbie. Viagem da Barbie ao Havaí; banda de rock da Barbie, desenho animado
da Barbie, um planeta inteiro da Barbie, muito rosa, muito rico, muitas amigas,
muita alegria. E ainda tinha o boneco Ken.
Não, eu nunca fui Barbie
no sentido que alguns dão à Barbie: loura,
linda, fútil, cabeça-oca, rica, milionária. Eu nunca vi esta Barbie nos meus
sonhos de criança porque Barbie para famílias pobres não existia. Barbie era
uma boneca caríssima para gente que podia comprar e brincar de boneca e minha fase de
brincar de boneca se foi muito cedo, até para as bonecas-de-pano.
Adulta, ganhei boneca de
presente do namorado e urso de pelúcia escrito eu te amo. Não era a Barbie,
muito cara para namorados trabalhadores. Viveram comigo bons anos. A Barbie
entrou na minha casa quando nasceu minha filha. Um lindo presente. Vieram mais
Barbies: Barbie do Paraguai, Barbie xinguiling do shopping Oi, Barbie falseta
1,99 e a Barbie, umas três ou quatro juntamente com Mulan, Júlia, Moranguinho, as
Bratz, que foram devolvidas por serem muito cabeçudas. Polly não teve vez nem
Susy. Mas Barbie ganhou um caminhão de mudança e carro da Suzi e andava pela casa ao lado do
namorado, ora Max Steel, ora Gohan, Goku, Pikachu ora Homem-aranha, Batman ou Superman. Uma coleção exótica que tinha
o Buzz lightyear, dinossauros, morcegos,
aranhas, cobras e insetos repugnantes que brilham debaixo da cama ou no escuro.
Barbie conheceu a turma Harry Potter, Snoop, turma da Mônica e até, acredite,
foi amiga da enorme boneca Sandy-Júnior.
Barbie é só isto, aquilo,
aqueloutro para brincar assim e assado, assim-assado e assim ou assado.
*********************
"Além da popularidade, a Barbie é uma boneca que explora infinitas possibilidades e sempre foi sinônimo de inovação. Um exemplo disso foi o lançamento da primeira boneca negra, ainda nos anos 1960. A partir disso, milhares de modelos foram lançados, e todos foram muito bem recebidos pelo público."https://modobrincar.rihappy.com.br/historia-da-barbie/
Filosofia ou doutrina?
Sérgio Antunes de Freitas
CAPITALISMO ILUSTRADO*