A OPERAÇÃO INVASÃO DO CAPITÓLIO
Marina da Silva
Parte 2
Se isolarmos só a tal "operação de invasão do Capitólio" no dia 06 de janeiro de 2021, data da diplomação do presidente eleito J. Biden no Congresso estadunidense tem-se apenas um uma crônica bizarra e tosca da política... digna de uma nação terceiro-mundista, os subdesenvolvidos abaixo da linha do Equador aonde fechar o Congresso e Judiciário e instaurar ditaduras cruéis, assassinas, sanguinárias é a ordem do dia de tio SAM para colonizados. Mas nos Estados Unidos? Nos EUA? Paraíso da democracia, liberdade e blá, blá, blá?
Nos primórdios do tumultuado "século curto", alcunha dada por E. Hobsbawn ao século XX, os Estados Unidos, então atendendo pelo nome América e conhecido como o paraíso do liberalismo radical, "laissez-faire raiz" assumia o pódio de potência capitalista mundial solitária substituindo a Inglaterra, envolvida nas duas Grandes Guerras. Um fenomenal revolucionamento técnico-científico nos meios de transporte, comunicação, novas formas e sistemas de produção de mercadoria, fruto do chamado "esforço de guerra" cria o que D. Harvey chama de "A condição pós-moderna"8 e corre pari-passu com a chamada revolução neoliberal. A nação dos radicais pelo liberalismo econômico, os EUA, assumiu a pole position do capitalismo e deflagrou uma corrida atômica, espacial, armamentista bipolar contra os outros donos do poder: a URSS (União da Repúblicas Socialistas Soviéticas lideradas pela Rússia) numa disputa acirrada pelo controle, expansão e manutenção de espaços vitais o que deixou o planeta congelado de medo numa Cold War bipolar entre russos (os comunistas) e os norte-americanos (capitalistas).9 Declarações feitas, tratados assinados, nações ocupadas militarmente e/ou com ajuda de simpatizantes de cá e lá, a estabilidade bipolar se manteve na ameaça de aniquilação nuclear. Mas..."Quando nos anos 1950, Mao falou sobre a disposição de a China aceitar o sacrifício de centenas de milhões de pessoas numa guerra nuclear (...) O suicídio mútuo tornou-se o mecanismo da ordem internacional.idem
A competição ficou acirradíssima assim que, reconstruídas sob a "proteção" desta dupla do barulho (EUA/URSS), países europeus e Japão entram na concorrência pelos mercados mundiais, potência EUA, inclusa, com produtos melhores e formas de produção melhoradas, robotizadas, mecanizadas com base na microeletrônica, plantas industriais pequenas e enxutas, novas regras de gerenciamento da produção e de relações de trabalho, etc. Esta revolução para alguns, além de ser uma "condição da pós-modernidade", levaria ao "Fim dos empregos" tanto pelo fechamento de postos de trabalho, pela desterritorialização interna da produção como pela total relocalização industrial para qualquer lugar dos continentes e planeta. O que realmente aconteceu: China, Índia, NIC's (Tigres asiáticos), etc.
Ainda na década de 1980, o capital financeiro suplantou o capital investido na indústria. Nações se desindustrializam, os EUA se desindustrializam10 passando a se concentrar fortemente na indústria de defesa e tecnologias de ponta no vale do silício e na especulação e apostas no mercado financeiro, desregulando todos os entraves ao capital.11 O governo dos EUA, comandado por lobistas de Wall Street (Goldman Sachs e outros) veio desregulando o sistema financeiro e permitindo jogatinas especulativas que concentraram cada vez mais a riqueza em 1% dos ricos e uma desigualdade monstruosa para os 99% da população que foi obrigada a aceitar a banalização de crises geradas intencionalmente para despojar e expropriar populações, inclusive a sua própria, como uma "normalidade" do sistema capitalista.12 Quantas crises de expropriação e roubo um povo pode aguentar sem se revoltar? Os norte-americanos, adestrados na ética e moral neoliberal: livre mercado, propriedade privada, egoísmo, individualismo, aposta, inovação, vencedores e fracassados suportaram todas as crises do século XX e até o grande roubo, ops, crise subprime (2008) que depenou o que restava de sonho americano, american way e a confiança na política e nos políticos "tradicionais".
Qualquer um que profetizasse qualquer "coisa boa" ou qualquer mudança num século que começou com o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001, a terrível tragédia do furacão Katrina (ago/2005), a crise de especulação imobiliária/financeira mundial de 2008, chegaria à presidência dos EUA. E foi o que aconteceu: Barack Obama e propostas populares e Trump com propostas absurdas de desgraçar tudo de vez. Em menos de uma década os radicais do anarco-capitalismo produziram o que Trump chamou de "tempestade perfeita" para sua candidatura; um império do caos: pobreza, miséria, desesperança, desconfiança, raiva e rancor; tudo foi apropriado pela extrema-direita autoritária até então atuando na surdina e aí rumou-se ao totalitarismo13 fascista no planeta com o chamado "The Moviment"14!
www.google.com.br/images O grande asno estrategista da Casa Branca, Steve Bannon.
Eleger Trump não foi apenas o desmascaramento como também o fim do mito divino da nação da liberdade, democracia, direitos iguais e a exposição de todas as fraquezas do império estadunidense em plena dissolução, ruína e perdição aditivada e acelerada pelo incomensurável poder da internet e redes sociais15 para alterar as eleições fortalecendo a extrema-direita mundial.
E claro, China, Rússia, Europa [Reino Unido fora no Brexit e dirigida pelo bolsonaro britânico Boris Johnson), Japão viam tudo e se preparavam para "A Queda"16 e partilha da balança multipolar do poder mundial. Quando "A Operação" ultra-direita-liberal chegou na fase de solidificar o poder para todo o século XXI e quiçá os vindouros, o que se viu foi uma total falta de comando, controle, concordância, coordenação sinergia, enfim, ausência brutal de inteligência geoestratégica, geoeconômica e geopolítica para o ato tanto de democratas como republicanos, que nos EUA é uma e a mesma coisa. Uma nova classe de bilionários imediatistas, apostadores e especuladores, fechados na bolha finanças de Wall Street, sem cultura, sofisticação e elegância intelectual, cultural, com baixíssimo conhecimento geral de História e Geografia em particular até do país em que atuam [pecado mortal segundo Maquiavel] assumem a "gerência do mundo e criação de "regras" políticas", interferindo em eleições mundo afora e dentro dos EUA.17 A opção por destruição total dos Estados, inclusive o da potência Number One assentados num nacionalismo e patriotismo fake chegou ao poder com esta gentalha, ops, a nova classe de bilionários que optou pela uso do ódio como política, terra arrasada, irmão contra irmão para criar a minarquia neoliberal ou governo dos 1% bilionários, autoritária, militarizada e defendendo vícios intoleráveis e que sabidamente geram instabilidade política/social, cria caos e revolta numa onda que nem Deus sabe onde vai dar. Um movimento negativamente carregado de elétrons banhados em ódio, raiva, rancor, desconfiança e desesperança. Jumentos fracassados, mas altamente curtidos nas redes sociais foram feitos presidentes e primeiros-ministros nas potências capitalistas do centro e periferias.
Órban, Zelensky, Boris Johnson, bolsonaro e Trump, citando apenas algumas desgraças geopolíticas, eis os nomes para firmar, cristalizar, enraizar o livre mercado, propriedade privada, liberdade, individualismo, egoísmo anárquicos com golpes de Estado contra aqueles eleitos democraticamente em eleições livres. Nem os Estados Unidos foram poupados de um "golpe de Estado". Sim, a operação invasão do Capitólio foi a tentativa de golpe no país defensor da democracia, liberdade e blá.
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Donald Trump é a vitória da deselegância, autoritarismo, racismos, machismo, patriarcalismo, misoginia. Vitória do sarcasmo, ironia, negacionismo. Vitória do indefensável, politicamente instável, dos vícios, vitória da truculência, do tosco, grosseiro, bizarro e do jumentismo. Vitória do inominável e do cretinismo. Depois da dissolução do "inimigo russo" nos anos Oitenta e Noventa, o século XXI deveria ser da América, mas tudo que se viu na primeira década foi o enfraquecimento da potência e a abertura de caminhos para um mundo multipolar. O século XXI pertence à China? Uma preocupação que ao que parece, ficou restrita ao grupelho de Henry Kissinger, ultra-direita conservadora estadunidense do GOP-grande partido republicano. Quem diria que o grande estrategista em geopolítica mundial dos EUA ao selar o aperto de mão Nixon e Mao Tsé-Tung em 1962 estaria preparando a República Popular da China para o século XXI? Será?
Referências bibliográficas e outras:
1. Sobre como o apresentador de The Aprentice se tornou presidente dos EUA ver: GET ME ROGER STONE, Documentário Netflix;
2. Sobre a investigação Operação invasão do Capitólio pelo Congresso EUA. https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/06/10/comissao-diz-que-invasao-ao-capitolio-dos-eua-foi-parte-de-tentativa-de-golpe-de-trump.ghtml
3. CHOMSKI, N. Requiem for American Dream. Documentário https://youtu.be/JxaDwKj7wek
4. DOHERTY, Brian. Radical for capitalism: a Freewheeling...
5. Sobre como combater o New Deal de Roosevelt e apropriar o Estado para os 1¢ ricos ler: GOLDWATER, Barry. Conscience of a Conservative; MISES, L. Intervencionismo uma análise econômica; Hayek. F. A. O caminho da servidão;
6. SOCIEDADE MONT-PÉLERIN: pesquise!
7. THE CORPORATION. https://youtu.be/Zx0f_8FKMrY; MOORE, Roger
8. HARVEY, D. The Condition of Postmodernity. 1989.
9. KISSINGER, H. Ordem Mundial. 2013
10. VACLAV, S. Made in the USA: The rise and retreat of american manufacturing. 2013
11. Sobre a desregulação do mercado financeiro nos EUA ver: HARVEY, D. O Enigma do Capital e as crises do capitalismo. 2011
12. Sobre o processo de desregulação do mercado, apropriação de todas as instâncias e instituições do poder e roubo do povo estadunidense ver: FERGUNSON, Charles H. O sequestro da América: como as corporações financeiras corromperam os Estados Unidos; documentário INTERN JOB , Netflix
13. ARENDT, H. Origens do totalitarismo: Antissemitismo, imperialismo, totalitarismo.
14. Sobre o fortalecimento da ultra-direita e o radicalismo neoliberal século XXI ver: https://www.revistabadaro.com.br/2019/09/11/muito-alem-de-bolsotrump-conheca-11-lideres-da-ultra-direita/
15. Não se pode entender ou tentar compreender o fortalecimento da ultra-direita sem destrinchar o poder das redes sociais, destaque para Facebook e seu papel na venda de dados para alterar resultados eleitorais via empresa Cambridge Analytica cujo vice-presidente Steve Bannon é um dos fundadores The Moviment. Sobre o tema ver documentários Netflix: THE GREAT HACK; THE SOCIAL DILEMMA; THE FAMILY
16. GROOVE, Glória. A QUEDA. https://youtu.be/BpxrvcYDnf4
17. Sobre o naipe da galera que ficou bilionária no século XXI o melhor exemplo é Elon Musk investindo contra as democracias na América do Sul.
18. The bosta, é a alcunha dada ao bolsogenocida pelo personagem Dilma do comediante Gustavo Mendes https://youtu.be/xaA3w9L9AaQ
19. Sobre a "Operação Z" russa contra Ucrânia ver: ESCOBAR, Pepe. A guerra total contra a Rússia https://youtu.be/GtkGjLf8jiw; Fim do mundo unipolar- TV247 https://youtu.be/4cmNVfOB5ko; Que civilização querem nos impor? https://youtu.be/qA02BbvHvi0