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quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

BRAZIL: ESPÍRITO DE NATAL

 Sapatos Tristes

Sérgio Antunes de Freitas

Esta é uma crônica politicamente correta.
(Portanto, ainda há tempo para desistir de sua leitura.)
E para quem resolver, ao final, de raiva, jogar um sapato em mim, aviso: - Não devolverei o projétil. Dar-lhe-ei um destino mais nobre.
O sapato é um dos poucos objetos de uso pessoal que apresenta vida própria. Não uma vida igual à nossa, mas como a dos desenhos animados.
Quando a sola descola no bico, ele parece rir e sorrir!
Na mesma condição, quando anda, lembra um bico de pato.
Quando fica velho, seu couro enruga, igual ao nosso, quando chegamos a idades avançadas. Aquelas nas quais a gente avança nos remédios e terapias.
Também como nós, os sapatos são gregários. Na maior parte dos casos, aparecem com seus pares.
Os sapatos, tamancos, sandálias, fazem parte da história e da filosofia humanas, em lugares de destaque: “Toda a sabedoria do mundo não vale mais que um par de botas”.
Às vezes, são engraçadinhos. Ao ser vítima da queda de um ferro de passar, um amigo comentou: - Nossa! Quase fiquei com o pé dilacerado.
E a sua botina comentou: - Imagina eu!
O sapato se meteu até nos provérbios. No famoso “lé com lé, cré com cré” - segundo uma das interpretações etimológicas, é oriundo de “créligo com créligo e leigo com leigo” - houve sua complementação transversal (palavra que está na moda, a fim de desvelar erudição): “lé com lé, cré com cré, um sapato em cada pé”.
Os calçados se tornam até membros da família, despertando amor e ódio.
É comum um filho adolescente pedir:
- Pai, pega meu par de tênis aí debaixo da cama?
E o pai responde:
- Nem morto!
E para, definitivamente, reconhecer os sentimentos puros dessas - mal comparando - peças de vestuário, observem como se alegram, quando são escolhidas para um passeio ou uma festa.
E observem, também, como ficam tristes, quando permanecem por muito tempo no armário e, pior, com a perspectiva de nunca mais serem usadas.
Os exímios psiquiatras de sapatos e outros artigos de couro constatam que esses objetos ficam tristes não pelo sentimento de marginalidade.
Na verdade, eles querem cumprir seus papéis, mas, esquecidos na sapateira, sentem-se impotentes, como nos sentimos diante da pobreza e da corrupção em nosso país.
Eles querem, de fato, exercer os seus direitos e deveres, evitando, por exemplo, que uma criança pobre corte o pé em um caco de vidro; ou que um jovem contraia o tétano; ou que um velho passe a vergonha de não ter conseguido na vida nem um par de alpargatas.
Portanto, se você tem sapatos esquecidos no armário, deixe-os apenas na memória. Vai lá, tire o pó, lave, engraxe e os destine a uma casa de caridade, a uma família carente, a uma criança de rua.
Os sapatos agradecem.

https://www.hojeemdia.com.br/horizontes/projeto-leva-roupas-a-800-moradores-de-rua-na-virada-cultural-veja-como-ajudar-1.728933"Os moradores de rua podem escolher quais roupas e sapatos querem levar"






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