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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

BRAZIL: HÁ CURA

A Arte do Perdão

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Sérgio Antunes de Freitas
Kintsugi é o nome de uma arte oriental, na qual se repara cerâmicas quebradas, usando fios de ouro.
São duas as vantagens: devolver a utilidade da peça em sua completude e aumentar o seu valor de mercado. Sim, porque as peças assim tratadas passam a valer muito mais. E, com o tempo, passam a valer mais ainda.
Reportagens, textos, livros, foram escritos em muitas línguas, nos últimos séculos, relacionando essa técnica à possibilidade de aceitarmos as cicatrizes de nossa vida humana, mediante procedimentos sentimentais.
Nesse sentido, somos comparados a pires, xícaras, tigelas, pratos, fraturados ao longo do tempo, largando pedaços ou lascas de nossas almas por toda a nossa existência.
Esses cacos podem ter sido grandes amigos, amigas, antigos amores, sonhos não realizados, lembranças descartadas pela intolerância, pela falta de maturidade ou sensibilidade, por falhas de comunicação.
Até onde foi possível pesquisar, não há receitas claras sobre como recuperar esses estragos em nossas mentes.
Contudo, observando as técnicas da joalheria, talvez seja possível deduzir um caminho relativamente lógico.
Primeiramente, é necessário lavar toda a peça, para retirar as impurezas. Isso pode ser feito com orações, para os religiosos, com exame da consciência, para os ateus, espiritualistas e pessoas sem religião em geral. Em comum, a condição humana!
É bom observar toda a área da quebra, para identificar o que falta de pedacinhos e recuperar a maior possibilidade do encaixe. Uma boa forma disso, dedução óbvia, é o abraço cuidadoso.
Mas, em sua intenção, deve estar o perdão. Pode ser o ato de perdoar, às vezes, até a si mesmo, ou aceitá-lo de outros.
Toma-se, então, o buril.
Esse instrumento, usado para fazer decoração em brincos, anéis, colares, serve também para escarificar superfícies metálicas.
Por ser contundente, pode ocorrer ferimentos!
Com ele, devem ser retirados todos os fragmentos de ódio, inveja, antagonismos, defeitos esses originais da peça ou resultado de seu mau uso. Imperícia social, talvez!
Essas qualidades negativas são enganosas! Em alguns pontos, podem até parecer fatores de união. Mas não resistem ao tempo e acabam mostrando suas características de repulsa. Muitas vezes se tornam, também, dominantes entre os sentimentos bons e ruins.
Devidamente limpa e escarificada, a peça deve receber o material colante.
Sempre existem segredos de oficina na ourivesaria, às vezes, para contornar a diferença de temperaturas que os diversos materiais suportam. Porém, como a cerâmica tem seu ponto de fusão muito mais elevado que o ouro, a solda não vai queimá-la. E como a solda, no caso, é apenas uma liga de ouro, com bem menos de dezoito quilates, então, podemos usar a compaixão, a misericórdia, o amor ao próximo, para substituí-la.
No trabalho com metais, há dois tratamentos térmicos convencionais. Para amolecer o ouro ou a prata, ainda no exemplo, deve-se aquecer bastante a peça e, imediatamente, jogá-la em água fria. O choque térmico vai tornar o metal dúctil, fácil para ser trabalhado. Em seu formato final, para voltar a dureza, deve-se aquecê-la novamente e deixá-la esfriar normalmente.
Portanto, se a ligação for feita não com solda, mas com uma prótese em ouro, será necessária uma intervenção mais elaborada. Em primeiro, amolecendo o coração. Depois, dando tempo ao tempo.
Falta o polimento!
Esse, após o sucesso da operação, deve ser constante. Sempre uma manutenção, com palavras doces, carinho, compreensão.
Quem consegue fazer o kintsugi consigo mesmo, volta a ser, praticamente, uma criança, com sua integridade, bondade natural, amistosidade.
Pode ocorrer ainda que essa pessoa vá fazer um exame de imagem do tórax e escute do técnico: - Você tem um coração de ouro!
Sérgio Antunes de Freitas
24 de fevereiro de 2020

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