CONFESSO QUE MORRI
Sérgio Antunes de Freitas
Talvez não tenha morrido em mim mesmo,
Talvez tenha morrido a morte dos outros.
A vida de Neruda já me foi suficiente.
Vive-se também a vida de outro vivente,
Em sua obra loquaz e permanente.
Faleci a cada pessoa injustiçada,
A cada criança famélica sepultada,
A cada velho doente em sofrimento,
E todas as vítimas de tormento,
A cada execução sem julgamento.
Desencarnei ao saber de crimes passionais
E de cárceres injustos, aplaudidos,
Pelas conversas e pelos jornais,
Ouvindo a avidez das violências
E o choro doloroso de filhos e de pais.
Toda manhã, ressuscitei em cova rasa,
Para morrer na rua ou em casa,
Ao longo dos dias anoitecidos,
Indiferente à alienação dos vivos
E à solidão dos mortos desconhecidos.
Sérgio Antunes de Freitas
Julho de 2022
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