O cão e o gato*
Marina da Silva
Conta-se que Jesus quando esteve em provação no deserto sentiu sede e então vieram lhe servir, um cão e um gato. Jesus entregou a cada um deles um copo e mandou-os procurar água.O gato sabendo estar no deserto e que seria difícil, árduo e muito arriscado encontrar tal tesouro ficou escondido atrás de uma pedra, esperou um bom tempo e então, valendo-se da astúcia mijou no copo e entregou a Jesus. Já o cão, leal, fiel, amigo, andou dias e dias passando calor, fome, sede, enfrentando o terrível frio da noite no deserto e os muitos perigos indo dar com um oásis, onde encheu primeiro o copo de Jesus, depois saciou a própria sede. E voltou enfrentando tudo novamente e entregou a Jesus a água límpida. Então Jesus abençou o cão e castigou o gato. Muitas vezes ouvi essa história na infância e deixei-a bem no fundo da memória e até a teria esquecido se a mesma não me tivesse sido contada recentemente só que atualizada, nesses tempos de economia globalizada. E tudo começou com o seguinte comentário na hora do lanche:
_ Gente olha que estranho: já faz um tempo que percebi que nessas lojas de departamentos, os trabalhadores estão sendo chamados de colaboradores!
Aí uma funcionaria terceirizada achou por bem esclarecer minha ignorância no assunto.
_ É que hoje em dia nós temos quer ser como o cachorro! Falou convicta.
Continuei na ignorância, mas ela me explicou detalhadamente. Em uma palestra na sua igreja, o pastor que também é consultor em economia, contou a parábola do cão e do gato para explicar o novo perfil do trabalhador nesse novo milênio: leal, fiel, colaborador, prestativo, o melhor amigo do homem, aqui no caso, do patrão seu cachorro. O gato continua com a ficha suja! O funcionário tipo felino é repelido por ser um bicho preguiçoso, melindroso, individualista, que só trabalha direito se ver alguma recompensa nisto. As empresas hoje precisam de colaboradores – informou-me comovida. Eu ajudo o patrão e ele me ajuda! Fiquei impressionada com a apropriação criativa de uma parábola para domesticar e adestrar trabalhadores obrigando-os a aceitar, sem nenhum latido, a precariedade das condições de trabalhos, os baixos salários, as péssimas condições de vida e sem nenhuma segurança qualquer de que terá, mesmo sendo tratado como um viralata de quinta categoria, o seu emprego garantido! Um doutrinamento, um cooperar coagido que saiu para além dos muros da fábrica, invadiu escolas, igrejas, lares, enfim todas as relações sociais do indivíduo e que daqui a pouco enquadra Jesus Cristo como um mero carpinteiro que como o gato, levou uma crucificação no lombo como castigo.
*Publicado em WWW.reforme.com.br/kitnet
Meu comentário é: Nada a declarar,sem comentários.
ResponderExcluir