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segunda-feira, 3 de outubro de 2022

BRAZIL. CÂNCER ... SIM, DE NOVO! CIRURGIA parte 2

 CIRURGIA Parte 2

Mosaico a partir de www.google.com.br

Marina da Silva

Eu poderia só chegar aqui e escrever ou ter escrito sobre a mastectomia a que fui submetida em uma crônica rápida, páh e bola, MAS eu gosto de contar "causos"  e no caso mastectomia radical são 20 anos de evolução de técnicas menos radicais e invasivas. 

Em 2002 a opção era arranca tudo e me livra do câncer. Em 2022...

Eis a proposta cirúrgica de Dr. Clécio para a minha pessoa: retirada da mama esquerda, colocar um silicone para a reconstrução  da mama; mama direita receberia uma recauchutada, ou seja, retirada das calcificações e do tecido cicatricial (fibroses) que, além de doer em qualquer atividade, deixou meu braço com os movimentos emperrados e refazer a (re)reconstrução da mama direita usando o músculo das costas.

"Sério? Só isto tudo e numa única cirurgia?" Pensei aqui comigo.

"Mas e o risco de linfedema? Eu fiz o esvaziamento axilar.!" Informei ao médico. Este foi nestes vinte anos o maior pesadelo da minha vida.

E o cirurgião, na maior calma século XXI me acalmou e afirmou não ter risco nenhum. Acreditei. Eu do alto da minha ignorância e medo não questionei alto, mas pensei:

"Estes anos todos não permiti ninguém sequer "tirar" minha pressão no braço direito com medo do inchaço e agora ele vai cutucar aí dentro, cortar uns trem de calcificação na minha mama e está tudo bem?"

Ergui as vistas pensativa e dei de cara com as portas do armário suspenso, todas espelhadas, e lá estava Jesus segurando a mão de Dr. Clécio numa cirurgia de mama. Era um quadro singular e este teve em mim o efeito de afastar, a partir daquele momento, qualquer receio com a operação nas mamas.

"Eu quero ver a senhora dia..." E a consulta foi encerrada.

Foto Marina da Silva. "A fé não costuma falhar". Gilberto Gil

Sai de lá com vários retornos pré-agendados e tranquila, aliás, tranquilíssima. Devo confessar que não sei se por ter passado pelo câncer de mama uma vez, se por estar fingindo ser forte e me achando forte ou se realmente vinte anos depois meu comportamento além de maduro estava exemplar até para mim mesma. Não fiquei apavorada, desesperada, não deixei o medo me dominar, estava no controle de tudo sozinha [fiz o máximo possível para não incomodar ninguém porque estourei meus créditos no primeiro perrengue e só sobrou a opção "sou forte"], não dei chiliques nem  arrumei quiproquós, querelas  e xurumelas. Fazer tudo sozinha foi a estratégia que escolhi, fingir que estava forte e não incomodar ninguém foi o que escolhi, fingir que não estava com câncer foi o que me ajudou a ir em frente. Eu, eu, tudo eu me deixou forte, elevou meu moral e minha moral como nunca antes pós-perrengue número 1. Yes, I'M STOPPABLE!

Fato é, e preciso deixar registrado: tive apoio irrestrito e excepcional de minha filha quando pedi, de minha irmã e sobrinha Ana; e contei com o apoio da equipe Navegadores do Hospital Orizonti: enfermeirixs e profissionais que agendaram todos os exames, consultas, tiraram minhas dúvidas, confirmaram cirurgia, horários, protocolos, enfim, serviço de primeiríssima qualidade, super Top dos Top! Gostei de tudo no Orizonti menos ficar um dia a mais internada, porque grogue do pós-cirúrgico fiz piada com língua engrolada e respondi ao Dr. Gabriel, quando ele me perguntou se queria alguma coisa: "uma cerveja." rsrsrs

***

www.google.com.br/images. Wassily Kandinsky - Círculos

Um dia antes da cirurgia compareci ao consultório de Dr.: Clécio e passei por uma sessão de fotos de frente e perfil das mamas e costas, assim, assado. Depois fomos para outro ponto da sala e em pé frente a ele, agora sentado, pinceis na mão e aparelhos celular e computador conectados começou a marcação das mamas para cirurgia e mais fotografias.

A partir deste momento eu não era mais uma paciente e sim, um modelo de arte no ateliê de Kandinsky, Iberê, Picasso. Meu corpo se transformou numa tela viva e o cirurgião ia pintando o quadro cirúrgico. Fiquei deveras impressionada com esta sensação e pensava olhando as linhas coloridas na pele; linhas vermelhas, verdes, azuis e preta, cores Frida Khalo. Sim, eu era uma tela de Frida Khalo e com todas as suas cores e orgulho do povo mexicano.

Mosaico a partir de www,google.com.br/images


A estas alturas você pensará: 

"Ela fumou alguma erva, bebeu um chá de cogumelos alucinógenos..."

Tudo bem se for assim. Minha mãe me chamava de sonsa, "da Lua", mulher de pensamentos livres, leves e que vão para onde bem entendem e me trazem sensações tal como estas que descrevi aqui, um dia antes da cirurgia. Eu olhava meu corpo pelo celular e computador, via a mão do cirurgião e seus pinceis marcadores como pincéis do mundo das artes, e sim, sentia seus traços na pele como se fosse um pincel de Kandisnky, Iberê, Picasso e vivia todas as cores de Frida Khalo.

Cheguei em casa, me despi para ver se tinha apagado algo e fiquei me olhando no espelho tentando ver a cirurgia do dia seguinte naqueles traçados, frutos da pré-concepção das mastectomia/reconstruções de mamas e lembrei-me de Karl Marx: 

"Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colmeia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na sua mente sua construção antes de torná-la realidade."1

A abelha, a aranha, o João-de-barro agem e constroem por instinto e sempre reproduzirão o mesmo trabalho. Dr. Clécio, ao pintar meu corpo criou um trabalho único, singular, uma operação para a minha pessoa a ser executada no meu corpo no dia seguinte, enfim, arte.

Fotos e montagem: tela Marina


Ainda Marx: homens e mulheres concebem  mentalmente o seu trabalho antes de realizá-lo; usam a razão para solucionar problemas, criam novas opções, técnicas, aproximações para realizar o trabalho.

Já disse que peguei gosto deste cirurgião Dr. Clécio Lucena?

Tirei fotos de tudo, coloquei Beethoven para tocar e fiquei bailando com uma obra de arte no corpo.


Fonte

1. MARX, Karl. O CAPITAL. Crítica da Economia Política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, Vol. 1, cap. V,  p.211. 1998.

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