Vontade de potência
No afã de tomar uma atitude, Drauzio passa como um trator por cima de dúvidas pertinentes como a eficácia do tratamento compulsório --que tende a ser ainda menor do que as já modestas taxas de sucesso das internações voluntárias-- e a carência de vagas no sistema.
Raciocinando por hipótese, já que não existem dados confiáveis, se a chance de livrar-se da dependência é mínima e o tratamento é física e psicologicamente penoso, não podemos nem mesmo afirmar que a recusa é uma decisão irracional. Se vale a analogia com o câncer, quando o prognóstico da doença é muito ruim, alguns pacientes optam, talvez sabiamente, por evitar os efeitos adversos de uma quimioterapia.
E será que faz sentido usar uma vaga com alguém que não a deseja quando existem muitos dependentes menos graves que buscam desesperadamente um lugar para internação e não o conseguem? Qual a política pública mais correta?
Não chego a afirmar que a internação à revelia seja sempre indesejável, mas me parece claro que não pode ser usada como panaceia. Não dá para sair jogando as pessoas em hospitais e clínicas e depois corrigir os exageros, como quer o Drauzio.
A humanidade levou sete milênios para desenvolver mecanismos legais que protegem o cidadão do arbítrio do Estado. A lei nº 10.216, que prevê a internação involuntária, põe esse esforço por água abaixo ao permitir que uma pessoa seja privada de sua liberdade por tempo indefinido sem direito a defensor ou mesmo juiz. Precisamos, no mínimo, reescrever essa monstruosidade jurídica.
Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou "Aquilae
Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001.
Escreve na versão impressa da Página A2 às terças, quartas, sextas,
sábados e domingos e às quintas no site.
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