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sexta-feira, 10 de março de 2023

BRAZIL: UMA CARTA DE AMOR

 ENCONTRO ÀS CEGAS

Foto Marina da Silva. Grafite 2015. Rua dos Tupis, Barro Preto, Belo Horizonte. MG. Não existe mais.

Marina da Silva

Foi assim que te conheci, um encontro às escuras e com excessiva má vontade de minha parte. Já havia me esquivado de um primeiro encontro com você e a desculpa veio com a pandemia Covid-19 em 2020; mas agora vacinada com quatro doses  de combinações esdrúxulas da guerra psico-terrorista biológica EUA X China e acusações de ambos os lados: duas Coronavac, uma Pfizer, uma Astrazeneca. Não sofri nenhuma reação além da dorzinha da picada. Novo encontro marcado e eu sem saída. Dentro de mim reinava a escuridão: depressão, um caroço suspeito no abdome percebido na longa e conturbada e mortífera pandemia Coronavírus.

"Você marcou?"

"Sim, próxima quarta-feira, até mudei o dia da terapia."

"É só uma tentativa. Não custa nada."

Passei bom tempo pensando no absurdo de um encontro às cegas, no escuro.

Mas você me veio, pessoa super recomendada,  aliás, uma prescrição segura para mim, já testada e aprovada por ela.

"Ok. Não vai dar em nada. Vou lá e me desencanto de cara e pulo fora desta roubada."

Retiro da Escola de Percussão Circular. Julho de 2022. Minha filha das artes, ex-aluna Percussão Circular.
Encontro marcado cheguei na hora como uma engenhoca suíça. Confesso que boa parte da minha má vontade se dissolveu no seu intenso azul.  Pega de surpresa me vi esboçando um sorriso ao ver suas formas e contorno e  todo aquele azul. Entrei e me  anunciei e enquanto aguardava com outras pessoas fui atingida pela luz do sol de uma cor amarela vibrante nas paredes, portas, lambris e em qualquer lugar que eu olhasse.

"Pode um lugar predispor ao amor ou pelo menos quebrar minha terrível má vontade e  forte disposição de sabotar nosso encontro?" 

Print tela google maps. Brasil. Belo Horizonte. Escola de Percussão Circular.

Nos vimos, nos olhamos. Você se abrindo para mim e se oferecendo para ser a minha pessoa num momento da minha vida em que frágil, fraca, resolvi fingir ser uma fortaleza  construindo uma gigantesca e fortificada crosta de concreto e aço contra o mundo, contra todos, contra tudo, contra você. Mais que o lugar, símbolo de força, coragem, resiliência e principalmente resistência foi sua história que me tocou e abriu fendas na capa de concreto que eu havia construído. Nos primeiros meses agi como um porco-espinho impedindo e lutando contra você e sua maravilhosa família e cumprindo apenas a promessa de tentar. Este seu mundo não é para mim. Nada sei do que lhes encanta e dá força e coragem e mesmo assim você me ofereceu um banquinho amarelo, um carpete azul, muitos sons, sorrisos, régua, compasso e um norte na escuridão que se abatia sobre a minha vida.

Ilusão de ótica, mas foi esta vibração na escola de Percussão Circular que me hipnotizou.

Você se tornou a minha pessoa, meu lugar seguro em meio a zilhões de instrumentos de percussão circulando ao me redor e me deixando tonta, zonza. Quis implicar, não deixar você entrar, quis fugir. Uma, duas, três, quatro vezes seguidas, mas tinha a promessa de tentar e suas pessoas aos poucos foram me entrando pelas fendas e rachaduras que todo aquele amarelo e azul provocara. Suas pessoas, muitas quebradas e feridas como eu, aos poucos foram se tornando minhas também e eu delas. Era a primeira vez desde 2012, quando se declarava abertamente uma "guerra abjeta" do império estadunidense contra o Brasil com o objetivo de derrubar do poder a esquerda petista que eu me via na rua,  2022, rodeada de gente, corpo e alma manifestando, gritando palavras de ordens, apoiando bandeiras partidárias, ideologias coletivas, sem medo das vacas fardadas que foram fortalecidas e vieram para ciberespaço trazendo seu discurso conservador, fascista, hipócrita, cheio de ódio e intolerância, racismo, homofobia, misoginia, feminicídio e muito mais.

Turma Lexomtam: ao centro, sentada, cabelos pretos, look black e terroso,  professora Anna Lages. Não tenho palavras para dizer o quanto ela foi importante na minha vida. Brigadaça Anna Lages.

A sua manifestação era apenas cor, brilho, luz, amor, acolhimento sem pretensão doutrinária, apenas amor pela música e pelos ricos e complexos ritmos da música brasileira, aqui na capital mineira, Beagá, Belô, Belorizonti. Em nosso primeiro encontro não lhe contei, mas estava às voltas com a depressão e uma suspeita de câncer de mama, vinte anos depois de um tratamento de câncer de mama em 2002. Estava triste, cansada, deprimida, abatida pelo caos político instaurado pela extrema-direita fascista e pela "Elite do atraso e partido militar golpista" desde o fake  "impeachment por pedaladas" da presidenta Dilma Rousseff; deprimida pela ascensão de grupos nazistas por todo o país e a mortífera pandemia Coronavírus. Tem jeito de piorar mais? Sim, a partir da eleição de Donald Trump em 2016 para presidente dos Estados Unidos, a extrema-direita mundial atacou a frágil democracia brasileira e elegeu o bozogenocida que prometeu regredir o país meio século e conseguiu muito mais que isto, instaurou a república de milícias corruptas da bancada evangélica da bala.

Quase uma década (2016-2022) de retrocesso econômico-político-social-cultural surreal e inacreditável que foi agravada pela necropolítica negacionista da pandemia. País dividido, famílias divididas, colegas de trabalho e mesmo amigos e amiguis em pé-de-guerra fundamentados pelo olavismo e gabinetes de ódio em expansão nas redes sociais. A ciência, a filosófica e saberes e senso comuns importantíssimos de nossos ancestrais foram substituídos pelo falso guru e auto-intitulado filósofo olavo e demonizadas por milícias, muitas delas evangélicas, gente que se dizia pastores e pastoras pregando anti-lulismo e profetizando o genocida como novo Messias** no YouTube, Facebook e compartilhadas pelo tiozão e tiozona do zazapis.

Resistir e sobreviver e esperançar! Fui para a escola de Percussão Circular.

Foto do Mural e a história de Cris Di Souza e a Escola de Percussão Circular, um bruxo ensinando a magia da percussão. Di Souza é a escola em carne e espírito. Ele e Ela, uma só e a mesma coisa.

Então um encontro às cegas com você que como eu e milhões de sobreviventes deste século XXI, passou perrengues e lutou para sobreviver a tudo isto, confesso, não era muito atrativo. Eu esperava você, acadêmico, cheio de formalidades, professoral e você veio e me surpreendeu livre, linda, hippie, ensinando música e amor e acolhimento em zilhões de batuques. Eu quis fugir de você, mas tinha todo aquele azul e amarelo e instrumentos curiosos e sua família... Eu, mulher da transição, nascida na ditadura, interiorana e quase sexagenária, lutando para chegar ao século XXI descolonizando pensamentos, habitus e você pregando e vivendo uma "reforma agrária do amor".

https://www.otempo.com.br/diversao/di-souza-conheca-a-historia-do-regente-do-bloco-entao-brilha-1.2301188

Eu não sou daqui, nada sei de claves de sol, fá, nunca entendi uma colcheia ou semínima das aulas obrigatórias de música  (anos de chumbo) e você não me pedia nada disto nem coisa alguma, aliás me pediu para não saber nada! Você colocou em meu corpo uma zabumba, ajustou-a e me mandou brincar? Eu brincando de roda aprendi a tocar zabumba e me vi rindo e relaxando músculos e defesas, deixando as fendas de concreto se alargarem com palmas, batidas de pé.

XITÁM, POWER BAZUCA

TCHÁ CUM DUM

TUM TUM

TUM PÁ

Qual é a sua magia? O mar que vem do azul, a cura apolínea do seu amarelo, o delicioso som do agogô de côco, o Gonzagão que pula de minha memória com a zabumba e trinados do triângulo: tengo lengo tengo lengo; dedos fechados no GO  e abertos no TEN LEN?

Gente é para brilhar. Di Souza regendo ENTÃO, BRILHA* e arrastando milhões no Carnaval de Belô.

Um iêta, dois iêta, três iêta, quatro...Forró, baião, xote, xaxado. Como assim?  Escola que só tem a "hora do recreio"? Voltei para a 5ª série...C! Eu não queria nada com você, te olhei torto e torci o nariz e você a cada encontro insistia em ser minha pessoa num momento em que eu vivia só trevas e ainda aceitou sorrindo minha birra com meus birutex (ansiolíticos e antidepressivos) e topou alegre e carinhosamente a sugestão Lexotan para nomear a turma transformando algo ruim em LEXSOMTAM.  Nossos encontros se tornaram leves e pude ver que temos muitas coisas em comum e deixei você entrar e ser minha pessoa enquanto lidava com o diagnóstico de câncer confirmado e todas as etapas de consultas, exames pré-operatórios para o tratamento de outro câncer de mama, vinte anos depois. Imersa no seu amarelo e azul esquecia as horas incontáveis de exames e todas as manipulações e toques em meu corpo que me enervavam e causavam medo e focava na sua história de vida e na sua luz: Então brilha!

Adriana e moi no Retiro da Escola @percussãocircular. Fizoele

Internada, operada, em licença do trabalho eu só pensava: será que vou poder tocar zabumba sem dor? Senti falta de suas vozes, risos, sons, gargalhadas circulares, @percussãocircular circulando, eu deitada na rede  enfeitiçada e me deixando enfeitiçar, zonza, hipnotizada nesta persecução mágica. Na volta resolvi te contar do câncer e você me abraçou e me desmontou. Foram muitos abraços e demonstrações de afetos e estes toques e abraços sem jalecos brancos ou uniformes me ajudaram e me ajudam no processo de cura. O que posso fazer ou falar para mostrar o amor que nasceu em mim? GratiTUM, obrigaDUM!  É uma honra fazer parte da PERCUSSÃO CIRCULAR.



  * Cris Di Souza. "Compositor, multi-instrumentista, arranjador e professor, também é maestro dos blocos É o Amor, Abre-te Sésamo, Circuladô (formado por alunos de sua escola, a Percussão Circular) e Haja Amor (de Divinópolis). O carnavalesco também fundou o Pisa na Fulô, primeiro bloco de forró do Brasil. “Foi o primeiro bloco que formei depois da experiência com o Brilha, e na companhia de pessoas que faziam aula de percussão comigo. Atualmente não faço mais parte, por escolha própria, mas guardo com muito carinho essa memória”, relembra. https://www.bheventos.com.br/noticia/01-28-2020-di-souza-de-maestro-do-entao-brilha-a-multiplicador-de-blocos-do-carnaval-de-bh

**Como a religião foi usada em movimento que culminou no 08-01-2023 https://youtu.be/QVLYafGRvA4


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