MACACO ARMADO
Sérgio Antunes de Freitas
O circo estava pronto para o primeiro espetáculo na cidade.
Um carro de som anunciava as atrações tradicionais: trapezistas de tirar a respiração de todos, acrobatas audaciosos, malabaristas incríveis, bailarinas lindas e elegantes, palhaços engraçadíssimos.
E, nos intervalos, pipocas quentinhas, doces e salgadas, maçã do amor, algodão doce, quitutes e chocolates, refrigerantes, tudo a preços módicos. Uma festa para adultos e crianças. Como não se divertir?
E restava a maior atração dos últimos tempos, o macaco Cornélio, exímio atirador. Nunca errou o alvo. Sempre acertou na mosca.
Quem duvidasse poderia ver com os próprios olhos. Bastaria comprar o ingresso ali mesmo, no carro de som, ou na bilheteria, aberta uma hora antes dos trabalhos. E era preço de promoção, por ser a estreia tão esperada por todos. Um presente para aquele povo tão acolhedor.
Para ver o macaco bom de pontaria, faltou ingressos.
Noite calorenta. Plateia lotada!
Respeitável público!...
Os números iam sendo apresentados, seguidos de aplausos entusiasmados e ansiosos pelo símio atirador.
Após um demorado anúncio, entrou o artista, vestido de vaqueiro, mas com uma coleira e uma guia mais longa, incomum, segurada por um simpático senhor com rosto de responsável. Mas ninguém notou o detalhe da guia longa!
Os coldres da fantasia do bicho estavam vazios. Então, o tratador enrolou a guia em uma cadeira, na qual sentou o macaco e lhe entregou um revólver 38. A poucos metros dele, uma placa de madeira, coberta com um alvo de papel.
E o homem deu a ordem: - Cornélio, só atira depois de eu gritar “já, Cornélio”.
Suspense total!
O macaco olhava pela mira da arma em direção ao alvo, atento à ordem.
E o alto falante anunciou em alto som: - JÁ, CORNÉLIO!
PÁ! No centro do alvo. O buraco no papel não deixava dúvidas.
Os aplausos eram ensurdecedores e o tratador curvava o corpo com as mesuras de costume.
Nesse momento de descuido, o macaco saltou da cadeira, desenrolou a guia e saiu correndo pelo picadeiro, com o revolver, apontando para todas as direções.
Atônitos, os espectadores escutaram o som de mais um tiro, disparado para o alto, e viram uma placa de madeira cair da parte superior da lona no meio da arena.
Um namorado apaixonado se jogou em cima de sua amada; pais tentavam proteger suas famílias com o corpo; mães abraçavam os filhos, como galinhas colocam os pintinhos embaixo das asas. Solteiros e avulsos corriam para a saída de emergência, bloqueada por fortes seguranças.
Quando o som anunciou que os tiros eram de festim e que ninguém precisava sair de seu lugar, já havia um sujeito com uma arma de verdade, correndo para matar o macaco.
Outro, indignado, reclamava com raiva: - Podiam ter avisado antes, né? Minhas calças estão imundas.
E foi em direção à saída, com os sapatos reclamando também: - Chulépt! Chulépt!
Um bêbado, rindo de balançar a barriga, desde o segundo disparo, gritou: - Calma, gente! Eu conheço esse macaco. Ele tem porte de arma.
Dois palhaços, daqueles coloridos de cima em baixo, entraram correndo atrás do bicho, mas deram meia volta, pois o bicho é que passou a correr atrás deles, com a arma de brinquedo na mão. E todos voltaram para os bastidores.
De imediato, os trapezistas vieram roubar a respiração das pessoas conforme o prometido, encerrando as emoções da noite, ao som da charanga chorosa pelo final.
A satisfação corria no sangue das famílias retirantes da plateia e dos artistas circenses.
No outro dia, não se falava de outra coisa e muitos diziam querer assistir novamente o mesmo espetáculo.
E quem foi outra vez descobriu ser o homem com as calças sujas um dos palhaços, à paisana, que sempre fazia esse papel.
Circo é assim! Surpreendente! Tudo de bom!
Sérgio Antunes de Freitas
Junho de 2022
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