BRAZIL: EU

 PRIMEIRA PESSOA

Marina da Silva

 

Eu linguagem gramática viva

Sintaxe, ortografia própria

Sempre comum de dois  ou mais

Gênero indefinível,  carne e espírito transmutante, transparente

Com alta inclinação para cacófatos, neologismos, maneirismos.

Construindo-me, destruindo-me e me reconstruindo dia após dia

Cotidianamente nas vinte e quatro horas  dormindo 

Porcelana fina, retalhada, craquelê.

Tróia setenta vezes sete destruída. 

Concordância não é meu forte,  fraco

... Ponto de mutação.

Frases simples não me contém... às vezes conforta e só.

Sou espaçosa, ampla, extravagante

Um leito de períodos longos transbordando e vivendo 

Coordenadas subordinadas orações, atos e constrições de minha vida.

Construo linguagens gritantes e sou linguagem melodramática Filosofando

Num corpo hiperbolicamente pequeno.

Corpo de paradoxos, anacolutos, antíteses sintéticas e pleonásticas

Eu silepse e metonímia nas minhas hipérboles de dores alheia compreendida.

Sou gramaticalmente Cora Coralina metamorfa vulcânica argila

Trabalhada e retrabalhada em cores  e dores Frida Kahlo.

Pulsante impotência estropiada, mas Eu.

Corpo alma retalhados imensos parágrafos

Metáforas vívidas vida vivida dores danos planos

Deslealdade perdas traições cometidas na primeira pessoa

Eu contra mim mesma, ambas bipolar pleonástica

Gosto acre ácido azedo sem paciência incompreensível.

Custa-me, dó de não me conhecer e me entender menos ainda.

Figura em construção desconstruída Eu

Absorvendo absorvida pela vida difícil bela efemeridade

Tudo é linguagem tudo me dói imensamente 

Pôr-do-sol luar do meu sertão arrepios frio e as montanhas... neblina.

Imagens sentidas em fotografias compartilhadas

Assim caminha a humanidade e eu nanoscópica

Posso, não quero deletar ninguém da minha primeira plural pessoa.

Sou de muitos séculos, de muitas linguagens,  eterna construção humana da vida.

Sou uma Matrix gramatical intergaláctica

Era informacional eu sou humana ser humano

Múltiplas identidades  em plataformas digitais navegante

Vida real virtual partilhada em bites, megabites, terabites.

Mundos e Histórias pretéritas presentes no futuro 

Eu minha primeira pessoa plural

Em transistores semicondutores pilhas de lítio

Transição sempre incompleta e cada vez mais humanamente absurda

Meus retalhos, mesmo os mais dolorosos e sombrios, chips 

Psicanalisados metabolizados re-apreendidos em muitos tons

Repaginada a cada download a cada Up...grade. Grande prisão.

Expandida estratosfericamente no Google, What’sApp, Youtube

Como é difícil uma síntese minha num mero twitter...sou multi plataforma compromisso ética respeito moral religião política

Não busco pedradas ou curtidas...milhões talvez.

Facebook, Flickr, Instagram, blogger

Eu sou na primeira pessoa tu você nós vós eles elas...

Principalmente elas, ela meu eu.