A GALINHA PEDREZINHA
Marina da Silva
"Pururu-ticu-ticu-ticu! Pururu-ticu-ticu-ticu! Pururu-ticu-ticu-ticu!"
De pé, no último degrau da porta da cozinha que dava acesso ao terreiro, a menina, com uma pequena vasilha de alumínio cheia de milho, repetia a ação da mãe muito excitada em dar milho às galinhas. Sua vozinha de criança repetia assim o chamamento:
Pululu-ticu-ticu-ticu! "Pululu-ticu- ticu-ticu!
Como dormia aos pés da cama junto à mãe e ao pai, pois a cegonha trouxera a raspinha-de-tacho, o bebê que lhe tomou o berço - assim que os pais saíam da cama, seu corpinho esfriava e ela dando falta da mamãe se levantava, colocava a chupeta na boquinha e ia para a cozinha se agarrar as barras da sua saia. Nada convencia a menina a voltar para o quarto e dormir e ela ficava ali vendo o pai tomar seu café com o "guano" (uma mistura de farinha com sal ou açúcar que se respinga um pouco de água e passa na frigideira com banha de porco quente) e sair para trabalhar. O pai era pedreiro e sempre que tinha trabalho saia todo feliz fazendo chuva ou sol. Enquanto isto a mãe acordava os preguiçosos com xingos fortes e até palmadas para irem para escola, serviço ou trabalhos do lar. Agarrada à mãe a menina chupava a chupeta fazendo aquele barulho característico e participava da movimentação e atividades da casa que começavam na cozinha e iam para o terreiro.
A casa ia acordando, ganhando vida e se esvaziando numa chuva de "bença mãe, bença pai" que era respondida com "Deus te abençoe, Vá com Deus, Deus te acompanhe". Em seguida a mãe enfiava uma lata na saca de milho e enchia duas vasilhas, a sua e a da menina e iam alimentar as galinhas:
"Pururu-ticu-ticu-ticu! Pururu-ticu-ticu-ticu! Pururu-ticu-ticu-ticu! "
"Pululu-ticu, ticu,ticu! Pululu-ticu, ticu,ticu!"
As galinhas vinham alvoroçadas e num estardalhaço e fazendo festa de todos os cantos do quintal, trombando e pulando umas sobre as outras e se atropelando e se bicando enlouquecidas na disputa pela maior parte do milho que a mãe jogava ora aqui, ora ali, ora acolá para dar chances a todas. As mais gulosas corriam feito loucas para todos os lugares, muito tontinhas! Como a mãe, a menina jogava seu milho e chamava a atenção das galinhas mais espertalhonas:
"Gulosa!" Xô diabo"! "Não pode comer tudo sozinha!"
De repente a menina deu falta de uma galinha:
"Mãe cadê minha Pedrezinha? Ela sumiu."
"Não sumiu não. Agora ela está "choca".
A menina não entendeu nada.
"Venha, vou lhe mostrar onde ela está."
Numa moita de plantas medicinais perto da cerca dos chuchus e abóboras, a galinha Pedrezinha construíra um ninho e estava lá toda esparramada, uma bola de penas, olhos fechados, dormindo e pôs a resmungar num cacarejo bravo quando a mãe arredou seu corpo para mostrar um ninho cheio de ovos.
"A Pedrezinha, explicou a mãe, vai ficar aqui aquecendo os ovos para chocá-los e depois nascerão os pintinhos." A menina continuou não entendendo nada nem coisa alguma: galinha fica choca e nasce pintinhos... Ela nem perguntou como os pintinhos iam nascer, pois é claro que era trabalho para a cegonha.
"Será que é a mesma cegonha que trouxe o novo bebê que vai trazer os pintinhos? Será que existia uma cegonha só para pintinhos da Pedrezinha?" Pensava. A partir de então a menina ficou de botuca esperando a cegonha aparecer e torcia para ela chegar com os pintinhos durante o dia. A galinha Pedrezinha se levantava muito pouco do ninho; provavelmente para não perder a entrega da dona cegonha. E os dias se passavam e se passaram...
Uma manhã a mãe levou a menina para a "casa" da Pedrezinha na moita dos chuchus e...Que coisa estranha, os ovos estavam se mexendo e de dentro deles saiam pintinhos. A menina ficou abismada e maravilhada ao mesmo tempo. Os pintinhos, bem peladinhos, com seus frágeis biquinhos iam quebrando a casca dos ovos e e pluft! Nasciam. Um verdadeiro milagre!
"Todos os bichos de penas, as aves, nascem assim". Explicou a mãe. Os pardais, as rolinhas, os piriquitos, os papagaios, os pombos, os pintinhos. E foi uma festa! No final nasceram vinte e oito pintinhos. Nem todos se salvaram; alguns nasceram muito fraquinhos e aí não resistiram, morreram. A partir deste dia a menina passou a cuidar só dos pintinhos, esqueceu a Pedrezinha. Alguns pintinhos ficaram doentes, com remela nos olhinhos e morreram. Daquela ninhada sobraram apenas onze pintinhos que cresciam muito rapidinho.
"Mãe, quando a Pedrezinha vai ter mais pintinhos?" "Por onde a galinha bota ovos?" "Mãe olha um ninho de pardal no telhado da sala." "E galo também bota ovo?" Por que só a Pedrezinha teve pintinhos?
Nem sempre a mãe estava com paciência para a tagarelice da menina. Um mês de perguntas e a menina sabia tudo sobre o ovo e a galinha: os pintinhos nascem de ovos, só as fêmeas botam ovos; pato não bota ovo e sim dona pata; os pintinhos ao nascer não tem penas, só penugens; as galinhas chocam os ovos em ninhos, nascem muitos pintinhos, mas nem todos vingam, os pintinhos viram franguinhos e franguinhas e galo. A menina aprendeu muitas músicas sobre galinhas e patos. Agora todas as brincadeiras tinham canções sobre galinhas, pintinhos, pato. Pulando corda, brincando de roda, cavocando a terra atrás de formigas, ajudando nos serviços da casa. A cantoria não parava:
"A galinha pedrês, bota ovos de uma vez. Bota um, bota dois, bota dez, bota mil"; "Lá vem o pato, pata aqui, pata acolá, quá, quá"; "Meu pintinho amarelinho, come aqui na minha mão, quando vê algum bichinho com seu pezinho cisca o chão." A galinha, magricela, bota ovos sem parar; a galinha magricela bota ovos e bota banca de mais bela do Brasil"; "O galo e a galinha quando foram a Pernambuco, o galo comeu o milho e a galinha...também [dei uma atualizada na canção, a verdade é que só sobrou para a galinha o sabuco]. Mas eram outras épocas, e hoje as galinhas lutam pelo seu milho e por todos os seus direitos também. Um dia a menina perguntou:
"Mãe a Pedrezinha está choca?" A mãe desconversou, brincou com a menina de pegar uma franguinha tão linda quanto a Pedrezinha e lhe disse:
"Olha esta franguinha! É filha da Pedrezinha. Você viu que ela é igualzinha, toda pintadinha?"
"É mesmo mãe."
"Agora ela é a nova Pedrezinha."
"Mas onde está a Pedrezinha?" Insistiu a menina.
"Ela fugiu. Ninguém sabe, ninguém viu." A mãe proibira os outros filhos de contar sobre a Pedrezinha, que ela participara da galinhada do Domingo.
"Fugiu?" Os olhinhos se encheram de lágrimas. A mãe acariciou a cabeça da menina e fez uma gracinha que assustou a nova Pedrezinha que, assustada, fez um escarcéu danado, pulou do colo e das mãos da menina e saiu em desabalada carreira.
"Pega, pega, pega ela se não vai fugir também! E lá foram as duas pegar a franguinha Pedrezinha cercando aqui, ali, acolá e a danadinha corria louquinha pelo terreiro. Minutos depois, sentada no degrau da cozinha, a menina prendia com força a nova Pedrezinha junto ao corpinho e avisava séria:
"Olha aqui, eu não gosto de franguinha fujona viu Pedrezinha." E lá ficaram as duas papeando do mesmo jeito que a menina fazia com a mãe da nova Pedrezinha.
"É melhor você se comportar viu! Se não vou amarrar seus pés, vai ficar "piada" para não fugir; vou prender você debaixo da bacia!" Pedrezinha parece que entendeu o perigo que corria e ficou quietinha no colo quentinho da menina, adormeceu recebendo os carinhos.
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