Uma História de Nós
Sérgio Antunes de Freitas
Pelo título, deduzem ser este um texto romântico, né, sonhadoras afoitas?
Podem ir tirando seus dinossauros da chuva!
Isto aqui é um texto proponente de uma revisão histórica do descobrimento ou invenção do nó. Voltemos ao passado remoto!
Talvez ele fosse conhecido por Dã, um líder nato de um grupo de homens das cavernas.
Quando se levantava e começava a correr, todos o seguiam, certos de uma boa caçada. Quando se sentava para descansar, todos paravam, sempre atentos aos seus menores movimentos.
Em um momento desses, um macaquinho de um bando seguidor dos humanos, atrás das sobras de alimentos, jogou um pedaço de cipó na cabeça do Dã. Coisa de macaco!
Ele pegou o cipó e ficou examinando em suas mãos, dobrando, mordendo, cheirando, batendo no chão. De repente, sentiu: - Ái, esse cipó mordeu meu dedo!
Assustado, quis gritar: - Nossa Senhora! - Mas só saiu: - Nó!
Todo mundo repetiu: - Nóóóóó!
Ele afrouxou o nó, tirou seu dedo e colocou um graveto no lugar. Apertou, suspendeu o graveto no ar e os demais, achando que era um truque de levitação, deram grunhidos de admiração. O mais intelectual, com vocabulário mais extenso, dizia: - Dã nado! Dã nado!
No grupo, havia muitos nomes, como o Ape, um ruivo, que havia aparecido ninguém sabia de onde. Quando alguém tentava pegar na sua barba ou cabelo, para ver se era de verdade mesmo, ele dizia algo incompreensível seguido do sufixo “ape”. Mas escrevia “up”.
Como o bando era grande, o Dã gritou várias vezes: - Nó, Nó, Nó - para ver se havia alguém com esse nome. Como ninguém respondeu, ele apontou para o embolado do cipó e disse: - Nó! Assim, nomeou o grande descobrimento.
Com poucos anos, descobriram o nó cego, o nó duplo e outros úteis, excelentes para prender e arrastar animais, criar armadilhas, amarrar os outros de brincadeira. Depois de uns quatro enforcados, observaram a periculosidade dos nós.
Um deles, o Pá, descobriu poder amarrar uma grande casca de árvore em um toco, à beira d’água. Servia para não deixar a correnteza levar embora aquele barco rudimentar, usado para atravessar o rio, remando com as mãos. Durante o sono, o Pá sonhava com braços maiores, artificiais, mas, de manhã, esquecia o que tinha sonhado. Só mesmo um trauma poderia deixá-lo mais esperto. Em uma dessas travessias, vários jacarés vieram em sua direção e ele passou a bater os braços com muita velocidade, prevendo, mediante a futurologia, a invenção do motor de popa. Com medo de perder os braços também, inventou uma espécie de pá, muito mais tarde denominada remo.
Vendo essas modernidades, os macacos faziam algazarras, traduzidas como um jargão: - Esses bichos humanos são hilários!
Nas noites frias, ao lado das fogueiras, o Dã ensinava a todos as técnicas dos nós. Seu filho não se interessava por aquilo. O Dã Júnior, nome com o qual o intelectual do grupo o batizou, gostava de jogar tintas nas paredes e deixar a marca das suas mãos.
Quando alguém via o processo pela primeira vez, olhava a marca e, imediatamente, mirava os membros superiores do moleque, para ver se as mãos continuavam grudadas nos braços.
Se o pai ameaçava brigar com ele, a mãe interferia, dizendo: - Pablo - traduzido para “arte é arte”.
Então, as mulheres, silenciosas, aprimoraram os nós e criaram os laços! Criaram também as tranças, com as quais enfeitavam umas às outras.
A história foi injusta com essa invenção, tão importante para a humanidade, como nas grandes navegações. O humilde nó não teve o destaque da vaidosa e festejada roda.
E vejam como o silêncio escondeu fato mais relevante!
As mulheres, consideradas trogloditas inferiores, submissas, inseguras, além dos laços, criaram a tecelagem, as costuras, os bordados, os enfeites para suas cabeças, as rendas, as transparências e, com tantos nós, amarraram os homens pelo resto dos tempos.
Sérgio Antunes de Freitas
Maio de 2020
Grato, Marina!
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