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terça-feira, 4 de setembro de 2012

O Canário Velho e Eu


O Canário Velho e Eu

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 Sérgio Antunes de Freitas

“Platero e Eu” é o título de um clássico espanhol, que Juan Ramón Jiménez lançou em 1915 e lhe valeu um Prêmio Nobel em 1956. Nele, o autor conversa com seu burrico.
A forma inocente e poética dessa literatura é uma das melhores ilustrações da frase atribuída a Leonardo da Vinci: “A simplicidade é o último grau da sofisticação”.
Não confundir simplicidade com simploriedade! Uma é, praticamente, o oposto da outra, já que a primeira pressupõe inteligência; a segunda, parvoíce.
Um exemplo de mente simplória ocorreu recentemente, quando uma senhora de 80 anos, sem nenhuma perícia, resolveu restaurar e acabou estragando um afresco do século XIX pintado em uma igreja da cidade de Borja, na Espanha.
A face de Cristo foi transformada na cara de um ursinho de feltro afogado em uma calda de chocolate.
No caso da simplicidade do escritor premiado, é possível admitir a diferença entre seu trabalho e de outros escritores com menos ou nenhum talento.
Nesse contexto, sem modéstia, eu me satisfaço se for reconhecido como um propagandista da boa literatura de terceiros, da importância da leitura, da afirmação dos valores humanísticos.
Dos capítulos do livro citado, um dos mais admirados, também por mim, é o denominado “O Canário Morreu”. Com as desculpas por transcrever mais do que escrever, segue o texto.

Escuta, Platero; - hoje o canário dos meninos amanheceu morto em sua gaiola prateada. É verdade que o coitado já estava muito velho... O último inverno, tu te lembras bem, ele passou silencioso, com a cabeça escondida entre as penas. Ao entrar a primavera, quando o sol transformou em jardim a sala grande, e as mais lindas rosas floresceram, ele quis também coroar a vida que renascia - e cantou. Seu canto, porém, era entrecortado e rouco, como o som de uma flauta enferrujada.
O mais velho dos meninos - o que cuidava dele - ao vê-lo caído no fundo da gaiola, exclamou choroso:
- Mas... não lhe faltava nada! Nem comida, nem água...
Sim. Não lhe faltava nada, Platero. Morreu porque morreu – como diria Campoamor, outro velho canário...
Platero, haverá um paraíso dos pássaros? Existirá, no céu azul, um verde vergel coberto de áureas rosas, com almas de pássaros brancos, amarelos, vermelhos, cor de prata?
Escuta: - hoje à noite, os meninos, tu e eu levaremos para o jardim o pássaro morto. É lua cheia. E à sua pálida claridade de marfim, o pobre cantor, nas cândidas mãos de Branca, será como a murcha pétala de um lírio. Entrerrá-lo-emos no rosal do pátio grande.
Quando vier a primavera, Platero, haveremos de vê-lo sair do coração de uma rosa branca. E ao ar, embalsamado de perfumes, se encherá de sons. E, sob o sol de abril, palpitarão asas invisíveis e errará pelo espaço a embaladora música de claros trinos de ouro.

Ao final da leitura, fiquei imaginando a cena com se lá estivesse.
Vi as rosas bem vermelhas, ou brancas, e bem cuidadas, a gaiola de metal com decorações da época em suas quinas e nas suas alça e porta, o corpo de penas descoloridas inerte no piso de madeira rachada, os recipientes com água nova e sementes frescas.
Durante o enterro, debaixo das almas dos pássaros coloridos, observei o canário velho, quieto, com seu olhar de resignação, e disse: - Você bem sabe, Campoamor, não faltou água nem comida para o seu companheiro, mas lhe faltou a liberdade.

Sérgio Antunes de Freitas (com uma humilde colaboração do Prêmio Nobel!)


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