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terça-feira, 26 de setembro de 2023

FRANÇA: UM FRANCÊS NOVEAU

Escrito em 13-11 de 2009

O QUE É SER FRANCÊS?

Marina da Silva

 

Um desavisado até poderia pensar que esta polêmica levantada por Nicolas Sarcosy, o controverso Francês dia 02-11-09 sobre identidade nacional é nova, surgiu de uma hora para outra do meio do nada! Engana-se! Há séculos este tema se coloca para a humanidade. Desde os primórdios da conformação dos estados modernos e mesmo antes, passando pela afirmação do nacionalismo romântico do século XIX, chegando ao extremo nos regimes fascistas – com destaque para o nazismo na Alemanha - até a onda nacionalista na desintegração do mundo socialista iniciada com o desmanche da antiga União soviética e seus aliados do leste europeu.

A globalização mundial atual convive com paradoxos como as guerras nacionalistas, os movimentos  separatistas  e a formação de mega-blocos, super-estados com  estruturas econômicas/políticas  comuns: União Européia, Nafta (EUA, Canadá, México), Mercosul,  etc.

É neste contexto do fenômeno da globalização e da revolução tecnológica e com cerca de 8 milhões de imigrantes (muitos destes indocumentados, ou seja, ilegais) que Sarcosy quer resgatar a “identidade Nacional Francesa” através de um debate sobre “O que significa ser francês hoje.”

Apelar para a “galicidade”, para a identidade nacional recheada de elementos xenofóbicos não é privilégio de Sarcosy. Lançar mão do nacionalismo é uma velha tática política em momentos de aflição nacional. A língua, o hino, a bandeira, a moeda, o exército, a fronteira nacional e vários outros símbolos forjaram ao longo da história a construção das “identidades nacionais”.

Estratégia para as eleições regionais na França que ocorrerão em dois turnos (14 e 21 de marços de 2010)? Cortina de fumaça para camuflar a crise econômica: déficit público crescente, desemprego, retração do PIB, imigrantes ilegais?

O que está por trás desta estratégia? Resgatar e fortalecer os ideais da República e o orgulho de ser e falar francês- defendem os aliados políticos de Sarcosy.

Abafar escândalos e angariar a simpatia e o voto dos ultra direitistas  nas próximas eleições! Acusam os adversários.

Em comum entre eles somente um ponto: o tema identidade nacional é PERIGOSO!

O jornal Le monde abriu uma votação na internet: “Pour vous, Le débat sur l’identité nationale est um débat:

  • Noble
  • Ou dangereux
  • Ni l’un, ni l’ autre
  • Sans opionion.

53.5% dos votantes acham perigoso; 25.9% nem um nem outro; 18.6% nobre; 2.1% não têm opinião. E por que o tema é perigoso? Porque o mundo, Europa inclusa, passa constantemente por sucessivas ondas migratórias e na atualidade, a acumulação capitalista flexível induz e produz estas ondas como forma de baratear o custo da produção se valendo cada vez mais (entre outras) de formas precárias de trabalho  a que se sujeitam os imigrantes (legalizados ou ilegais) em fuga da miséria em seus países de origem, em busca de uma vida melhor ou desterritorializados por guerras, perseguições ou catástrofes ambientais. Como todo você decide as opções já estão dadas e se tal for uma amostra do grande debate proposto por Sarcosy só resta incluir nos símbolos da identidade nacional francesa, a Seleção Francesa de Futebol!

Mas o próprio jornal, leitores e comentadores advertem que a identidade nacional só pode ser debatida em toda a sua complexidade e na sua multidimensionalidade.

A formação dos grandes blocos econômicos, como o grande Estado Europeu da  UE exige um debate sobre a integração geral, especialmente dos grandes contingentes de imigrantes. Sarcosy se põe na contramão dos fenômenos alavancados pela globalização e as respostas as questões atuais, inclusive sobre identidade nacional não podem se prender a xenofobia e racismos que estratificam e confinam as pessoas em castas: cidadãos de primeira, segunda, terceira classe ou párias, marginalizados e tratados como escória da humanidade.

A França não merece esse sarcosysmo reacionário e lambão de plantão. E muito menos pode franquear este modismo, uma tendência retrô revisitando e reforçando em pleno século XXI a ditadura do nacionalismo.

Ser francês, alemão, brasileiro, turco, senegalês está para além de símbolos, língua, hinos e muito acima do estado forjado para cada país. Só um debate é possível e pertinente: o da integração em todas as suas dimensões sociais, culturais, políticas, econômicas, religiosas, ideológicas.

 

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