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quarta-feira, 30 de novembro de 2022

BRAZIL: MODO ESPERANÇANDO

 

ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE

Foto Marina da SilvaBrasil. Minas Gerais. Belo Horizonte. Milhares de pessoas em situação de rua.

Marina da Silva


Lembro-me como se fosse hoje, o nó na garganta, uma coisa esquisita revirando meu estômago, um sentimento inexplicável, dilacerante que me veio ao ler uma poesia, se não me falha a memória, de Bandeira, um canto de indignação, consternação e perplexidade ao ver um bicho estranho revirar o lixo, fuçar e comer coisas do lixo e constatar que aquilo, o bicho, na verdade era um homem.

Nunca mais fui capaz de ler tal poesia e nunca mais a esqueci. Era pesada, sombria demais para uma menina quase adolescente que vivia na lua. Minha alma ficou marcada para sempre e um medo terrível de ser transformada assim, de homem em bicho me acompanha pela vida.

Mas não o medo das ausências materiais, medo de viver no e do lixo como  atualmente vivem milhões de homens, mulheres, idosos, crianças, grávidas espalhados pelos quatros  cantos do mundo. Sem dignidade, marginalizados, vivendo espúria e precariamente, salvando o planeta catando, comendo, reciclando lixo e perdendo a cada segundo sua humanidade; as potencialidades humanas travadas, impedidas, roubadas na exploração predatória da ditadura capitalista.

Milhões e milhões de seres humanos relegados à extrema miséria num mundo onde o poder, o potencial humano rebrilha de forma inimaginável.

Nunca o homem foi tão grande, nunca a capacidade humana foi tão exponencial, nunca as forças essenciais humanas foram tão refulgentes como na atualidade, mas também nunca a miserabilidade, a desumanização do ser do homem atingiu proporções tão gigantescas, grotescas, bizarras e escatológicas.

O mesmo ser que produz riquezas materiais impensáveis trinta anos atrás produz arrasando o humano, a humanidade dos homens, transformando-os em seres inqualificáveis, inferiores até mesmo aos bichos.

Homens que para garantir a mera sobrevivência e acima de tudo a dignidade e a honra de permanecer na espécie humana se sujeita a condições de um trabalho desumanas, escravo de relações abjetas que garantam a reprodução cada vez maior, intensa, global de um mundo de valores invertidos.

Um mundo produtor de mercadorias cada vez mais sem sentido de uso, de utilidade e corrosiva e degeneradora dos valores humanos e da busca por uma humanidade outra em que a lógica da produção não destrua sua principal razão de existência: o homem.

 

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