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segunda-feira, 5 de julho de 2021

BRAZIL: UM "CAUSO" DE ROUBO parte 1

 

O ROUBO DO VIOLÃO

Marina da Silva

“Mãaaae!” Voz de choro ao celular.

 O coração ficou apertado, aflito.

“Oi meu bem!” Fingindo calma.

“Roubaram meu violão.”

“Como? Quando? Como foi isso?” Coração doendo, mas tranquila.

“Sabe mãe, meu primeiro violão?”

Então ela contou como aconteceu o assalto. Ela estava com o violão no carro e foi encontrar o namorado e amigos.

“Eles arrombaram o porta-malas e levaram meu violão.” A voz embargada, chorosa. “Não é pelo violão mãe, é pelo valor sentimental, por toda a minha estória que estava no meu primeiro violão...”

O primeiro violão. E a memória do fato voltou naquele momento. Ela estava na sala, ferro, tábua de passar e uma enorme montanha de roupas jogadas no sofá de couro amarelo-mostarda ouvindo um CD de Zé Ramalho enquanto a menina brincava no quarto criando estórias com seus brinquedos preferidos. Então começou a tocar uma música instrumental de Zé Ramalho: Bicho de sete cabeças.*

A menina de quase sete aninhos veio à sala e declarou:

“Mãe eu toco melhor que ele!”

A mãe sorriu e concordou. A menina vivia com o violão do pai para cima e para baixo desde que aprendeu a fugir do quarto e se enfurnar na cama do casal escalando o gaveteiro do berço.

“Claro que sim! Você é minha menina das artes.”

“É verdade mãe! Eu sei tocar melhor que ele!” E ela voltou para seu quarto, nas mãos um boneco Max SteelPara o aniversário de sete aninhos ela pediu a mãe super animada:

“Mãe me coloca na aula de violão?”

“Sim.”

E no sábado foram a uma loja especializada em instrumentos musicais comprar o violão e como a mãe malhava no Sesc ali pertinho e lá tinha aulas de violão clássico e MPB foram conhecer o professor Aderson; ela carregando um violão maior que ela mesma, olhinhos brilhando. Um pedacinho de gente vestida com sua roupa preferida: camiseta, calça surfista e tênis.

“Mãe, disse o professor sorridente, o violão é muito grande para ela. Vamos esperar que ela cresça mais um pouquinho, talvez daqui a dois anos...”

A mãe insistiu:

“Olha professor, ela me disse que toca melhor que Zé Ramalho e Zé Geraldo, juntos. Você fica com ela, se não der certo e ela desistir ou não tiver nenhum dom ela sai e o violão vai para o pai que toca de ouvido.”

O professor topou ficar com a menina neste mesmo dia; ele tinha um violão menor e ela poderia usar. Ele esperava que ela desistisse na primeira aula ou primeira semana.

“Dói muito Amanda, vai machucar as mãozinhas, vai dar calos nos dedinhos viu...”

Mas a danadinha ficou. Chegava em casa super feliz, dedinhos estropiadinhos e cheio de calos e treinava religiosamente o “para casa” da aula de violão. Não desgrudava mais do violão, da pasta de cifras, e um dia apareceu com o violão todo enfeitado. Fizera uma colagem com quadrinhos, desenhos de violões, guitarras sempre fazendo suas artes.

“Minha menina das artes”- dizia a mãe sempre que ela aparecia com uma arte nova:

“Mãe compra aquarela para mim; mãe compra tintas; mãe compra lápis HD... Mãe me coloca na aula de desenho do Sesc.”

E os anos iam se passando e ela pintando, colorindo, desenhando histórias em quadrinhos, tocando violão e cantando Chico Buarque em um  dos show de apresentação da escola. E assim,  tocando, cantando, desenhando, pintando e  fazendo artes crescia, crescia, crescia sempre agarrada ao violão. Outros violões vieram...

“Mãe vi um cara tocando na rua e comprei um violão igual ao dele. Uma música linda mãe, no meio da praça e parei para ouvir." Ela estava em Toledo numa excursão da escola à Espanha.

“Mãaeeee vem cá me ver tocando piano!”

A mãe ficou abismada, diminuiu o fogo da panela e foi ver o que era, pois não existia piano na casa. Encontrou a menina no computador tocando Beethoven no teclado.

Ela sorriu, olhou para a mãe e:

“Mãe me põe na aula de piano, tem uma professora no SESC...” No final do curso foi apresentada como compositora e pianista.

“Mãe eu sei tocar guitarra.” Aprendeu sozinha e lá foram os três, pai, mãe e menina comprar uma guitarra. E o vendedor da loja permitiu que ela usasse a cabine onde se testava instrumentos e ficou encantado com a menina tocando Engenheiros do Hawaii.

"Mãe entrei para aula de violino."

“Mããããaaeee.” Chorando.

Como doeu vê-la e ouvir sua dor pelo roubo do violão. As lágrimas rolavam dos dois lados remotamente.

“Eu escrevi sobre o roubo mãe. Roubaram minha vida.”

"Você fez bem em escrever filha." 

Era um luto, uma passagem necessária da vida. Escrever sobre ela  aliviaria o coração. Não era mesmo pelo violão, era pela linda estória que ele carregava sobre a menina que adora tocar, batucar, soprar e cantar músicas. Esta vivência nenhum ladrão pode roubar.


* Zé Ramalho. Bicho de Sete cabeças (1978). https://youtu.be/NMPVq5-GIbw

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