Liberdade de expressão
Hélio Schwartsman
SÃO PAULO - Já que as biografias não saem mesmo das manchetes, é o
caso de investigar melhor os fundamentos teóricos da liberdade de
expressão. Em outras palavras, por que devemos ser contra a censura,
seja ela prévia ou póstuma?
Como já alertava o filósofo John Stuart Mill, no século 19, existem
muitas formas de oprimir uma pessoa. Dois candidatos fortes a fazê-lo
são o Estado, com suas leis e corpo policial nem sempre razoáveis, e a
sociedade, por meio das "opiniões e sentimentos prevalecentes". O único
modo de contrapor-se a isso é assegurar ao indivíduo um núcleo de
liberdades irredutíveis, entre as quais se destacam a de pensamento,
expressão e reunião. Se eu puder me juntar a quem pense como eu, tenho
chance de escapar da "tirania da maioria".
O interessante é que os benefícios dessa tolerância institucionalizada
não ficam restritos ao indivíduo. Ela está na base de instituições que
definem a modernidade, como a liberdade acadêmica e, com ela, o
desenvolvimento tecnológico e científico, e a imprensa que, ainda que
muito imperfeitamente, ajuda a controlar os apetites de nossos
governantes.
Mais do que isso, a liberdade de expressão, ao assegurar que todos os
temas possam ser discutidos sob todas as perspectivas, contribui para a
sociedade encontrar o balanço entre mudança e estabilidade. Tome-se o
caso da moral. Um debate aberto facilita o ajuste fino entre a saudável
contestação e o necessário consenso.
É importante frisar que a liberdade de expressão só faz sentido se for
estabelecida de maneira forte, ainda que não absoluta. Ninguém, afinal,
precisa de garantias para dizer o que todos querem ouvir. Esse instituto
só se torna relevante quando permite que mesmo ideias que nos pareçam
desprezíveis, incluindo manifestações nazistas, racistas e biografias
não autorizadas, circulem livremente. O tempo e um pouco de sorte acabam
se encarregando de enterrar o que é lixo e preservar o que é útil.
Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou "Aquilae
Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001.
Escreve na versão impressa da Página A2 às terças, quartas, sextas,
sábados e domingos e às quintas no site.
- helio@uol.com.br
- http://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2013/10/
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