AS CRIANÇAS
Marina da Silva
Do alto do prédio se pode vê-las
As crianças
Em seus uniformes escolares
Brincam no pátio da escola
Uma interminável correria e gritaria
Acompanhada de risos e gargalhadas cristalinas.
Outro dia teve onda de forte calor
E as crianças no
pátio da escola
Disputavam com alegria ansiosas
A chuva vinha do enorme chuveiro preso acima da cesta de
basquete
E do divertido banho de mangueira
Risos, silvos, gritinhos, gargalhadas, trinados, gritaria
É primavera e as crianças desabrocham inundando o pátio.
É hora da saída
E as crianças em fila, enquanto aguardam,
Brincam no pátio com o lobo mau
O professor de educação física que que se transforma num
lobo feroz
E sai à cata da criança que corre ao ter seu nome chamado.
A sirene toca e vem a gritaria na fila de crianças
A cada nome à espera
do nome chamado e do lobo mau
Correria do lobo e da criança, pulinhos na fila desengonçada
Sorrisos e alegria de quem espia do alto do prédio as
crianças e o lobo mau
De repente a noite cai do meio do nada, inesperada
A sirene toca, mas não a sirene da escola, nem das fábricas
Correria aflita, aterrorizada
No céu uma luz e silvo apavorante
E as explosões ensurdecedoras e apocalípticas
E tudo que até então estava de pé no quarteirão da escolinha
desaba.
Muitas pessoas mortas, muitas pessoas feridas, muitas
pessoas soterradas
Uma chuva infernal, dantesca de mísseis sobre condomínios
populares,
Escolas, creches dos pequeninos, universidades, hospitais e
ambulâncias
Medo, terror, horror, pasmo transmitidos ao vivo pelas
antenas de Tevês
Um show de mortes e destruição inaceitáveis
Onde ficava a escolinha?
Há desespero, há pressa, há uma corrida surreal contra o
tempo
Por todos os lados só uma enorme massa de destroços
Muita destruição, poeira, sangue misturados
Um trabalho às cegas de um grande coletivo de mãos
Carregam destroços, ajudam máquinas, procuram sobreviventes
Em meio toneladas de concreto, ferro e aço
De mão em mão passam os destroços, feridos e os corpos sem
vida
E as crianças
Onde estão as crianças que corriam no pátio fugindo do lobo
mau
Um frenesi de mãos que sangram recupera um corpinho dos
escombros
Uma menina, já sem vida, cinco, seis aninhos
É levada por vários braços a cabecinha pendida
Ouve-se ao vivo um choro, um gemido, uivo
Indefinível, inconsolável elevado aos céus
Um único lamento insuportável que não perdura no tempo
Não há tempo a perder
Há muitos destroços a retirar
À procura das crianças que brincavam no pátio da escola
Aterrorizadas com a perseguição do lobo mau.
You are an excellent person in this world.
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