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segunda-feira, 6 de novembro de 2023

BRASIL. HISTÓRIA PARA NINAR CRIANÇAS

 

AS CRIANÇAS

Marina da Silva

Do alto do prédio se pode vê-las

As crianças

Em seus uniformes escolares

Brincam no pátio da escola

Uma interminável correria e gritaria

Acompanhada de risos e gargalhadas cristalinas.

Outro dia teve onda de forte calor

 E as crianças no pátio da escola

Disputavam com alegria ansiosas

A chuva vinha do enorme chuveiro preso acima da cesta de basquete

E do divertido banho de mangueira

Risos, silvos, gritinhos, gargalhadas, trinados, gritaria

É primavera e as crianças desabrocham inundando o pátio.

É hora da saída

E as crianças em fila, enquanto aguardam,

Brincam no pátio com o lobo mau

O professor de educação física que que se transforma num lobo feroz

E sai à cata da criança que corre ao ter seu nome chamado.

A sirene toca e vem a gritaria na fila de crianças

 A cada nome à espera do nome chamado e do lobo mau

Correria do lobo e da criança, pulinhos na fila desengonçada

Sorrisos e alegria de quem espia do alto do prédio as crianças e o lobo mau

De repente a noite cai do meio do nada, inesperada

A sirene toca, mas não a sirene da escola, nem das fábricas

Correria aflita, aterrorizada

No céu uma luz e silvo apavorante

E as explosões ensurdecedoras e apocalípticas

E tudo que até então estava de pé no quarteirão da escolinha desaba.

Muitas pessoas mortas, muitas pessoas feridas, muitas pessoas soterradas

Uma chuva infernal, dantesca de mísseis sobre condomínios populares,

Escolas, creches dos pequeninos, universidades, hospitais e ambulâncias

Medo, terror, horror, pasmo transmitidos ao vivo pelas antenas de Tevês

Um show de mortes e destruição inaceitáveis

Onde ficava a escolinha?

Há desespero, há pressa, há uma corrida surreal contra o tempo

Por todos os lados só uma enorme massa de destroços

Muita destruição, poeira, sangue misturados

Um trabalho às cegas de um grande coletivo de mãos

Carregam destroços, ajudam máquinas, procuram sobreviventes

Em meio toneladas de concreto, ferro e aço

De mão em mão passam os destroços, feridos e os corpos sem vida

E as crianças

Onde estão as crianças que corriam no pátio fugindo do lobo mau

Um frenesi de mãos que sangram recupera um corpinho dos escombros

Uma menina, já sem vida, cinco, seis aninhos

É levada por vários braços a cabecinha pendida

Ouve-se ao vivo um choro, um gemido, uivo

Indefinível, inconsolável elevado aos céus

Um único lamento insuportável que não perdura no tempo

Não há tempo a perder

Há muitos destroços a retirar

À procura das crianças que brincavam no pátio da escola

Aterrorizadas com a perseguição do lobo mau.

 

 

 

 

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