A VELHINHA DO CRACK
Marina da Silva
“Oi?” Ela arregalou os olhos pasma! Na verdade, os olhos quase pularam para fora do globo ocular.
“Este exame não é da senhora.”
“Uai? Foi o médico que me deu!”
“Está em nome de um homem - Respondeu a atendente insossa. Cara de pouco amiga.
“Que? Hã? Como assim?”
“Está no nome de Luiz e tal.”
Ela sacou os óculos presos no decote da roupa e confirmou abismada.
“Putz! Só acontece comigo! Doze horas de jejum! Não bebi nem água e por pouco o médico não me manda uma “dedada”, o toque retal da próstata que mete medo em qualquer marmanjo”.
“A senhora pode tomar um café se quiser”. Num tom de caridade e lhe entregando uma ficha.
Ela pegou o cartão aborrecida, sem sequer olhar ou agradecer a moça. Estava realmente enfurecida, fula da vida!
“Quase dois meses esperando uma consulta, uma dezena de dias para achar um horário para os exames, pegar resultados, levá-los de volta ao médico no retorno e saber como estava sua saúde e aquela merda de pedido estava no nome de um homem?” Ruminou desolada e na raiva socou muito açúcar no café, comeu as bolachas salgadas e saiu pisando alto e xingando mentalmente. Agora, nem todo o açúcar do mundo daria um jeito naquele azedume!
“Bom dia” - Um homem a abordou no caminho do ponto de ônibus – eu não quero incomodar, eu não sou ladrão...”
“Quanta informação seu vagabundo” – praguejou em pensamento.
“A senhora poderia me dar dois real para eu comprar uma cachacinha?”
Os óculos escuros impediram o homem de ver seus olhos fuzilando desdém. Ela respondeu apenas com um balançar de cabeça e fazendo a negativa ao mesmo tempo com o indicador e um desejo cruel aflorou em sua cabeça: “Eu queria lhe dar era uma voadora seu safado, filho de um jumento”!
Na estação entrou no busão atolado de gente e se benzou:
”Proteja-me Jesus, do inferno e deste BRT-MORRE; apelido que o povo anda dando ao novo sistema de transporte público da capital por tantos acidentes e mortes causadas desde sua implantação com ônibus velhos vindo de outras metrópoles.
“Só em janeiro, o BRT-MORRE matou dois passageiros e feriu duas dezenas ou mais!” Assunto de jornal todos os dias.
Tossiu e fungou puxando catarro acintosamente, dentro do busão, incomodando os demais e avisando, entre um pigarro e uma tosse, para a passageira ao lado, que estava com a garganta inflamada. Soltou mais uma tosse escandalosa e coçou com a palma da mão o nariz.
“Gripe, garganta bichada”!
Imediatamente as saídas de ar refrigerado próximas foram, uma a uma, sendo abertas! Sorriu cruel por dentro!
Ao chegar ao trabalho depois de um longo trajeto como gado, todo o fel destilado desde a saída do laboratório tinha evaporado num bate-papo com a passageira. O dia continuou produtivo e ela esqueceu o acontecido. A caminho de casa, após a jornada, lembrou-se de passar no caixa eletrônico do seu banco e sacar dinheiro para a feira e créditos para o cartão do BRT_MORRE!
Seguiu todos os passos pedidos pelo computador e quando foi retirar o dinheiro, um alerta apareceu na tela: cartão inválido!
“Oh zica! Digitei número de senha errado!”
Repetiu a operação e o mesmo recado: cartão inválido!
O jeito foi adicionar na lista de tarefas a fazer, mais uma tarefa: ir a agência para resolver a pendenga do cartão!
Um cheque enorme ia entrar no dia seguinte e aí sim, ia fazer um baita estrago!
“Quero falar com o gerente”!
“Pois não!” Uma loura mal ajambrada e aquele sorriso formalizado.
“Não consigo fazer nada na minha conta; o cartão está inválido.”
“Vamos ver...” A moça fez um monte de operações no teclado, abriu janelas no computador, pediu nome da mãe, RG e CPF e após alguns minutos:
“A senhora pode conferir o status da conta lá no caixa”. De novo aquele sorriso robótico.
“Oi, quero sacar cinquenta reais!”
A moça mal levantou a cabeça:
“A senhora pode fazer esta operação no caixa eletrônico ali fora”.
“É que deu problema lá, então fui na gerente e ela me mandou vir aqui com você”. Preguiçosa, atrevida! Xingou-a em pensamento.
A moça obedeceu e soltou feliz um segundo depois:
“Este cartão está bloqueado! Bloqueio preventivo. Volte na gerente.”
Ela foi:
“Não funcionou não! Bloqueio preventivo.”
“Então o jeito agora é só telefonando para a Central”.
“Estou sem créditos no celular”! A raiva crescendo...
“Pode ligar daqui”. E depois de digitar o número virou o telefone para ela.
“Olá! Você está no xatandé. Disque 1 para isso; disque 2 para aquilo; disque...”
“Senhor, daí-me paciência!”
“Digite o 8.”
Ela digitou.
“Gerente chatandé! Em que posso ajudá-lo?”
“Meu cartão foi bloqueado. Bloqueio preventivo. Por que disto?”
“Vejamos...Ah, a senhora gastou 70 reais na casa do crack”!
“Hã? Valei-me Jesus Cristo! Quando foi isso?”
“Novembro do ano passado”
“Fodeu!” O jeito era apelar para todos os santos das causas perdidas:
“Valei-me meu são Longuinho! Me ajude a lembrar desta compra que eu dou três pulinhos!” Nada.
“Acha aqui na minha cachola santinho, esta roubada, que eu lhe dou seis pulinhos!” Abrindo a negociação com o santo.
“Lembrei! Quase deu um pulo da cadeira. Comprei 50 medalhinhas douradas para premiar alunos no campeonato de “Fatos” na Matemática”! Alívio.
“A senhora gastou mil e tantos reais em decolar.com para São Paulo Capital em Dezembro.”
“É mesmo! Confere. Fui passear em Sampa e fiquei num hotel na Paulista. Deve de tá aí também!”
“A senhora gastou mais oitocentos e três reais na decolar.com para o Espírito Santo, Vitória, também em Dezembro.”
“Misericórdia”. Não se pode dá nem um peido escondido!” Só no pensamento.
De repente a ficha caiu! Tudo ficou claro! Na hora lhe veio à mente a crônica “A velhinha contrabandista” de Stanislaw Ponte Preta sobre o contrabando nas fronteiras brasileiras: uma velhinha atravessava a fronteira sempre numa lambreta transportando sacos de areia. O guarda, cismado que era contrabando, sempre parava a velhinha, revistava tudo e só achava areia no saco. Aquilo o estava corroendo por dentro, e então, cansado das revistas e não achar nada resolveu fazer um acordo com a velhinha: ela contava o que ela contrabandeava e ele a deixaria em paz, nunca mais iria pará-la. Feliz com o acordo a velhinha sorriu e confessou: é lambreta!
A gargalhada que ela soltou encheu a agência bancaria e ninguém entendeu nada! Ela era agora aquela velhinha, só que contrabandeando crack! Uma velhinha narcotraficante. Kkkkkk
“Moço de Deus! É a loja do craque aqui em Belorizonti, na rua tal, perto da praça da rodoviária, onde vendem medalhas e troféus para esportistas! Craque é Zico, Messi, Maradona!” Sorrindo contou ao gerente o campeonato de fatos fundamentais da multiplicação.
“É aula de matemática! Não é crack, a droga não viu?”
Matutando após sair do banco ela entendeu o bloqueio da conta e os fios da trama: ela, a velhinha mineira, comprava a droga na casa do craque em Beagá, decolava em seguida e vendia-a em São Paulo, pegava o dinheiro que faturava com o negócio e voava para Vitória, Espírito Santo, para comprar mais droga nas “bocas” capixabas! Uma rota lucrativa e vitoriosa! Rsrsrs
O engano foi esclarecido entre risadas e ela até gostou do cuidado com sua conta bancária no bloqueio preventivo e suspeita de algum ato ilícito na Casa do craque!
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