EMILY
EM PARIS
Marina da Silva
Emily em Paris é o nome de
uma série norte-americana - foi produzida antes da pandemia Covid-19 – e que estreou em outubro de 2020 nos Estados Unidos e no Brasil1,
se não me falha a memória, entre final de 2021-2022 pela Netflix. No país das
novelas, Brasil, a série televisiva é classificada como comédia romântica, uma novela da
Globo do horário das 19H e poderia ser vista somente como um pouco de humor
para aguentar a dor e luto do genocídio cometido pelo governo #bolsonarogenocida durante
a pandemia Covid-19 no Brasil (abr./2020-2022). Rir é o melhor remédio - diz o
dito popular - e Emily em Paris é só mais uma comédia bobinha. Mas será?
Vamos com Emily Cooper (Lily
Colins) uma jovem século XXI desvelar a trama ou o enredo da série. Emily trabalha numa corporação
estadunidense de marketing e propaganda de Chicago, Illinois - Grupo Gilbert, e,
apesar de sua inexperiência, foi escolhida por sua chefe Madeleine Weeler (Kate
Walsh, atriz da série 13 Reason why ou Os 13 porque)2 para
substituí-la na filial francesa Savoir, marketing voltado para o mercado de
luxo, nec plus ultra, recentemente
incorporada pela Gilbert.
Emily é o frescor, a juventude, o “novo mundo” liberal que, na década dos anos 1970 passa a se impor
na chamada vaga e/ou revolução neoliberal e que chega ao século XXI ultra neoliberal, anarco-capitalista-conservadora-libertariana (uma paradoxal designação) globalizado, neocolonialista, imperial, fascista, extremista aonde a disputa para manutenção dos EUA como potência única no mundo se dá sobre os mesmos e velhos fundamentos: individualismo exacerbado,
egoísmo, competição, lucro a qualquer preço, ganância, aposta, risco, criatividade (retorno a práticas
selvagens), livre mercado, propriedade privada, liberdade irrestrita (o
mesmo que desregulação do mercado, estado mínimo) e a visão vale tudo dos
jovens bilionários das big tech do Vale do silício. Com a supremacia do capital
financeiro sobre o capital produtivo o planeta passa a viver com crises
produzidas em Wall Street onde fortunas somem, bilionários brotam na
manipulação da economia digital, interconectada em moedas nunca vistas.3 O grande exemplo do século atual foi o mega roubo de
Wall Street, a grande especulação financeira, conhecida como crise suprime)4
Emily se apresenta ao novo posto de trabalho com antecedência e é recepcionada como um Et, uma intrusa, arrogante como a potência Number One com sua naturalidade fingida e ofensiva. Há um grande choque cultural entre o velho mundo e novo mundo; entre o life style $1,99*, genérico, de massa contra o estilo exclusivo, raro, luxuoso; o comum versus o elegante; o sofisticado versus a vulgaridade da ostentação. Emily sequer percebe este contraste e confronto cultural. Ela vê Paris com olhos de turista que tudo fotografa e cria hastag #EmilyemParis no seu perfil Instagram e vê suas curtidas e seguidores crescerem na velocidade norte-americana, isto é, velocidade da luz. Sua admiração vazia de conteúdo em pontos turísticos históricos representa apenas a ostentação para mostrar que está na caríssima cidade de Paris, a Paris para poucos, povo francês “de segunda classe”, incluso.
Emily é o fast life, drive-thru Mc Donald’s, o mundo do
consumismo desenfreado sem tempo para se deliciar com uma pausa para um vinho, um
cigarro, um bate-papo com os colegas no intervalo do trabalho. A primeira
temporada é riquíssima: de diálogos,
confrontos de dois mundos diferentes, narrativas e de visões que se chocam, de
culturas e ideais diferentes, de visão de empresas, de relações e gerência do trabalho que não/ou se misturam na vida pessoal. As
crônicas na mídia brasileira chamam de meros clichês e está aí um motivo para
não acreditar nesta prescrição e ver com olhos críticos a comédia romântica de
Emily em Paris.
A animosidade entre o velho e o novo se põe no relógio, ops, celular, na obsessão da jovem por horários, e atividade física. Emily é o novo Forrest Gump, toda a riqueza histórica, arquitetônica de Paris lhe é invisível e sua câmera capta apenas superficialidades e suas caras e bocas em selfies. As locações são reais, belíssimas, tem uma carga histórica que povoa a literatura francesa. A imagem vendida de Paris é superficial, as "Luzes" hoje são representadas pela iluminação da Torre Eifeel. Dá para rir muito na série, mais com o elenco da Savoir.
Emily é o tipo ideal de trabalhador: workahoolic, ela não distingue entre tempo de trabalho e tempo de vida; trabalho e diversão/lazer. Ela está ligada na tomada 24H por dia, 7 dias por semana initerruptamente. Emily confunde soiré - festa, jantar, encontro a partir do fim de tarde e noite com serão o mesmo que extensão da jornada de trabalho noite adentro, sem sábado, domingo, feriados, férias. Toda a energia de Emily é voltada para trabalhar como um robô para ter o mérito de chegar a uma sub-diretoria, sub-chefia crendo na fake doutrina self mad do American dream, sua vida e alegria acontece em torno do trabalho até quando está apenas compartilhando “suas descobertas” como a delícia de um croissant ou sua pisada na merda de um cachorro de madame, suas corridas pelas ruas e praças famosas, qualquer descoberta é um choque compartilhado nas redes sociais. Os trava-línguas na pronúncia ou o gênero de um substantivo vira guerra caricaturada da língua francesa: un e une; le (artigo definido) usado num substantivo feminino vagin: le vagin e não la vagin. E fica hilário a ligação direta para cultura wikipédia: a pronuncia vagin (vajan) remete Emily ao famoso personagem de Vitor Hugo Jean Valjean (jan vajan) Os miseráveis; Normandia lembra o dia D?
O novo é público, superficial, espiritualmente pobre e compartilhado com bilhões de seres humanos no ciberespaço, onde predominam pets, dancinhas coreografadas no Tik Tok, haters, fakenews,5 apostas absurdas como enfiar um celular na vagina ou ânus.6 Até mesmo as interações humanas de amizade, família, amor são pobres, não forjam laços verdadeiros e podem ser feitas à distância sem aproximação física como na cena tosca de Emily fazendo sexo virtual e ficando na mão, ops, vibrador que não respeitou a voltagem do antigo prédio e deu um curto geral na vizinhança.
Duas narrativas de vida estão se confrontando, muito caricatural, na série. Qual mundo(ou livre mercado) vencerá no século XXI? O pobre, genérico, fake, pirata, consumismo de massa e globalizado pelo “novo mundo” veloz, furioso, desregulamentado, meritocrático, desindustrializado, mundo financeirizado e do mercado especulativo, ultraliberal libertariano autoritário, do estado mínimo militarizado, de superconcentração de riqueza nos 1% bilionários como Elon Musk ou o velho mundo, das mercadorias raras, caríssimas, de altíssima qualidade e para poucos e aonde ainda resistem a separação fábrica e casa; trabalho e vida; direitos trabalhistas, salários, jornada de trabalho e lazer, soberania mesmo que vigiada pelos EUA, relações humanas e relações de trabalho mais ricas que ainda permitem forjar laços humanos fortes?
Nos dez primeiros episódios da primeira temporada toda esta discussão acima é velada por paisagens turísticas de Paris, pelo guarda-roupas super fashionista: Emily vestida para trabalhar. Emily é um cabide, um corpo para mercadorias da cabeça aos pés, a garota propaganda ambulante de várias marcas famosas vendendo produtos nas suas redes sociais, isto é, nas redes de Mark Zukerberg tal qual Anastasia Steel, a pobre virgem que se apaixona pelo bilionário Mr. Grey e se rende às mercadorias de luxo em mais de 50 tons de cinza.7 Se pararmos para pensar um pouco no lugar onde Emily mora em Paris, um loft(?) de uns 40 metros quadrados, antigo quarto para criados da nobreza francesa, perguntaríamos: onde diabo esta mulher guarda tantos calçados, bolsas, roupas de grife famosas? Mas há ainda muitas questões postas nesta primeira temporada e virão no texto a seguir. Aguarde porque a estória continua no episódio 2 da 1ª temporada.
Fonte
*Emily Cooper aparece - na
T1Ep1- correndo atrás da chefe, pegando seu casaco, trazendo o café, mas é uma
funcionária promissora, tem MBA- master em propaganda e comunicação de massa em
redes sociais, consumidores do ciberespaço.
** Life style $1,99 é uma
neologismo, uma expressão cunhada ou apropriada por mim na busca de
compreensão, aprender e apreender as mudanças que ocorrem com a chamada “3ª
revolução tecnológica” a partir da reestruturação produtiva com base na
microeletrônica, robótica etc, que afetaram o mundo do trabalho e as relações
sociais de produção, levando à corrosão e corrupção da construção da
sociabilidade humana que se pôs no pós-II Guerra Mundial, conhecida como estado
keynesiano ou estado de bem-estar social.
1.Emily em
Paris. Netflix (2020) https://www.netflix.com/
1
2.
13 Reasons why, Netflix 3. A grande aposta/ The big short (2015) filme sobre a
mega crise Subprime (roubo do povo estadunidense) e que destruiu empresas,
levou a bancarrota várias economias de países da União Europeia.
4.
FERGUNSON, Charles H. O SEQUESTRO DA AMÉRICA. Como as corporações financeiras
corromperam os Estados Unidos. Ri de Janeiro: editora Zahar, 2013.
5.
Sobre o dilema das redes sociais ver: PRIVACIDADE HACKEADA/ THE GREAT HACK https://www.netflix.com/
e THE SOCIAL DILEMMA https://www.netflix.com/watch/
Documentários Netflix
6.
Sobre o tema ver O HOMEM MAIS ODIADO DA INTERNET. Documentário Netflix https://www.netflix.com/watch/81413925?trackId=254761469
Nenhum comentário:
Postar um comentário