MERDA POUCA É BOBAGEM!
Marina da Silva
Esse era o pensamento que atolava
minha cabeça enquanto grossas lágrimas desciam-me dos olhos, quando um enorme
estrondo de trovão me fez estacar já à saída do PROCON, ali perto do hospital João
XXIII.
Acompanhando o barulho ensurdecedor,
raios, relâmpagos, ventania, grossas gotas de chuva davam início a uma
tempestade de verão. Em milésimos de segundos um aguaceiro desceu do céu num
espetáculo, aos meus olhos, belíssimo.
Cinco minutos antes, estava eu
estupefata e estática diante da impossibilidade de fazer uma reclamação junto
ao PROCON porque, na impaciência em acabar com a amolação e morto de cansaço,
meu marido me impediu de acionar a polícia para lavrar uma ocorrência contra
uma loja de eletrodomésticos num shopping.
Trinta minutos antes do início da
chuva eu descia do buzão próximo ao pronto socorro João XXIII e do PROCON e
abençoava o dia por ter que andar menos que uma quadra. Atravessei a rua
facilmente e de repente, nem sei como, assim do nada deslizei pelo passeio
frente ao colégio Pedro II, decolei do chão indo cair estatelada bem em cima de
um bueiro estourado.
Caíra literalmente na merda! Tinha
meleca nas mãos, braços, rosto, nos pés e em toda a minha calça, que por azar
era de um branco total radiante.
Socorreram-me solícitos alguns
rapazes. Pedi-lhes um segundo para ver se não havia nada quebrado, pois, um
mais desavisado já ia me erguendo por debaixo dos sovacos. Após averiguações
dispensei três deles e pedi ao mais tranqüilo para me ajudar a levantar. Era um
desses garotos que tomam conta de carros e muito educadamente me conduziu ao
pronto socorro do outro lado da rua. Tive vergonha de pedir assistência no João ao ver a ambulância despejando um
indivíduo que acabara de ser atropelado. Afinal eu só caíra no esgoto e tirando
a bosta estaria novinha em
folha. Um banheiro e sabão resolveriam o meu problema!
Razoavelmente limpa, entrei na
primeira lojinha que encontrei, comprei um jeans, escondi o sujo da blusa
debaixo da calça e me dirigi ao PROCON.
Dois dias antes, menos de quarenta e
oito horas começava o meu dia de cão, ou melhor, de merda!
No sábado, após pensar e repensar e
avaliar e contabilizar gastos resolvi a pendenga em que entrei ao descobrir a
máquina de lavar roupas quebrada pela enésima vez. Também pudera, a bicha já tinha quase uns quinze anos e
resolvi não protelar mais a compra de uma máquina novinha em folha.
Chegamos ao shopping por volta das
dezenove horas; jantamos num desses restaurantes SOS – sobras de ontem sortidas
e iniciamos a pesquisa de preço no primeiro piso, onde se localizavam as três
maiores lojas de eletrodomésticos da cidade: PF, B, R.
Nas três lojas, a máquina escolhida
estava em promoção cartelizada: R$999,00. Começamos a negociação para tentar
conseguir um desconto no preço à vista.
“A senhora vê quanto lhe dá as outras
lojas e nós cobrimos o preço”. Garantiu-me simpaticamente o vendedor do PF.
Nas casas B chateado por ser o
primeiro a dar o lance, o vendedor abaixou em cinqüenta reais o preço do
produto. Então fomos atrás do R e o vendedor muito educado, apesar de não
abaixar o preço, prometeu cobrir a oferta do PF. Era um ótimo jogo! Voltamos lá
e o rapaz entrou de peito na briga e a máquina agora saía por R$900,00.
“Quero ver eles cobrir!!” Sorria.
Meu marido cansado de andar de lá pra
cá insistia em fechar o negócio ali mesmo. Eu não lhe dei ouvidos e fui pagar
para ver. Afinal não estava escrito em letras garrafais e até fechado
compromisso em cartório que o R oferta?
Agora estava com o vendedor que
assustado avisou que iria conversar com a gerente, uma mulherzinha magricela e
desmilinguida que conversava nervosamente e ao mesmo tempo, ao telefone e com
um cliente.
A fulana não quis conversa e nem
sequer se deu ao trabalho de nos receber. Mandou um recado grosseiro, dizendo
que o PF estava blefando, que eles não tinham a mercadoria para entrega
imediata e só acreditaria em nós se tivéssemos um papel escrito pela loja.
Meu marido, não sei se pelo cansaço, estava
prestes a deixar o local, mas eu me enfureci e entrei na loja para conversar
com a dona e então ela me desacatou, humilhou, fez-me grosserias agindo como
uma louca.
“Olha moça - tentei argumentar - eu
só quero que vocês cumpram o que está escrito na porta da loja!”
A mulher me deu as costas e fingia
falar ao telefone:
“Péra aí!” Encostei-lhe no braço e
ela gritou como se tivesse recebido uma bifa do Tyson:
“Tiiiiira essa mão de mim!!!”
Alguém me puxou pelo braço, era o
marido, enquanto o vendedor me pedia desculpas consternado e tudo sob os
olhares de clientes e funcionários. A loja inteira parou ao ouvir os berros da
mulher e eu a chorar.
“Eu só queria que ela honrasse a
palavra, o compromisso do R! Ela é só uma reles funcionária! A gente tem que
ter honra e brio na cara!” Desabafava entre soluços e lágrimas.
Nos vinte minutos seguintes o negócio
estava fechado com o PF e meu marido louco para escapulir dali não quis fazer a
ocorrência policial e na segunda-feira seguinte, após levar o maior tombaço
numa rede de esgoto estourada e ficar totalmente cagada de cima a baixo, ouvi entristecida e desolada que nada
poderia ser feito porque não fizemos a tal da ocorrência.
Fiquei indignada por não poder usar o
caminho legal e dar naquela megera, bruaca, uma boa ferrada dentro da lei.
Levantei os olhos cheios de lágrimas
lembrando Veríssimo, o escritor, que narra de forma hilária o dia em que
literalmente esteve na merda.
“Agora só podem me acontecer coisas
boas!” Pensava. E foi então que levei o maior susto com o trovão e fiquei mais
de vinte minutos, ali, sentada dentro do PROCON, admirando extasiada a
tempestade e limpando minha alma!
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