O MAIOR TEMPLO MAIOR*
Marina
da Silva
A primeira notícia que eu
tive de tal templo foi através de
pessoas que comigo trabalhavam e tinham no seu trajeto, ao trabalho ou lazer, a
área onde fica localizado o shopping Diamond Mall, ali no bairro de Lourdes, perto
da praça Raul Soares e à Sede do Clube Atlético Mineiro, na rua Olegário Maciel
aqui
Tudo começou agorinha,
pelos finais de março de 2004. Eu sempre “botava reparo” na cidade e dava
notícias de tudo o que via de mudanças. A construção do Shopping Oiapoque para
os ambulantes, a reforma de praças, como a da Estação ferroviária e metrô,
demolição de prédios antigos, alargamento de ruas, construção de trincheiras
como a da Pampulha, a recuperação da orla e despoluição da lagoa, a construção
da usina de tratamento do esgoto, as fábricas de tijolo ecológico, abertura de
novas ruas.
E ainda: o cinema que virou igreja ou casa de show, a restauração de prédios antigos no
centro como a biblioteca do Sesc- LACES-JK na rua dos Caetés, os dois novos
hipermercados Carrefour, a C&A da avenida Paraná, onde existia a antiga
Lojas Brasileiras, as muitas casas Bahia, sem falar das inúmeras lojinhas A
partir de 1,99 e até o encolhimento da rede de lojas da Nova Brasília e a
ressurreição das Casas Pernambucanas e supermercado Medradão.
Tenho uma forte paixão
pela cidade, por isso sempre fico, literalmente, de olho em tudo. Sou muito curiosa e
observadora e esta construção, o templo Maior passou desapercebida.
“Você viu o templo da “Universal” perto do
Diamond Mall? Perguntou-me a colega de trabalho na segunda-feira, logo que
cheguei ao serviço. Não eu não vira. Estive às voltas com o tratamento de
câncer de mama desde fevereiro de 2002 e só voltara ao trabalho ao fim da radioterapia no
final de março de 2003.
“É monstruosa! Faraônica!
Ocupa um quarteirão inteiro na avenida Timbiras!”
"Não vi! Eu não passei por esta região semana passada." Respondi intrigada e pensando:
“Uai! Um “trem deste tamanhão” não me teria passado
desapercebido!”
No outro dia outro
comentário “você viu”? E a pessoa responde que sim, que vira, que era uma obra
imensa e de imenso mau gosto. Eu fiquei ansiosa
e com a pulga atrás da orelha. Tinha que ver de perto tal coisa, se o “trem” era
aquilo mesmo que todo mundo estava falando.
As três mulheres teceram
mais alguns comentários e todas as opiniões seguintes tinham sempre o mesmo
caráter, o mesmo sentimento de grande impacto, de um susto com aquela coisa que
era um escândalo de grande!
Durante a semana, nos
vários ônibus que usei para ir às consultas, passeios, exames e por vários
lugares aonde andei como salão de beleza, no táxi, nos pontos de ônibus, no
Sacolão, ouvia sempre a mesma coisa:
“Você viu? É pra lá de
grande!”
“Parece até um palácio do
governo! Lindíssimo!”
O que será que pasmou
tanto o mineiro? Eu me perguntava. Mas
as ocupações durante a semana me impediram fazer uma visita decente ao local
para averiguações e constatar se realmente era uma coisa do tipo megalomaníaca
ou se por acaso eu tinha sido acometida de cegueira e surdez por pelo menos um
ano mais ou menos, período em que estava tratando da saúde e provável início da
construção do templo.
Uma obra faraônica não me
teria passado desapercebida! Dizia a mim mesma. Aqueles comentários teriam chegado
até a mim de qualquer jeito. A menos que eu estivesse em estado de coma! Mas
não era o caso.
Somente no domingo
consegui levar a família para almoçar no shopping Diamond Mall para poder dar
uma checada de perto no trem.
Chegamos pela avenida
Olegário Maciel e de repente, assim do meio do nada, dei de cara com uma
construção gigantesca, faraônica, absurda, escandalosa, enorme, imensamente
grande e todos os adjetivos que se poderia usar para descrever o tal templo
Maior no grau superlativo absoluto sintético e analítico! O símbolo da pomba
branca denunciava o “pai da ideia”: Edir Macedo, o bispo Universal!1 Um imenso
prédio, um palácio cheio de colunas greco-romanas(?) brancas, pintado em um tom
amarelado, pastel, bege ocupando todo um quarteirão, um enorme quadrilátero
formado pela rua Santa Catarina, avenida Olegário Maciel, avenida dos Timbiras
e rua dos Aimorés.
Imediatamente compreendi
o porquê da “cegueira”. A intenção era exatamente esta: assustar, escandalizar, impactar, deslumbrar todas as pessoas que passam pelo local. E
foi totalmente atingido! Eu mesma fiquei estupefata, estática, estarrecida e boquiaberta!
“Que trem gigantesco, mais
maior de grande! Se fosse redondo seria um Mineirão!" Era de deixar qualquer um
de queixo caído! Não havia como não se “espantar” com a imensidão do templo!
Se tem estilo, se é bonito
arquitetonicamente, se é de “mau gosto”, engenharia “brega”, nada disso importa
ou importou aos seus idealizadores e construtores.
A única coisa que parece
importar é a escala! É um “trem extremamente enorme de grande” para mineiro
nenhum deixar de olhar! É um “tremzão” grandão que deixa a gente paralisada,
bestificada, abismada, estupefata, enfim, paaasmaadaaa e oca!
Bingo! Esta era a ideia!
O impacto sobre as pessoas! Sim, esta era a intenção e por isto o prédio esteve
todo este tempo “escondido” e no domingo ainda tinha andaimes, operários,
tapumes nas laterais. Mas a frente estava pronta, era imensamente imensa, com
enormes colunas brancas, escadarias com corrimãos prateados por toda parte e
vários obreiros e tarefeiros da igreja controlando tudo e todos em ternos
azul-marinho. Me deu vontade de descer do carro, rodear a “obra”, pedir licença
ou entrar na cara-de-pau mesmo e ver tudo por dentro, mas o marido estava com
pressa, tinha clássico no Mineirão, eu Galo, ele Cruzeiro.
Não me importava e nem
queria questionar nada! Estilo arquitetônico, gosto, mau gosto, aversão,
implicância ou crítica religiosa. Interessava-me mais o que estava nas
“entrelinhas”, “escondidinho”, aquilo que foi preparado para “espantar” gentes,
“pra deixar nóis de boca
aberta”!
Em Belô, Beagá cabe de tudo,
tem-se a mania de derrubar tudo passando por cima da História da cidade.
Somente nos anos noventa é que uma nova consciência de preservação do
patrimônio cultural começou a ser desenvolvida e praticada. Esta é a cara de
Belo Horizonte, convivem aqui vários estilos que acabam por dar à cidade uma
configuração particularizada. Ainda restou da época da construção da cidade, da
antiga Curral Del Rey, o Museu Abílio Barreto, sede da antiga fazenda do
Leitão; temos a modernidade de Niemeyer encravada no complexo arquitetônico da
praça da Liberdade ao lado de todo o futurismo do “Rainha da sucata”.
Num retângulo com algumas
quadras, convivem estilos Nouveau, Décor,
moderno, o contemporâneo extremamente vítreo e agora o “retrô” (?)
“barango” do templo Maior.
Quanta História se perdeu
na construção deste novo “patrimônio” que só de estacionamento privativo possui
mais de “trocentas” vagas e atrás tem um
“hotel”.2
Eu quis voltar na semana
seguinte, mas várias ocupações me impediram. O máximo que consegui foi
observar da janela do busão circular
SC02, o contorno de todo o prédio e ontem, quarta-feira, “quarenta anos da
cruel e assassina ditadura militar” resolvi que mesmo tendo tempo era melhor
ficar em casa e descansar, fadiga oncológica devido às sessões de radioterapia.
A semana fora puxada e o corpo só pedia cama!
Cheguei cedo em casa,
antes das treze horas e enquanto comia um macarrão requentado, sobra da segunda-feira,
liguei a TV e dei de cara com o programa da igreja Universal anunciando a
inauguração do templo Maior para o domingo próximo às dez da manhã. E lá vinham
várias imagens do local, terrestres, aéreas, internas, externas, de baixo, de
cima, preenchiam toda a tela da televisão durante a chamada televisiva. Realmente o
lugar era imenso, retangular e lembrava as construções do império romano. É uma
“obra extremamente grande” sem ser grandiosa e me deu uma sensação estranha,
ruim. Isto porque enquanto almoçava, o programa exibia tomadas internas do
local e o “espanto inicial” se transforma em decepção ao ver que por dentro é
um grande retângulo limpo, lotado de cadeiras, sem a imponência do exterior,
sem nenhum charme, nem o charme dos campos de futebol.
Um palanque, ops, um
palco imenso serve de altar; uma tribuna, luzes, um painel com uma paisagem
artificial e cadeiras e mais cadeiras, para lá de mil. O grande retângulo
recebeu “acabamento” só por fora e as palavras literalmente “lidas” pelo bispo
no programa, embora queiram demonstrar fé, que é uma obra de Deus, para Deus,
são traídas pelo semblante de pouca humildade, pelo uso excessivo de gestos que
denotam toda a euforia, alegria, orgulho e entusiasmo por ter atingido o objetivo:
causar impacto pela enormidade, pela grandeza, pelas proporções descomunais.
Por um instante, pensei
estar sendo terrivelmente cruel, fria, dura demais na avaliação, mas a imagem
seguinte trás o bispo Maior, Edir Macedo, pregando no templo Maior de São Paulo
que por dentro é praticamente igual ao de Beagá e “zilhões” de vezes maior. E o
homem fala que tudo é “obra de Deus”, que Deus quer manifestar sua obra na vida
insignificante das criaturas, mas não na cura de “perebas ou resfriados”, mas
sim, em grandes obras, obras grandes.
E o outro bispo, o do
templo maior daqui de Belo Horizonte, repete o tempo todo que nada somos, que
só “deus” é grande e “Grande é a sua Obra”.
Com a decepção me veio tristeza aos olhos ao ver toda aquela gente lá e cá ser conduzida a uma “vida
de gado”. Paulistas, mineiros, brasileiros, seres humanos em várias partes do
mundo que têm na fé, o único alívio contra as agruras do mundo contemporâneo.
Milhares de pessoas
humildes capturadas por aquilo que têm de mais bonito: a crença na doutrina de
um Deus que criou o homem num gesto de imenso amor e que nos enviou seu Filho
para nos mostrar que as Maiores Riquezas estão no amor a Deus e ao próximo, na
tolerância, na compreensão, no compartilhamento, na caridade, na misericórdia. E que ao
contrário do que afirma o “bispo de lá” e o “bispo de cá” Deus nos pede que
valorizemos os “tesouros do céu, do coração, que nem traça ou ferrugem pode
destruir ou corromper. ”
Que pena que, às vezes,
muitos de nós buscamos e cultivamos uma fé que precisa de templos Gigantes,
templos Maiores, mesquitas Imensas, catedrais Suntuosas, igrejas Faraônicas e
nos deixamos levar por aqueles que se intitulam donos das palavras dos grandes
profetas e de Jesus, o Cristo; que se apropriam da doutrina de Maomé, dos ideais budistas,
que invertem a visão de Deus nas várias religiões, seitas e cultos existentes
no mundo todo.
Aprendi que a base de
tudo é o amor ao próximo como prega Jesus, não importando se este é judeu,
palestino, africano, europeu, asiático, budista, batista, metodista, universa, assembleia de Deus; se está do
lado de baixo ou acima da linha do Equador. E para quem tem mesmo fé, não
importando aquilo que chama de Deus, a verdadeira grandeza está na simplicidade
do amor, do amor por si mesmo e ao outro.
O sentimento ruim, a
frustração, a decepção que senti foi por ter entendido o que estava “escondido”
para além dos tapumes da maior obra maior. A escala gigantesca não é para
“agradar a Deus”, que como brada o profeta Amós “detesta e despreza as vossas
festas, não se sente honrado com as vossas assembleias solenes e nem quer os vossos
holocaustos nem as vossas oferendas”, mas simplesmente satisfazer o “ego” dos
idealizadores e convencer as pessoas a buscarem o lugar, a nova religião pela
suntuosidade, beleza e imponência faraônica de igrejas.
O intuito por trás de
tudo é também fazer os filhos de Deus se
sentirem inúteis, pequenos, ínfimos, um nada aos pés da imensa igreja e do seu
bispo maior. E é exatamente isto que está nas palavras dos bispos: que nós
somos reles criaturas, um nada, uma impotência perante a imponência do palácio,
que de Deus só tem a fé dos “seus pequeninos, seus escolhidos”; uma crença, uma
fé muito útil e comercializável e produtora de grandes, enormes, imensas e
gordas “obras” monetárias.