MOLÉCULA DE ARQUITETO
Sérgio Antunes de Freitas
Meu tio era brincalhão!
Quando estávamos tomando um café quentinho, passado na hora, ele zombava da minha tia, comentando de sua mania em economizar! Por isso, sempre no café novo, dizia, ela acrescentava o restinho do café velho, que dormira na garrafa térmica.
Não era verdade, mas ele concluía: - Neste café que estamos bebendo, há moléculas do café que a vovó fazia.
Essa história de família foi a melhor forma que encontrei, para descrever o que há por trás do prêmio mais importante da arquitetura mundial.
Meu amigo e colega, cujo talento profissional é indiscutível, refletido em sua elevada técnica de projetação, me enviou uma mensagem logo de manhã, como de costume.
Era o endereço eletrônico de uma revista especializada, a ArchDaily, com a informação sobre o Prêmio Pritzker de 2022, recebido pelo Arquiteto Diébédo Francis Kéré, nascido em Burkina Faso, na África, é bom registrar. Nas ilustrações, imagens dos belíssimos prédios concebidos por ele. Ele já era celebrado por todos os colegas e o esperado prêmio veio consagrar seu mérito de largo espectro, pois também é um educador e ativista social.
Comentamos sobre a escolha, com as palavras mais elogiosas: merecido, talentoso, genial e outras.
Depois disso, provavelmente, pensamos a mesma coisa. Pela nossa idade e nosso trabalho até hoje, nunca ganharemos um prêmio desses. E, por certo, a maioria dos arquitetos pensou a mesma coisa. E os mais jovens, afora os sonhos, podem ter sentido alguma frustração, por ver a distância entre a dedicação necessária e o sucesso do Kéré. Talvez, como já aconteceu comigo, há muitos anos, sentiram alguma frustração e até a vontade de mudar de profissão.
https://www.archdaily.com/tag/diebedo-francis-kere "Last Tuesday, March 15, Francis Kéré became the first African architect to win the Pritzker Prize, the most important award in the architecture discipline."
Contudo, o amadurecimento do profissional o leva a fazer trabalhos sem esperar a contrapartida da fama, do reconhecimento e até mesmo de uma remuneração mais justa. Quando tomam assento à prancheta, ou melhor, atualmente, à bancada do computador, voam. Apenas voam, como os pássaros, sem a preocupação do espetáculo causado involuntariamente.
Também, desde os primeiros dias de faculdade, todos os estudantes e, depois, os profissionais comentam sobre os bons arquitetos e a boa arquitetura, em todos os lugares do mundo, do presente e do passado.
Tão comum ouvir: - Você conhece a obra da Zaha Mohammad Hadid? Era uma arquiteta maravilhosa!
Ou: - Cara, você já viu a perfeição de projeto do Lelé, o João Filgueiras Lima? Incrível!
Essas impressões do dia-a-dia são levadas a encontros nacionais e internacionais, divulgadas em entrevistas, em aulas formais e informais, mostradas em artigos acadêmicos ou mesmo em simples textos e mensagens, hoje, nas redes sociais.
As obras relevantes são descritas, fotografadas, desenhadas, pintadas, comentadas, elogiadas, festejadas e, assim, vai se formando, aliás, aumentando o meio de cultura dessa arte, oriunda do início da civilização ou mesmo antes dela.
Da fervura desse caldo, tem-se uma decantação, na qual ficam expostos em posições superiores os grandes nomes, as boas práticas, os resultados admiráveis.
Todos participam!
E, assim, a arquitetura vai tomando proporções cada vez mais belas, altivas, augustas, magníficas, aproximando-se cada vez mais da perfeição e da adequação ao bem-estar humano.
Por conta desses processos e desfechos, quando eu conheço de um sucesso como o do Kéré, eu vibro.
Eu me sinto uma molécula feliz e orgulhosa!
Sérgio Antunes de Freitas
Março de 2022
Beijos pra você e para a Arq. Amanda!
ResponderExcluir