CRÔNICA DE UM CEGO
www.google.com.br/images. José Saramargo sobre a pior cegueira: cegueira moral!
Sérgio Antunes de Freitas
Como sabem os meus amigos, por conta de um descolamento de coroide e retina, perdi a visão de um olho.
E, como é filho de mesmo pai e mesma mãe, o outro parece seguir caminho igual. Tomara que perca o rumo!
O fato assemelha-se a uma passagem bíblica: “Das trevas viestes; às trevas, voltarás.”
Mas ainda não é a escuridão inevitável e definitiva, aquela rigorosa após a vida.
Também o sonho no sono continua e deve continuar sendo um filme com formas e cores, ao contrário dos deficientes visuais de nascença, talvez, que não tiveram a oportunidade de gravar essas informações no cérebro.
Sem falar nos sonhos em vigília! Que continuem!
Por outro lado, já começo a confirmar o ditado popular: “os cegos podem ver na escuridão”.
Os mais velhos, já com a vista cansada, conseguem enxergar melhor e ver a vaidade nas palavras de uma pessoa discursando, aparentemente, com as melhores intenções do mundo.
O invisual consegue ver através dessa vaidade e saber suas prováveis razões, como a insegurança, devido a sofrimentos passados, ou a deficiência na educação paterna e materna, ou a carência de atenção e de afetividade.
Muitos de nós adoramos a música “Wonderful Word”, pois, além de todas as suas boas qualidades sonoras, traz uma essência de verdade, resumida em seu próprio título.
Além de todos os exemplos demonstrados na canção, ainda há infinitos outros que poderiam fazer parte de sua letra: o olhar da mãe amamentando; a pele lisa, limpa e suave do braço feminino; o abraço da criança em seus avós; ou o abraço dos avós em seus netos; o beijo delicado em cabelos brancos; o sorriso de um reencontro desejado e inesperado.
Reconheço, portanto, ter sido o receptor de uma dádiva, a de ver coisas lindas ao longo de décadas. Também vi coisas tristes e sempre desnecessárias de terem acontecido.
Com a vista cansada ou morta, as pessoas conseguem ver a ganância de outras, destruidoras da natureza, a troco de troco. Sim, porque as perdas dessa aniquilação, em rápida, porém certeira análise ecológica, têm um valor infinitamente maior que a falsa, volátil e egoísta riqueza que geram.
Esses devastadores levam a cegueira ao futuro, já que impedem as próximas gerações de verem as perfeições proporcionadas pelo ambiente natural do planeta.
Mas há outro aspecto extremamente decepcionante nessa história toda. A maioria das pessoas, transeuntes do tempo, não vê esse universo maravilhoso, por seus olhos estarem nublados pela avidez, pela ignorância, pela hipocrisia, pela maldade.
Pessoa amiga, olhe sempre com desvelo por quem e para quem você ama. Lembre-se, um dia, poderá lhe faltar a luz.
Ou, muito pior, lhe faltar o ser que você ama.
Sérgio Antunes de Freitas
Agosto de 2017
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