O nepotismo e o amor
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Hélio Schwartsman
SÃO PAULO - Deu na Folha que 16% dos desembargadores do TJ do Rio são parentes de alguém no Judiciário.
Essa taxa aumenta ainda mais se considerarmos só os magistrados
indicados pelo Ministério Público e pela OAB, para os quais o jogo de
influências tende a ser mais decisivo.
O nepotismo no serviço público é provavelmente um problema insolúvel, já
que tem origem num descompasso entre a nossa programação biológica
original (que nos faz proteger filhos e outros parentes) e o ambiente
moderno em que vivemos (que exige que o poder público contrate
servidores com base apenas no mérito). Ele entra, assim, na mesma
categoria de outras armadilhas evolutivas, como a obesidade (nossos
corpos armazenam muito mais energia na forma de tecido adiposo do que o
necessário hoje em dia). E, sempre que as instituições se opõem à
biologia, as primeiras tendem a levar a pior. Não foi por outro motivo
que o comunismo fracassou.
Se quisermos manter o problema ao menos sob controle, precisamos fazer
com que a decisão de quem contratar passe tão longe quanto possível dos
gabinetes dos poderosos. O caminho é profissionalizar a administração ao
máximo e dar preferência a concursos nos quais os examinadores não
conheçam a identidade dos candidatos. Processos muito políticos, como as
indicações por entidades de classe, são difíceis de conciliar com esses
princípios.
De toda maneira, o conceito de armadilha evolutiva ajuda a desmitificar
algumas ilusões recorrentes. Embora as ideologias políticas mais em voga
afirmem o contrário, é impossível uma sociedade ser justa e livre ao
mesmo tempo. Se ela é justa, as pessoas que se esforçarem mais
acumularão mais bens. Se é livre, elas os transmitirão a seus parentes.
Mas, neste caso, a sociedade deixa de ser justa, pois alguns herdarão
riquezas pelas quais não trabalharam.
O problema de fundo é que o amor é discriminatório.
Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve na versão impressa da Página A2 às terças, quartas, sextas, sábados e domingos e às quintas no site.
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