Marina da Silva
Estava na loja de calçados procurando uma rasteirinha baratinha para aliviar dores nos pés causados por um sapato desgraçado que me comia os calcanhares, um dedão do pé e os dedinhos quando ele entrou procurando sapatos. Era um homem mediano, aparentando no máximo trinta e portando uma calvície de preocupação ou tique nervoso, aquela onde ocorre uma devastação capilar nas laterais da cabeça de tanto se passar nervosamente as mãos. A vendedora quando o viu frente à vitrine de calçados masculinos me abandonou sem qualquer hesitação de olho na gorda comissão. Entre uma rasteirinha vagabunda de dez reais que provavelmente se esfacelaria no trajeto deixando-me na mão antes da porta de casa e um sapato masculino... Nem eu pensaria duas vezes, aliás, nem uma! Fiquei onde estava um olho na rasteira o outro na transação. O homem passava os olhos pelos sapatos enamorado, conferindo os preços, ouvindo educadamente a moça que desfiava fervorosamente um rosário sobre as qualidades, beleza, design e origem do couro das melhores marcas em exposição: Democrata, San Marino, Ferracini. O acabamento é de primeiríssima, este imita os modelos italianos, aquele detalhe dava um tcham, este outro tem a cor da moda, um era o mais vendido e combina com tudo! Por um instante parei nos olhos de ambos: uns ardiam por um novo par de bons sapatos os outros por uma boa venda para encerrar o dia. Eu, rasteirinha apoiando o queixo, sem perceber, acompanhava excitada o desenlace aguardando minha hora de ser atendida. Nenhum dos dois dava mais por minha presença e desfilavam ora para frente ora para trás na passarela dos calçados e eu ia com eles estacada na vitrine oposta postada na banca de oferta dos chinelos e sandálias ouvindo as propostas sedutoras da moça: três vezes no cheque e entrada para só daqui a 30 dias, cinco vezes sem juros no cartão Mastercard ou Visa!
_ Eu tenho um Ferracini! Ouvi o moço confessar a vendedora e completar - por hora eu quero mesmo é um sapato baratinho sabe, para o dia a dia, um sapato de professor! A garota fez um ah decepcionado e eu ergui curiosa as sobrancelhas. Sapato de professor? Sem perceber comecei olhar mais detidamente o rapaz. Trajava um jeans surrado, um tênis esgarçado e uma camisa pólo de um azul indefinido. Trabalha para o estado ou prefeitura conclui em pensamento e completei: já fui como ele, um cabo de vassoura... Mas entre o feijão e o sonho o estômago roncou mais alto e fundo! Quando pensei estar realizando o sonho de lecionar, meados dos anos oitenta, a Educação no país entrava num pesadelo e desgaste profundos. Em franca decadência, ao rebaixamento salarial impensável juntou-se a precarização das condições materiais e estruturais de trabalho dos professores e uma perversa desqualificação moral dos mesmos! Virou rotina nas escolas públicas, principalmente no ensino básico e médio, longas greves por melhores salários e condições de trabalho e vida, o assédio moral, as violências físicas e psicológicas nas relações deterioradas entre professores/alunos/pais/colegas de serviço. O sistema educacional brasileiro está há muitos anos falido e é impossível esconder este tenebroso quadro acelerando o conhecimento sem acertar o passo, compasso, métrica, etc fechando os olhos e tapando os ouvidos a este fenômeno na educação formal do brasileiro. A quantas anda o ensino no Brasil neste século de Brasil BBB das potências econômicas emergentes Bric’s?
* “Elevados índices de repetência e de abandono da escola no Brasil foram apontados em relatório da Unesco. Com índices de repetência e abandono da escola entre os mais elevados da América Latina, a educação no Brasil ainda corre para alcançar patamares adequados para um País que demonstra tanto vigor em outras áreas, como a economia.” Estadão 19-06-10.
* “61% dos alunos do 5º ano não conseguem interpretar textos simples. 60% dos alunos do 9º ano não interpretam textos dissertativos.” www.educador.brasilescola.com/ jun/10
* “A difícil nota 6 da educação brasileira. Com uma nota atual de 4.6 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) o Brasil tem como meta alcançar nota 6 em 2021.” O Globo 27-06-10
* Relatório da ONU mostra que o Brasil tem uma das maiores desigualdades sociais do mundo”. Jornal Nacional 23-07-10
“Dilma Rousseff defendeu a educação como principal fator para promover maior inclusão social no Brasil. Ela disse que o fortalecimento da educação precisa significar valorização financeira e social do professor.” Correio Brasiliense 22-07-10
“José Serra, disse que educação tem de ser uma obsessão de governo porque o desenvolvimento e a qualidade de vida dependem no nível de ensino. (...) seu avô e seu pai eram analfabetos, mas no Brasil não há mais espaço para isso.” Correio Brasiliense 22-07-10. Grifos meus.
A educação no Brasil é fundamental e professor é a profissão mais importante, digna, honrada, sagrada e celestial do mundo... E é lógico estavamos em ano de eleição e as campanhas em pleno vapor e como sempre defendendo saúde, educação, segurança, arroz, feijão! Até quando os professores seguirão adiante mal pagos, em péssimas condições e relações de trabalho, desqualificados, sofrendo assédios vários (físicos e/ou psicológicos), entre uma licença e outra dando suas aulas, contribuindo socialmente para a ordem, progresso e grandeza da nação, usando, com inexplicável(?) orgulho seus sapatos de professor? Aos mestres, com amor!
Oi, Marina, tudo azul? Pergunta de mineiro. Moro em BH e me indicaram o seu blog. Também fui professora, estou aposentada mas "o uso do cachimbo faz a boca torta", como se costuma dizer. Tenho uma casinha na roça e dou aulas de reforço como voluntária para as crianças do povoado. Também tenho um blog, onde falo de alimentação funcional. Tive ca de mama e a maioria de meus seguidores é gente procurando saúde através dos alimentos. Passe por lá, será um prazer. A partir de hoje, torno-me seguidora. Um superbeijo e sucesso!
ResponderExcluirAngela Fonseca
http://noticiasdacozinha.blogspot.com