MODINHA DOMÉSTICA
Sérgio Antunes de Freitas
www.google.com.br/images. Não é sonho nem delírio: são os homens século XXI! Xô Idade da Pedra e bem vindos a civilização os homens com H...humanos E ANTENADOS com esse admirável mundo novo onde homens e mulheres estão juntos e misturados!
Todo fim de semana, era a mesma coisa!
Ele até comprava alguma coisa para o almoço, ajudava a lavar o banheiro, levava os meninos para vacinar, consertava fechaduras, trocava lâmpadas.
Mas, no domingo, depois do almoço, ou mesmo durante, ele começava a tomar das suas: cerveja, vinho, cachaça! Aí, não largava mais o copo nem para ir à garagem ou banheiro.
Então, a esposa ficava com aquela cara de quem não está participando, meio emburrada.
Frustrada, sonhava com um domingo que tivesse outra coisa, além de assistir aos programas de televisão, sem conteúdo, mas com ótimo padrão de qualidade.
Como na música Modinha, do Chico Buarque, um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar. Depois de tomar umas branquinhas com limão, decidiu e anunciou, já com voz pastosa, típica de bebum: - Vou lavar a louça todinha do almoço.
Já era fim de tarde, quase escuro, quando ele completou o copo e se dirigiu à pia da cozinha, mais parecida com um monte de lixo da periferia, um pós-guerra, de tanta tralha suja e empilhada.
A esposa, temente que ele se machucasse, pensou em interferir.
Mas se aquietou e imaginou o máximo que poderia acontecer: ele se cortar, perder muito sangue e ir para ao hospital. Lá, após os procedimentos de internação, perguntaria: - Doutor, ele tem chance de escapar?
Voltando à realidade, escutou o barulho de louças e talheres, sob água corrente, contrariando os atuais princípios de economia do precioso líquido.
Ela olhava a televisão com um olho e a porta da cozinha com outro, sem acreditar no que acontecia.
Fingindo naturalidade, avisou com voz cantada: - Teobaldo, cuidado para não se machucar, meu amor!
- Rosalinda, minha linda, o importante é ser útil! respondia o ébrio de fim de semana.
Parecia uma escola de samba iniciando seus treinamentos em agosto: sons de pratos com pratos, copos com dentes, calcanhar com geladeira, sola com pé de fogão, talher com torneira.
Muito provavelmente, ele havia se sensibilizado com uma imagem que viu em uma rede social da Internet. Era a de um papel grudado em cima de uma pia de cozinha, no qual a mãe escreveu: Filhos, lavem a louça sempre sorrindo e cantando, pois isso significa que tivemos o que comer.
Sem dúvidas, uma frase maravilhosa, emocionante. Tanto é que o Teobaldo lavava e chorava.
Enfim, como em um milagre, Teobaldo deu o trabalho por encerrado, até passando o pano de prato na pia, para secar a bancada. Tudo limpinho e enxugado.
Renovou o copo e, após entorná-lo, satisfeito, foi dormir, para aguardar a segunda-feira em paz.
Rosalinda já não prestava atenção no seu ídolo da novela, o qual contava a sua vida otimista e a sua carreira complicada e difícil, no programa televisivo, que o enchia de elogios e salamaleques.
Pé ante pé, a esposa foi ao quarto conferir se o maridão já se encontrava no mundo comandado por Hipnos, o deus do sono, e Morfeu, seu filho, o deus dos sonhos.
Certa disso, pegou a agenda e buscou o telefone da sala, bem longe do quarto, para que seu esposo não escutasse a conversa nem em hipótese remota.
- Carlão, aqui é a Rosalinda.
Após os agrados sociais de praxe, ela iniciou uma conversa em voz baixa, com uma pergunta essencial: - Carlão, foi você quem arranjou aquela cachaça para o Teobaldo? ... É que eu queria encomendar mais oito garrafas...
Sérgio Antunes de Freitas